A avaliação começa agora!

A avaliação começa agora!

Paulo Freire afirmava que quem ensina, aprende ao ensinar, e quem aprende, ensina ao aprender. O que estamos aprendendo no momento em que estamos ensinando? Ensinamos esperando respostas e atitudes “certas”? Ou ensinamos de forma aberta, dando tempo e liberdade para que as crianças criem e expressem suas ideias? Nesse terreno múltiplo de ensino-aprendizagem, como fazer a avaliação dos percursos de aprendizagem das crianças? Como nos preparamos para o momento de construir os relatórios individuais?

Ao analisar o hábito de fazer generalizações, o filósofo contemporâneo John Rajchman afirma que o ser humano tem naturalmente uma vontade, uma inclinação para julgar e controlar. Agindo dessa forma, acaba por desvalorizar a singularidade e reduzir as ricas diferenças.

Se pensarmos que o universo se desenvolve a partir das ideias criativas, educar esperando comportamentos padronizados, pode levar à inibição do único, do singular e do criativo. Exercitamos então o “controle”.

O filósofo francês Gilles Deleuze destaca a “indignidade de falar pelo outro”. Será que não é isso que fazemos quando esperamos respostas padronizadas das pequenos?
É possível que as nossas ações inibam a singularidade com que as crianças pensam e se expressam?
Retomando Paulo Freire, será que estamos ensinando e, ao mesmo tempo, nos colocando como aprendentes dos jeitos únicos das crianças?

Num contexto de educação que valoriza a multiplicidade de atitudes e respostas, acompanhar e avaliar o desenvolvimento das crianças pode ser uma tarefa complicada: como refletir sobre avanços e dificuldades, deixando espaço para a singularidade?

Será que as referências oficiais sobre o desenvolvimento infantil, como os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento elencados na BNCC, podem apoiar uma avaliação “desengessada”?
Como resolver esta questão?

Sugerimos fazer uma escuta aberta para aquilo que a criança vai nos contando sobre o seu próprio desenvolvimento. Desse modo, os objetivos de aprendizagem passam a ser referências para orientar o olhar avaliativo do professor, mas não se constituem em etapas ou degraus de uma escada rígida de desenvolvimento.

O psicólogo americano Howard Gardner, especialista em neurociência e educação, conhecido pela teoria das inteligência múltiplas, afirma que nem todas as pessoas têm os mesmos interesses e habilidades, nem todas aprendem da mesma maneira. (…) Uma escola centrada no indivíduo seria rica na avaliação das capacidades e tendências individuais. Assim, ao pensar nas referências descritas no currículo, é interessante se perguntar:

O que a criança está me “contando” sobre sua aprendizagem?
O que ela revela do seu desenvolvimento?
Como está conquistando a nova habilidade?
Como está aprendendo?
Quais são as necessidades nesse momento?
O que ela quer aprofundar?
O que vejo como necessidade de aprendizagem nesse momento?
Como posso criar condições para promover avanços?

Com isso, fugimos do “certo e errado” e do “realiza e não realiza”. No lugar, colocamos o COMO a criança faz, pensa, cria, age e interage. Nesse contexto de “jeitos e maneiras individuais” encontramos o olhar avaliativo para identificar os caminhos para se promover desenvolvimentos. Ainda para Gardner, os indivíduos diferem nos perfis de inteligência com os quais nascem e, ao longo da vida, eles também vão se modificando.

Por fim, retomamos a pergunta inicial, que no passar dos meses, vai afligindo professores e coordenadores: como avaliar as aprendizagens e desenvolvimentos das crianças para orientar as práticas pedagógicas e construir o afamado relatório individual?

Nossa sugestão: comece já! Aproveite o início do período letivo para criar situações de experiências nos cinco campos para revelar o que as crianças já sabem, o que elas estão a um passo de conquistar (lembra da zona de desenvolvimento proximal do Vygotsky?) e o que ainda estão distantes.

Registre, registre e registre! Faça anotações sobre cada criança – não precisa observar todo o grupo numa atividade só!

Fotografe as crianças em ação, a partir do foco (ou objetivo) estabelecido por você. Por exemplo, faça fotos de como as crianças estão interagindo com a tinta, como lidam com o suporte, como se deslocam durante uma corrida, como colocam suas opiniões na roda de conversa, como expressam quantidades etc., etc., etc.! Faça fotos reveladoras dos estágios de desenvolvimento em que se encontram, e esqueça as imagens posadas e “lindinhas”, que não revelam informações e só contribuem para a construção de portfólios vazios dos percursos de aprendizagem.

Estas informações iniciais são fundamentais para que você acompanhe o desenvolvimento do grupo, planeje propostas para promover as aprendizagens esperadas e apresente os percursos percorridos por cada pequeno nos relatórios e em outras documentações pedagógicas.

Use os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento da BNCC ou do currículo de sua cidade como um instrumento de referência que lhe traga questionamentos. Por exemplo, no lugar de “ler” os indicadores como afirmações, enxergue perguntas:  

A postagem Avaliação na educação infantil: pensando a partir da prática traz um exemplo prático sobre planejamento, registro e reflexão pensados a partir de contextos avaliativos – lembrando que a avaliação contribui especialmente para construir os próximos passos da prática pedagógica!  Amplie esta discussão acessando a postagem.

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PARA SABER MAIS…

John Rajchman é um filósofo americano que desenvolve estudos na área da história da arte, arquitetura e filosofia continental.

→ Howard Gardner é um psicólogo cognitivo e educacional americano, ligado à Universidade de Harvard e conhecido em especial pela sua teoria das inteligências múltiplas.

→ Gilles Deleuze foi um filósofo francês contemporâneo que escreveu sobre arte, cinema e literatura. Pensou sobre o conhecimento e a criatividade. É considerado por muitos pensadores um dos grandes filósofos contemporâneos.

→ Paulo Freire  foi um educador, pedagogo e filósofo brasileiro. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história da Pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica.

→ Leia mais sobre pauta do olhar, observação e desenvolvimento infantil nas postagens:

3 comments

Gostei, abre a mente do facilitador em relação “olhar” e avaliar. Grata por essa postagens

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