A avaliação acontece no caminho: na observação individual e coletiva das crianças, no registro das situações marcantes e esclarecedoras, na reflexão e organização das informações e na construção de instrumentos de avaliação, como os relatórios individuais.
Se a avaliação é consequência da visão sobre um processo, então ela é contínua e começa agora! Seja quando for esse “agora”!
Compreender a dimensão dessa questão ajuda a mudar o olhar para a avaliação e o ciclo virtuoso do processo de ensino: planejar, atuar, observar, registrar, refletir/avaliar, replanejar.
Mas, para que o professor possa enxergar em seus registros as trilhas de aprendizagem percorridas pelas suas crianças, é preciso intencionalidade na observação e organização das informações levantadas nos registros.
O que quero dizer com “intencionalidade e organização das informações”?
É registrar a partir de critérios e se preparar para que os registros realizados ao longo do dia, durante a ação pedagógica, revelem informações que ajudem na reflexão.
Ao entrar numa proposta preparado com um bom planejamento e clareza sobre o que observar e registrar, o professor obtém referências para “uso imediato” – para pensar no planejamento da continuidade das propostas, e também para “uso continuado” – para analisar o processo de desenvolvimento das crianças, suas conquistas, fragilidades e necessidades. É pensar no registro e na reflexão como vitaminas para a prática docente que vai conquistar uma escuta ampliada. Desse modo, as ações das crianças vão ser melhor identificadas e compreendidas, e os caminhos para novos planejamentos serão revelados.
Como fazer isso acontecer?
- Programar situações de observação: o que estou precisando observar nas crianças? Quais aprendizagens/necessidades não estão claras e necessitam mais informações? O que está faltando saber?
Se você estiver lendo esta postagem no início de um período letivo, é importante planejar situações diversificadas para observar, conhecer e construir vínculo com as crianças. As informações levantadas nas observações realizadas neste período serão as bases para identificar as necessidades de aprendizagens individuais e coletivas e as curiosidades da turma. As primeiras observações são os pontos de partida das jornadas das crianças, que sinalizam como elas chegaram e os seus processos de aprendizagem e conquista. Veja abaixo uma relação de postagens sobre o período de acolhimento. - Ser fiel aos objetivos da proposta mesmo quando o imprevisível toma conta da situação: quais foram os objetivos previstos para a proposta? Quais estratégias adotar para poder observar as crianças com foco nos objetivos pré-determinados? Não deu para observar ou as crianças tomaram outra direção? Não tem problema! Faça o planejamento de uma nova proposta com outras estratégias que favoreçam as experiências de aprendizagem que não aconteceram na primeira situação… e observe e registre novamente!
- Ao planejar a pauta de olhar (o que precisa ser observado e registrado durante a atividade), escolher 2 ou 3 crianças para serem observadas individualmente – porque não dá para observar tudo de todos numa só proposta! Além de registrar as ações do grupo em relação ao foco ou objetivo, também é importante selecionar previamente algumas crianças para observar e registrar suas particularidades. Ao “fazer um rodízio” de observações, ao longo de um período, cada criança contará com informações singulares sobre o seu desenvolvimento, suas conquistas, fragilidades e necessidades. Vale ressaltar que o registro individual é a base de uma educação inclusiva. É preciso considerar, registrar e trabalhar as peculiaridades de cada criança.
- Refletir sobre o ocorrido, organizando as informações levantadas. Além de refletir sobre as vivências das crianças para encaminhar desdobramentos ou a sequência das propostas, é importante reservar um tempo para rever as informações contidas nos registros e separar o que foi observado sobre cada criança, individualmente:
“Vou anotar nos registros do Pedro que ele já está desenhando a figura humana, mas ainda com poucos detalhes”.
“Vou anotar nos registros da Maria que ela atribuiu significados à almofada, entrando no faz de conta e transformando o objeto no cachorro da brincadeira”.
“Vou anotar nos registros do Caio que ele ainda separa o feijão e a salada e não experimenta toda a comida”.
Diversas postagens do Tempo de Creche dão dicas sobre estratégias para compor o registro individual das crianças. Veja a relação de postagens no final 😉
O que eu sugiro para começar?
Para que estes processos possam ocorrer, o professor precisa estabelecer um cronograma de ações e fugir do espontaneísmo (terror da nossa querida Madalena Freire!).
- Considere as áreas de desenvolvimento apontadas no currículo da sua cidade e/ou no projeto político pedagógico da escola e estabeleça algumas “aprendizagens sinalizadoras” do desenvolvimento das crianças – veja algumas sugestões nos quadros da postagem “Em tabelas, o que a criança faz a cada etapa do desenvolvimento”. É importante determinar algumas das aprendizagens esperadas para a faixa etária para ter um ponto de partida no planejamento das propostas e na construção do relatório individual. Obviamente, outras questões individuais vão surgir e se destacar, e também devem constar dos registros.
- Ao longo do tempo, procure as evidências do andamento das fragilidades e das conquistas de cada criança em relação às “aprendizagens sinalizadoras”:
⇒ Como a criança se comportava em relação a tal questão no início do período? O que foi observado no início do ano/semestre?
Alguns exemplos:- Em relação ao desenho, fulano estava na fase das primeiras formas, fazendo círculos e sóis, sem ainda representar a figura humana. Como está o desenho de fulano agora?
- Ou ainda, fulana brincava fazendo exploração de objetos e começava a imitar ações dos adultos como mexer a panelinha e ninar a boneca, mas ainda não assumia papeis ou atribuía significados aos objetos. E agora, como é a brincadeira da fulana? Ela entrou no faz de conta? Cria narrativas? Organiza cenários? Brinca com os colegas?
- Outro exemplo: ao se servir da água do bebedouro, fulano derruba o líquido, brinca com a água e necessita de ajuda. Como age agora?
- Ou ainda: Fulana identificava a escrita do próprio nome, mas não estabelecia relações com as letras dos nomes dos outros colegas. E agora, como fulana lida com o próprio nome, os nomes dos colegas e o reconhecimento de letras e partes das palavras?
- Faça um caderno com divisórias ou fichas de registro para cada criança, criando um arquivo de informações individuais levantadas ao longo do ano. Deixar para procurar as informações individuais nos registros gerais das atividades é o que transforma a elaboração dos relatórios num trabalho insano. Além disso, revela que o professor precisa trabalhar com foco e organização. Arquivos individualizados ajudam no acompanhamento do desenvolvimento de cada criança e no planejamento de propostas e estratégias específicas para as necessidades singulares das crianças. O olhar intencional e organizado para as características e os percursos individuais de desenvolvimento apoiam o trabalho pedagógico voltado para a diversidade e a inclusão.
- Planeje uma série de propostas que favoreçam a observação de “aprendizagens sinalizadoras” e selecione as crianças a serem observadas individualmente em cada atividade. Isso mesmo: estabeleça quais crianças vão ser particularmente observadas na atividade para melhor registrar: hoje vou observar a autonomia das crianças X, Y e Z em relação à alimentação e ao cuidado com os pertences. Vou observar fulano, cicrano e beltrano na segunda-feira, na hora do lanche, do almoço e nas arrumações para a saída. Na terça-feira, vou observar Maria, Pedro e José; na quarta, Luís, Felipe e Carina; e assim por diante. Outro exemplo: nesta semana vou fazer atividades de desenho todas as tardes para observar a questão do desenvolvimento gráfico (veja as nossas postagens sobre desenho). Vou verificar se surgem narrativas e o quão elaboradas elas estão. Na segunda, vou observar e conversar com Fulano, Cicrano e Beltrano sobre seus desenhos; na terça, será a vez de Maria, Pedro e José etc.
- Anote as informações levantadas no caderno ou nas fichas de registro individual e vá analisando o percurso da criança, relendo as observações realizadas no início do período e os registros de como ela está se saindo no momento presente. Então, reflita sobre as necessidades individuais e coletivas e planeje as próximas ações.
Ao acompanhar e avaliar as aprendizagens individuais, o professor aprofunda os conhecimentos que possui sobre a turma como um todo e da própria prática pedagógica. Como consequência, os planejamentos encaixam como uma luva nas necessidades e interesses das crianças, e a elaboração dos relatórios individuais fica mais objetiva, fundamentada e eficiente.
Assim, avaliar os percursos das crianças não é bicho de sete cabeças se o professor estiver disposto a construir uma disciplina própria e intencional. É preciso conhecer os objetivos de aprendizagens esperados para as crianças daquela faixa etária, trabalhar a partir deles, analisar as necessidades e conquistas processuais e planejar intervenções apoiadas neste estudo.
Por fim, chega-se ao trabalho pedagógico autoral. A ação pedagógica flui criativamente, deixa de ser pesada e forçada e o impacto na vida das crianças é valioso.
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PARA SABER MAIS…
Postagens sobre período de acolhimento e adaptação:
Registro no período de acolhimento e adaptação: instrumento valioso
Acolhimento: uma questão de CONFIANÇA
Acolhimento e adaptação: é hora de falar a língua da brincadeira!
Acolhimento: um tempo de escuta
Acolhimento em processo: você já é o brinquedo favorito das suas crianças?
Postagens sobre pauta de olhar, registro individual e avaliação:
Pauta do Olhar: o que o professor precisa olhar para registrar?
O que vem antes: a atividade ou o objetivo da atividade?
O que e como observar para avaliar: no início, no meio e no final do ano
REGISTRO INDIVIDUAL: A hora é agora!
Relatório individual: precisamos repensar este documento!
Postagens sobre objetivos de aprendizagem e desenvolvimento infantil: