Palavra de… Elaine e Luciani: marcas da escola de hoje e depois do isolamento

Palavra de… Elaine e Luciani: marcas da escola de hoje e depois do isolamento

Tempo de Creche convidou duas formadoras da Secretaria de Educação do município de São Paulo para conversar sobre o trabalho da educação infantil em tempos de isolamento social e o que virá depois. 
Elaine Cristina Ramos de Almeida Nunes e Luciani do Reis Farroni compartilharam o que têm percebido nas creches e pré-escolas da região do Ipiranga e nos ajudaram a pensar nas marcas que ficarão nas crianças, nas famílias e na própria instituição escolar.

Gravamos um vídeo e fizemos uma síntese do que foi conversado nesta postagem.

 

Tempo de Creche – Depois de 40 dias de escolas fechadas, notamos transformações com o propósito de acompanhar crianças e famílias neste contexto inédito. Vimos que os profissionais aprenderam novas estratégias para atuar à distância. Como vocês têm percebido esta situação?

Elaine: O que estamos vivenciando, só conhecíamos pelos livros de história. É uma situação nova para todo mundo. A prefeitura de São Paulo pediu para as escolas iniciarem um diálogo com as famílias por meios efetivos. Essa é uma questão difícil, porque muitos não tem internet. Mas, aos poucos, as escolas foram construindo um diálogo pelas redes sociais. Ouvimos falar muito do uso do Facebook e do WhatsApp, que quase todas as famílias possuem.

Mas é tudo novo e virtual, e as pessoas não estão se olhando nos olhos. Por isso, estamos diante de uma construção em que se aprende com o outro. Não tem uma só solução. Para uma escola, o contato via Facebook está bom, e as equipes estão colhendo devolutivas, contudo, para outras, este recurso não funciona. É uma construção que se faz no diálogo de cada escola e de cada equipe.

Luciani: Temos que deixar bem claro que não vamos ter ensino à distância para a educação infantil. Esta não é a proposta, mesmo que em muitas situações utilizemos a expressão “ensino à distância” para facilitar a descrição do que vem acontecendo. Temos que lembrar que o contexto da distância não é possível na educação infantil justamente pelos conceitos que a fundamentam e pela sua história, construída com tanta dificuldade. Educação infantil precisa de contato, de olho, de toque de pele. Educação infantil é o envolvimento do humano.

Fotografias dos CEIs Mundo Feliz e Santa Marina, São Paulo

Tempo de Creche – Como estão as relações com as famílias neste momento?

Elaine: Existe um movimento para que nós, profissionais da educação infantil, sejamos reconhecidos como professores. Atuamos pelo lúdico para atingir a criança pequena, mas somos professores! Então, quando recomendamos cuidado, não somos animadores de festinha infantil, estamos dizendo que o nosso dia a dia é de muito trabalho, muito estudo, muita reflexão, e que as crianças pequenininhas têm suas especificidades. Então, vamos retomar o foco: o que eu quero quando eu posto um vídeo ou conto uma história? Qual é a intencionalidade por trás desta proposta? Esta reflexão vale tanto para o atendimento presencial, quanto para este momento de distanciamento, em que o diálogo ocorre pelos meios digitais. Assim , é pela observação e pelas falas das crianças que o professor dirige suas ações e vai se planejando. Ele é o articulador das ações.

Luciani: Vamos pensar sobre isso do ponto de vista das atividades enviadas para as famílias. Neste momento, o que significa postar uma atividade na rede? É só contar história?
Não! Precisamos ter claro que o professor não é um animador. Quando fazemos uma conversa com a família, isso é uma atividade! Quando ligamos para saber como todos estão passando, é atividade! Quando, por exemplo, organizamos o grupo de WhatsApp da turma e dialogamos, fazemos uma aproximação: eu estou aqui! Não posso resolver o problema do mundo, mas estou te dando este abraço virtual, estou preocupado(a) com você!

Esta conversa com a família é uma atividade. Orientar as famílias a conversarem com as crianças, é uma atividade. Temos que abrir um leque de possibilidades para a comunidade.

Quando voltarmos, não seremos os mesmos e precisaremos refletir: onde temos errado no contato com as famílias? O que vamos tirar de bom desta situação para melhorá-la? Somos parceiros e não concorrentes.

Tempo de Creche – Enquanto crianças, famílias e educadores se dividem entre a busca de uma normalidade possível, muitas mudanças se processarão. Quais marcas ficarão para a volta à nova normalidade?

Elaine: Antes, as crianças tinham uma escola, um parque, uma praça, saiam à rua, iam ao mercado com as famílias e conviviam com outras pessoas. Hoje as crianças estão enclausuradas nas suas casas. Por exemplo, um bebê de 8 meses, que não vivenciou tudo isso plenamente, vai ter contato com as pessoas quando esta fase acabar. Então, a retomada e a adaptação vão ser atípicas, porque o que estamos vivenciando neste 2020 é também atípico.

Luciani: vamos voltar para a escola e fazer o quê? Fingir que nada aconteceu? De maneira nenhuma! Mães e crianças que viveram a pandemia serão outras. Os portos seguros não serão mais tão seguros. A gente não estuda formalmente reinvenção, mas nós nos reinventamos diariamente.

Aprender e escutar o outro é essencial na nossa vida de professor, tanto nos momentos de distanciamento, quanto nos momentos presenciais. A adaptação à escola vai ser um período totalmente atípico. Mesmo que a gente quisesse retornar para a escola e retomar de onde paramos, não seria possível.

Nesse momento estamos aprendendo a lidar com esta realidade. Não temos uma receita, a secretaria não tem e vocês também não têm. Para lidar com tudo isso, não podemos esquecer nossos conceitos e acolher os profissionais para que eles possam também acolher as famílias, porque todos nós temos medos, inseguranças, problemas de saúde e econômicos. Então, eu fico com duas palavras: humanização e humildade.

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PARA SABER MAIS…

Elaine Cristina Ramos de Almeida Nunes é pedagoga, foi diretora de pré-escolas e é formadora na Diretoria Regional de Educação do Ipiranga – município de São Paulo.

 

Luciani do Reis Farroni é pedagoga, foi coordenadora de creches e é formadora na Diretoria Regional de Educação do Ipiranga – município de São Paulo.

 

Leia mais sobre a escola durante o isolamento social nas postagens:

3 comments

O cenário mudou, a estrutura mudou e certamente o aprendizado não será o mesmo. Sabemos das dificuldades que essas famílias enfrentam, vemos crianças realizando atividades sentadas no chão de cimento ou em um sofá velhinho, sem ter um apoio. Enfim, as dificuldades são inúmeras.

Adorei a abordagem de vocês, sou coordenadora pedagógica de um CEI, participo dos cursos ministrados pela Luciani e Elaine, elas são maravilhosas. Parabéns à todas as participantes. Obrigada.

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