Crianças, famílias e educação infantil à distância: como juntar tudo isso?

Crianças, famílias e educação infantil à distância: como juntar tudo isso?

A situação grave em que vivemos nos força a inventar uma nova escola em tempo real. Em meio a este desafio nada simples, ainda driblamos a necessidade do isolamento social, ideologias políticas desalinhadas com a recém conquistada BNCC e a busca de estratégias para reconstruir o binômio ensino-aprendizagem. Tudo porque colocamos na cabeça o desejo de implementar remotamente a escola “olho no olho”, com professores presentes de corpo, alma e paixão.

Novos tempos…

O processo de criar oportunidades de experiências para a criança que convive, brinca, participa, explora, se expressa, se conhece e assimila valores, ficou abalado. Como fazer isso longe da estrutura escolar? Como valorizar o diálogo, o protagonismo da criança e exercer a mediação pedagógica para trilhar jornadas investigativas? Como viabilizar uma abordagem que favorece o interesse da criança por contextos de pesquisa, criação, interação e expressão?

Estas questões estão na pauta das escolas que elaboram modos de trabalhar com os pequenos à distância, buscando encurtar o distanciamento físico e manter a proximidade afetiva. Uma tarefa que demanda criatividade e alicerces: estrutura tecnológica, trabalho em rede entre a equipe pedagógica, parceria das crianças e, fundamentalmente, das famílias.

Temos problemas…

O problema é que esta pareceria expõe fragilidades antigas: como a escola tem construído elos com sua comunidade? Será que a parceria estabelecida com as famílias se faz suficiente para sustentar a transformação que a situação de afastamento demanda? Não é simples…

A sociedade derrubou o mito de entender a quarentena e o isolamento social como um momento de ócio criativo, de não fazer nada e de imaginar que ficar em casa vai nos permitir arrumar aquele armário esquecido!

Estamos todos ocupadíssimos, nervosos, desorganizados, intranquilos e mais um montão de adjetivos que se afastam da ilusão do tempo de sobra para assistir todas as séries da TV. As famílias tiveram que assumir a paternidade exercida nas férias e feriados, só que sem data para acabar. Acumularam o trabalho de manter a casa limpa, os estômagos saciados e se dedicaram com afinco à vida profissional garantir o emprego.

Estamos também repensando “antigas” recomendações. Depois de ouvir de médicos e educadores que a exposição de crianças às telas é prejudicial, descobrimos que são justamente elas que nos permitem levar um pouco da escola para casa dos alunos! Agora já admitimos que o problema com celulares, tablets, TVs e computadores é a passividade à qual as crianças ficam submetidas… verdade ou desculpa?

Estamos tentando…

E aí… no meio desse turbilhão conceitual e emotivo… a escola envia virtualmente atividades para as crianças pequenas! Atividades que, no mínimo, demandam um encaminhamento por parte dos pais, seja para ler enunciado, organizar materiais, preparar cenário de brincadeira, conectar a criança com site sugerido ou brincar junto.

Não raro, quando chegam as atividades, algumas famílias entram em parafuso: como a escola está mandando muita coisa e eu não dou conta, não vou fazer nada! Não sou professor(a) e não tenho obrigação de substituir a escola! Aí rompe-se a parceria e o trabalho de construir modos para a escola se fazer presente na vida da criança à distância.

Outras “razões” justificam esta dinâmica. Como a educação infantil “não reprova”, existem famílias que desistem, não se envolvem e, na rede particular, tiram as crianças da escola. É preciso ressaltar que isso provavelmente não aconteceria se as crianças estivessem nas etapas seguintes da educação, nas quais existe o risco de reprovação.

O que este cenário complexo nos diz?

Podemos entender que a etapa da educação infantil ainda é vista por muitos como uma babá de luxo da criança, apesar dos estudos que atestam seu valor na formação dos alicerces do desenvolvimento humano.

E, sinto dizer, isto é nossa culpa!

Já me dizia a saudosa e querida educadora, Denise Nalini, que a escola também tem a função de educar os pais. Precisamos assumir este papel e educar os pais em relação à importância da necessidade de uma rede de educação e saúde em torno do desenvolvimento da criança pequena. Família, escola e instituições de saúde unidas trabalham para formar uma criança saudável, inteligente e emocionalmente competente. Se um dos elos se quebrar, todo o sistema ficará comprometido.

Algumas sugestões…

Sem a pretensão de que este texto declare verdades absolutas, indico algumas sugestões para escolas e educadores:

  • Se é nosso papel educar as famílias, como estamos nos aproximando delas neste momento tão adverso? Como estamos trabalhando a compreensão da importância da educação na primeira infância? Estamos preparados para escutar os pais, esses “alunos crescidos”, ou simplesmente assumimos que “eles não compreendem, não se engajam ou não participam”? Veja que, no curso de pedagogia nos ensinaram a não nos conformarmos com estas respostas!
  • Estamos investigando os contextos e as condições das famílias para elaborar planejamentos adequados? Estamos enviando propostas em demasia? Ou estamos mantendo um contato insipiente e impessoal? Os planejamentos incluem um equilíbrio entre propostas que demandam a participação dedicada da família, e propostas em que a criança pode trabalhar/brincar sozinha?
  • Estamos valorizando o empenho das famílias e, com a autorização delas, postando o resultado de seu engajamento? Estamos acolhendo as sugestões? Ações como estas se encontram com os propósitos da documentação pedagógica: organizar os registros dos processos e as produções e expô-los para sistematizar os conteúdos trabalhados. Sem este elo, a aprendizagem fica perneta – para as crianças e as famílias!
  • Finalmente, esta é a hora em que a cultura e os processos investigativos ganham dimensão! As propostas precisam desafiar os parceiros: crianças e famílias têm que ser mordidos pelo bichinho da curiosidade e do interesse. Então, quais temas podem ser propostos para que os grupos de casa se engajem na pesquisa? Como os pais devem ser orientados para trabalhar em parceria com as crianças nestas situações? Quais fontes de pesquisa podem ser utilizadas? Como as famílias podem fazer o registro das descobertas e encaminhá-los? O que pensar sobre o retorno das propostas, para compartilhar os resultados da investigação com o grupo e aprofundar o processo?

É um momento em que se faz necessário criar. Mas não é momento para deixar de lado o foco da escola: ensinar.

Mas, será que está certo trabalhar com crianças pequenas à distância? Só depois de superarmos esta etapa e colhermos os seus resultados é que será possível refletir e entender o que se passou.

A bem da verdade, é que estamos movimentando o que está instituído. Estamos remexendo no conjunto de normas e valores que sustenta a escola que existiu até hoje, para criar um nova tessitura educativa, um saber instituinte que inova, rompe com o que está estabelecido e talvez construa uma escola diferente, adequada aos novos modos de viver, sem perder a essência.

PARA SABER MAIS…

Leia mais sobre este tema nas postagens:

Denise Nalini foi parceira do Tempo de Creche e excelente formadora. Leia sobre seus ensinamentos nas postagens : Palavra de… Denise Nalini: cantos de atividades e as tomadas de decisão da criança, Palavra de… Denise Nalini: escola e família, juntas na Educação e Protagonismo Infantil em 4 falas

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