Educação infantil à distância: um barco sem leme?

Educação infantil à distância: um barco sem leme?

Onde queremos chegar com uma educação infantil à distância?
Quais são os objetivos da creche e da pré-escola virtual?
Segundo a BNCC, a educação infantil é “o início e o fundamento do processo educacional”, e tem como objetivo “ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades” das crianças, “diversificando e consolidando novas aprendizagens, de maneira complementar à educação familiar.
Será que hoje estas metas estão sendo contempladas?

Proponho uma reflexão…

Para começar, vamos rememorar os acontecimentos dos últimos meses:

  1. Pandemia declarada.
  2. Todo mundo em casa e escolas trancadas.
  3. Ansiedade frente ao inimigo desconhecido, news e fake news assombrando os habitantes do planeta.
  4. Famílias e crianças em casa, convivendo loooongamente, em meio a tensões e sentimentos de autoproteção.
  5. Escolas começam a buscar meios para se fazerem presentes na sociedade.
  6. Inventando e testando, alguns profissionais criam estratégias para se conectar com crianças e famílias.
  7. Escolas particulares tomam a frente da situação e, reunindo profissionais daqui e dali, pesquisam, aprendem a utilizar ferramentas digitais, planejam e colocam em prática seus projetos de escola de emergência.
  8. Governos estruturam planos de ação, criam materiais e viabilizam algumas plataformas para que os professores possam trabalhar remotamente com as crianças.

Percorrendo esta breve linha do tempo, chegamos ao cenário de hoje:

  • Economia descendo a ladeira.
  • Professores estressados tirando coelhos da cartola a cada invenção de atividade.
  • Famílias em estado de tensão para corresponder ao isolamento social, às dificuldades financeiras e à escola que passou a ocupar um espaço bem menor na famosa parceira escola-família.
  • Crianças pequenas nervosas, cansadas, desejosas de ocupar seu lugar nas creches e pré-escolas.

Alguns depoimentos que conheci nas formações (à distância!) com professores, complementam o cenário complicado que estamos vivendo:

Uma mãe contou para a coordenadora da creche que seu filho de 3 anos e meio colocou a mochila e ordenou: mamãe, vamos para a escolinha. Já tô pronto. Agora vamos! A mãe respondeu: não podemos ir, a escola está fechada por causa do corona. O pequeno insistiu, já nervoso, já desiludido, já cansado da situação: mas eu quero ir! Mas eu quero a professora! Quero sair. Quero a escolinha. Aí chorou, foi para o canto e deixou rolar a desilusão. A mãe, triste por ver o filho também triste, perguntou para a coordenadora: como posso mostrar para ele a cara da professora e as fotos dos coleguinhas no celular e arriscar toda essa tristeza e incredulidade?

Eu sei, eu sei, tem a questão da resiliência, tem a manutenção do vínculo entre escola, professores e crianças, tem repertoriar os momentos de interação entre pais e filhos, tem a tentativa de manter um senso de estabilidade e normalidade, tem…, tem…, tem… mas tem desigualdade de acesso aos meios digitais e tem desencanto e frustração de todos os lados – crianças, famílias, professores e gestores.

E o que pensar sobre os depoimentos colhidos por outra diretora?

Ela nos contou que estava ligando para algumas famílias que não estavam dando devolutivas sobre as atividades enviadas pela creche. Algumas conversas foram impactantes:
Olá mãe! Tudo bem com a família? Estamos ligando para saber se você tem recebido nossas propostas de atividade.
Uma das mães responde: não temos recebido porque a internet aqui é muito fraca e não podemos pagar por uma melhor.
Em outra ligação a resposta foi mais dramática: como podemos pensar em atividade da escola se meu filho está com fome e não tenho nada em casa para alimentá-lo?
Um panorama difícil de ouvir e de solucionar…

Mas não foram só devolutivas negativas que surgiram no processo de manter um funcionamento creche e pré-escola à distância. Diversos retornos entusiasmados têm chegado de muitas famílias. Também vimos professores revelando habilidades e sensibilidades desconhecidas até recentemente. É certo que, ao final dessa etapa histórica, ficará um legado de proximidade maior entre escola e famílias, o reconhecimento do trabalho pedagógico realizado pelos professores nas escolas e a valorizarão da própria educação infantil como espaço agregador de experiências únicas e fundamentais para o desenvolvimento das crianças.

Esta é a paisagem que temos observado e, com isso, voltamos às perguntas iniciais: onde estão as interações, a escuta, o olhar e o afeto, constituintes da educação infantil? A escola dos documentos oficiais dialoga com este contexto?
Acho que não.
E por isso é preciso pensar em nortes para orientar a todos os atores desta parceria: queremos uma escola que teima em funcionar durante o isolamento social? Quais são os objetivos de uma educação infantil à distância? O que queremos atingir? Como fazer a escuta das crianças? E das famílias? Como avaliar este processo sem ter objetivos claros?

Sabemos do ineditismo e da urgência da situação, mas o fazer não pode encobrir o pensar sobre. Do contrário, caímos na metáfora de delegar aos profissionais da educação um barco sem leme, que navega na indefinição de avistar o porto de chegada.

2 comments

Com a pandemia mudou nosso cotidiano e aí vieram as dúvidas o que ensinar a distância e como será feito a avaliação na educação infantil. E por meio de atividades, fotos e vídeos estou mantendo o vínculo com os alunos e familiares, foi muito difícil e está sendo difícil para aderir a esta nova modalidade de ensino remoto. Mesmo com todas as dificuldades, estar em contato com os alunos é sempre muito valioso para ambas as partes.

Bom dia. Assisti um vídeo no YouTube e gostei da forma como vc está abordando essa situação de distanciamento entre a educação e comunidade. Este vínculo afetivo entre educadores e famílias/crianças tem mesmo que ser fortificado com ações que contemplem todos em suas especificidades. As documentações, retorno das famílias, registros positivos e negativos devem ser avaliados e repensados de forma a contemplar todo o objetivo com a educação infantil, considerando sempre o bem estar, cuidar e educar desses bebês e crianças em sua integralidade. Estarei lendo mais sobre as postagens feitas aqui, assistindo a mais vídeos. Juntos somos mais fortes e podemos fazer o melhor para nossa comunidade que precisa de nós mais do que nunca agora! Abraços…Fabiane.

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