“Professor, eu não consigo!” Joyce Eiko Fukuda nos ajuda a pensar nesta fala.

“Professor, eu não consigo!” Joyce Eiko Fukuda nos ajuda a pensar nesta fala.

Há tempos venho querendo escrever sobre uma situação comum no dia-a-dia da escola, que observo com crianças de todas as turmas. É uma cena que envolve a manifestação da criança e a intervenção do professor. O que me traz aqui hoje é que a frase “professor, eu não consigo!” que continua a ser escutada com frequência, mesmo no ambiente virtual.

Com a suspensão das atividades presenciais e o fechamento das escolas por conta da pandemia, algumas instituições (entre elas aquela em que trabalho) foram pensando nos rumos possíveis e nas intervenções mais cabíveis diante do desafio de manter os vínculos já construídos com as crianças. Aos poucos fomos ocupando os meios digitais e… eis que a situação que era tão comum dentro de sala acaba por se repetir também nos encontros virtuais!

Então achei que seria interessante relatá-la para compartilhar com os leitores do Tempo de Creche.

Como bem sabem, diante de certas propostas da professora, algumas crianças reagem com uma recusa dizendo “eu não consigo”, “eu não sei” – e o mais interessante é que com frequência essas falas aparecem diante de situações que a criança “já soube” manejar em algum outro momento.

“Eu não consigo abrir o pote!”
“Eu não sei desenhar…”
“Eu não consigo fazer daquele jeito!”
“Eu não sei colar o papel”
“Eu não consigo encaixar (peças de um brinquedo)”
“Eu não sei escrever”
“Eu não consigo (comer sozinho/ levar a colher à boca”)

Diante disso, como os professores geralmente reagem?
Vamos ver se vocês adivinham…

Acreditando na potência da criança, quase sempre o professor responde: “mas é claro que você consegue!”, “eu sei que você é capaz!”.

E agora, nos encontros virtuais, seguem dizendo: “eu sei que você consegue porque você fazia lá na escola!”.

Vivemos essas situações repetidas vezes, quase sempre com a mesma dinâmica: diante da colocação da criança e da insistência do professor, dependendo da confiança, às vezes a criança dá um passo adiante, mas na maior parte das situações, permanece na recusa. É sempre um embate desgastante para ambas as partes…

Percebe isso no seu dia a dia?

Então, para refletirmos juntos, vamos colocar uma lupa sobre a situação:

O que a criança está expressando nesses momentos?
Qual a escuta do professor sobre o acontecimento?
A partir da escuta, como intervém?
Quais os efeitos dessa intervenção?

Vamos supor que uma criança está dizendo que não consegue atravessar um determinado desafio, e está comunicando seu não-saber.

Imediatamente, como se não pudéssemos escutá-la, nós afirmamos o oposto (o tal “sim, você consegue!”). Mas a criança está sendo clara ao nos dizer que não consegue…

O que estamos escutando então? Vamos parar e pensar…

E se escutarmos de fato o que a criança está nos dizendo? 
Nesse caso, poderíamos responder:

Maria, estou entendendo que você não está conseguindo. Podemos então pensar juntas para que eu possa te ajudar?”
“O que será que está mais difícil para você?”

“João, você está me contando que não sabe fazer. Mas olhe que interessante: quando eu era criança eu também não sabia fazer isso, e por isso eu aprendi. Acho que posso te ajudar nesse caminho”.

É claro que o tom utilizado na intervenção e as respostas serão muito particulares de cada par professor-criança. Mas vou destacar um princípio que fica perdido nas entrelinhas dessas situações: só aprende quem não sabe. Quando a criança não sabe (ou diz que não sabe), tem-se o momento precioso para mediar sua aprendizagem! O “eu não sei” ou “eu não consigo” é a pista do professor e a oportunidade de ajudar a criança a compreender que o não saber é o ponto de partida para aprender.

Este continua sendo o grande desafio dos educadores de crianças pequenas!

Nós também não sabemos fazer escola sem corpo, sem interação, sem gesto, sem respiração, sem colo, sem a oportunidade de presenciar as múltiplas linguagens pelas quais se expressam as crianças.

Algumas escolas resolveram não abrir vertentes virtuais, o que é legítimo e justificável conforme cada contexto. Outras têm experimentado – com limitações e ressalvas – o ambiente virtual em diferentes propostas.

De todos os lados, o que se coloca à mostra é nosso não-saber.

Diante das nossas resistências – também dizemos não sei fazer isso! – igualmente temos colecionado aprendizados: o que faz sentido para as crianças nesse momento? O que cabe à escola proporcionar?

Entre frustrações, dificuldades e tantos desafios vividos pelas equipes de educadores, uma coisa é certa: aproximamo-nos das crianças no mais genuíno não-saber. Vivemos a angústia de não querer mudar ou arriscar por medo e insegurança. Isso nos abriu os poros e o olhar para sentir com elas o que é fazer a complexa travessia do não saber ao aprender.

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PARA SABER MAIS…

 Joyce Eiko Fukuda é psicóloga e orientadora educacional da Escola Criarte, em São Paulo. É também formadora e coautora de duas publicações da equipe do Tempo de Creche:

→ Joyce E. Fukuda também é autora da postagem ACOLHIMENTO: UM TEMPO DE ESCUTA

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Precisamos ter um olhar diferenciado diante do desafio de aprender algo novo, para que a intervensão seja feita de forma a se colocar no lugar da criança, quando diante da dificuldade alguém pega em nossas mãos e nos leva para o outro lado que desejávamos. Assim é a criança, diante da dificuldade e do medo, ela deseja que nós a levamos pela mão até aprender a ultrapassar os obstáculos do medo e da insegurança, ou seja consolidar o aprendizado.

Só aprende quem não sabe e quando o aluno fala professora eu não sei, eu não consigo e o professor auxilia o aluno e ele vê que é capaz de fazer o que é proposto é muito gratificante para ambas as partes.

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