Ao pensar em REGISTRO, os conceitos de REFLETIR e AVALIAR sempre estão colados. Como um processo se conecta ao outro? Mesmo cercado de incertezas, o registro pedagógico tem sido cobrado, exercitado e já faz parte da prática do professor. Então, o que é fazer avaliação na educação infantil?
Convidamos o leitor a pensar sobre estas questões a partir de uma situação prática… mas sem esquecer da fundamentação teórica!
A avaliação é o final e também o início de um percurso de aprendizagem. Sem avaliar o que vivemos não podemos aprofundar as experiências. Nesse sentido, o registro pedagógico é o meio para que se processe a avaliação. É retomando as anotações, as imagens e as produções que o professor reúne elementos para pensar sobre o que ocorreu e AVALIAR as aprendizagens das crianças e sua prática pedagógica. É avaliando que o professor pode pensar no foco das próximas propostas para aprofundar as aprendizagens, construir competências e transformar a sua prática.
Não adianta escrever, escrever e escrever no caderno de registro, fotografar, filmar e guardar os trabalhos das crianças se tudo isso só existir para preencher o vaizio do caderno, a memória do celular e o armário da sala! É preferível fazer registros mais sintéticos e objetivos e retomá-los em reflexão.
Do mesmo modo, a criança precisa rever-rememorar-retomar as próprias experiências de aprendizagem. Nestas oportunidades, ela pode refletir a seu modo sobre o que viveu e aprendeu. Contudo, para favorecer este processo, também é fundamental que o professor registre, reflita e avalie para que possa organizar uma documentação pedagógica que dê conta de expor as narrativas das vivências das crianças. Só para lembrar, documentar envolve selecionar e organizar:
- fotografias dos espaços e materiais,
- amostras dos materiais (se for o caso),
- fotografias das crianças em momentos de aprendizagem, descoberta e resolução de problemas,
- produções das crianças,
- escrita das falas das crianças,
- outros documentos utilizados durante as atividades (imagens, textos, livros etc.).
Mas atenção! A composição desse material deve contar uma história na qual as crianças são as protagonistas. Não adianta juntar tudo e colar de qualquer jeito num cartaz, num painel ou no portfólio! Professor, depois de refletir sobre seus próprios registros, é importante se perguntar: o que eu gostaria que as crianças lembrassem? Como fazê-las reviverem o que viveram? Quais os interesses que estão demonstrando a partir da retomada das experiências? O que ficou de toda a proposta? O que eu gostaria de continuar a chamar a atenção do grupo? O que eu acho que vale a pena continuar pensando para aprofundar?
A professora e pesquisadora portuguesa Júlia Oliveira-Formosinho acredita que a avaliação na educação infantil deve estar apoiada em uma série de princípios:
- Ser compatível com uma teoria de educação. A avaliação, como dimensão da prática pedagógica, precisa “combinar” com ela. Isto é, se acreditamos numa educação que considera a criança como protagonista e produtora de cultura, os processos de avaliação devem partir desta crença.
- Ser democrática e participativa, compreendendo professores, crianças, famílias e a comunidade escolar.
- Envolver ativamente as crianças, que devem participar na elaboração da documentação pedagógica, visitar seus registros para repensar-rememorar as experiências vividas e se expressar sobre elas.
- Apoiar as jornadas individuais de aprendizagem de cada criança e dos professores.
- Centrar-se nas narrativas do que as crianças fazem, conseguem e conquistam para não atacar o bem-estar delas.
A pesquisadora portuguesa ainda valoriza “ouvir as crianças, olhar para elas, estabelecer conversas e diálogos, alcançar compromissos entre os propósitos das crianças e os dos profissionais, planejar para a realização desses compromissos, documentar todo o processo, refletir sobre a documentação que torna visível a jornada de aprendizagem de cada criança e a jornada coletiva”. Tudo isso para que “a documentação e a avaliação sejam vistas como um suporte das jornadas de aprendizagem”.
Para cruzar estes pensamentos teóricos com a prática pedagógica e responder à indagação “até aqui tudo certo, mas como eu faço isso na prática?”, organizamos um percurso de avaliação inspirado numa prática pedagógica. Usamos como exemplo uma das práticas publicadas no nosso livro Práticas Comentadas para Inspirar (Editora do Brasil, 2017), realizada pelas professoras Sandra e Cida no CEI Nossa Turma, SP.
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Atividade: UM LABORATÓRIO PARA PEQUENOS CIENTISTAS
Contexto das crianças e a pesquisa do professor
É conhecendo, interagindo com o mundo físico e inventando brincadeiras que as crianças desenvolvem a curiosidade e a vontade de levantar problemas, pesquisar soluções, empreender tentativas, avaliar os resultados e fazer tudo de novo!
Proposta de atividade para uma turma de 3 a 4 anos: brincadeira com materiais e objetos do cotidiano
Objetivos de aprendizagem e desenvolvimento – a partir da BNCC (2018)
- Campo de experiências: Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações
- EI02ET01 – “Explorar e descrever semelhanças e diferenças entre as características e propriedades dos objetos (textura, massa, tamanho)”.
- EI02ET04 – “Identificar relações espaciais (dentro e fora, em cima, embaixo, acima , abaixo, entre e do lado) e temporais (antes, durante e depois)”.
- Foco dos objetivos deste campo de experiências:
- ♦ Explorar as características, propriedades e transformações dos materiais e o posicionamento/relações espaciais;
- ♦ Nomear as características e as relações espaciais dos materiais
- Campo de experiências: O eu, o outro e o nós
- EI02EO01 – “Demonstrar imagem positiva de si e confiança em sua capacidade para enfrentar dificuldades e desafios”.
- EI02EO03 – “Compartilhar os objetos e os espaços com crianças da mesma faixa etária e adultos”.
- EI02EO04 – “Comunicar-se com os colegas e os adultos, buscando compreendê-los e fazendo-se compreender”.
- Foco dos objetivos deste campo de experiências:
- ♦ Demonstrar interesse na pesquisa, problematizar e resolver desafios.
- ♦ Interagir com os colegas, comunicando-se com gestos e oralmente, no uso coletivo dos materiais e nas brincadeiras inventadas, respeitando as regras de convivência (esperar a vez, pedir/solicitar e compartilhar).
→ Tempos, espaços e materiais
♦ Organização do espaço propositor: mesa na área externa da creche (se possível, aproveitando tempo quente e ensolarado). Preparar um ambiente que lembra um laboratório, com mesa grande, com tamanho e altura adequada à estatura das crianças para favorecer a interação coletiva com os materiais.
♦ Materiais: selecionar e dispor materiais e objetos de diferentes texturas, formatos, densidades, durezas, resistências, pesos, entre outras propriedades físicas e químicas. Preparar materiais em quantidade e variedade suficientes para favorecer testes e pesquisas individuais e coletivas.
- recipientes de alumínio;
- potes plásticos;
- formas de gelo;
- escorredor de arroz;
- colheres e pás de diferentes tamanhos e formatos;
- garrafas e jarras, vazias e cheias com águas coloridas (com corante alimentício);
- farinha de trigo e grãos (feijão e arroz);
- macarrão, tipo espaguete;
- cascas de ovo esvaziadas, lavadas e secas.
♦ Tempo: Organizar a grade horária para permitir um tempo elástico de atividade, pela manhã, com possibilidade de duração aproximada de 1 hora.
→ Hipóteses da ação pedagógica
♦ Permitir que as crianças se aproximem do espaço propositor sem explicações orais.
Perguntas provocadoras:
- Quantos materiais diferentes temos aqui! Que tal brincar com eles? O que podemos fazer? Como podemos brincar?
- Podemos encher os potes? Com quais materiais?
- Quando o pote está cheio, fica pesado? É mais fácil carregar um pote cheio de feijões ou de água?
- Quantas colheradas de farinha, feijão e outras misturas cabem em cada pote?
♦ Instigar as crianças a experimentarem as propriedades dos materiais.
Perguntas provocadoras:
- Como juntar o espaguete a outros materiais? Onde ele cabe? Se não cabe, quanto preciso quebrar para que caiba? Ele mistura com água?
- A farinha é fácil de segurar? Como ela é? O que dá para fazer com ela?
- Será que a casca aguenta o peso dos grãos de feijão? E da água?
♦ Instigar as crianças a brincarem com as transformações, com o intuito de pesquisar causa e efeito.
Perguntas provocadoras:
- O que acontece se colocarmos a água na farinha?
- Os feijões boiam ou afundam no prato “ensopado”?
- A garrafa de água vermelha é pesada?
- Os movimentos da água colorida na garrafa são gostosos de se observar!
♦ Favorecer as ações de transferir, transvazar, encher, esvaziar, comparar, quantificar, misturar, ordenar, classificar, distribuir, associar, movimentar, entre outras noções, chamando atenção das crianças quando elas ocorrerem e nomeando-as.
→ Desdobramentos: trilhas de aprendizagem
Observar, investigar e levantar pistas para o desdobramento futuro da atividade de modo a favorecer o aprofundamento e/ou ampliação da proposta em outra oportunidade.
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A partir deste contexto, organizamos percursos de pensamento em tabelas para avaliar as aprendizagens envolvidas na atividade Um laboratório para pequenos cientistas:
- PROFESSOR avalia CRIANÇA;
- PROFESSOR avalia GRUPO;
- PROFESSOR avalia PRÁTICA PEDAGÓGICA;
- CRIANÇA retoma a própria TRILHA DE APRENDIZAGEM
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PARA SABER MAIS…
→ A atividade Um laboratório para pequenos cientistas foi desenvolvida pelas professoras Sandra Aparecida F. de Lima e Maria Aparecida S. Santos, no CEI Nossa Turma, São Paulo, e publicada no livro Práticas Comentadas para Inspirar: formação do professor de educação infantil, autoras: Joyce M. Rosset, Maria Helena Webster, Joyce Eiko Fukuda e Lucila Almeida, Editora do Brasil, 2017.
→ Para comprar o livro Práticas Comentadas para Inspirar: formação do professor de educação infantil, acesse a loja virtual da Editora do Brasil.
→ As citações da professora e pesquisadora portuguesa Julia Oliveira-Formosinho estão no livro Documentação Pedagógica e avaliação na educação infantil: um caminho para a transformação, da Editora Penso, 2019.
→ Leia mais sobre registro, documentação pedagógica e avaliação nas postagens:
Gratidão por compartilhar o texto
Tempo de creche só cuidados físicos mistura de saberes sem foco.
Hj cada saber é analisado o que a criança irá adquirir como já trouxe consigo.
Hj temos campos e inserido neles objetivos especifico para cada faixa etária. Evolução na Educação.
Esta pandemia foi um alerta para muitas deficiências de saneamento básico para muitos,não basta ter produtos mas saber como usa los,responsabilidade em ensinar em aprender.Educação com qualidade para todos. O que ensinar?Como ensinar? Quais campos de experiencia faram de fato para as crianças um norte de ensino aprendizagem?Muitos questionamentos buscamos sanar juntos nós da educação. Avaliamos com auxilio de todos.observamos registos vindo de cá e de lá.
Uma infância que todos fazem parte são campos de saberes infinitos. Provocar é ensinar é aprender.
As informações e aprofundamentos aqui apresentados são de fácil compreensão e inspiradoras para o trabalho que temos realizado na EMEI onde trabalho.
Sou coordenadora pedagógica nesta EMEI há um ano, tenho encontrado resistências ao encaminhar propostas de instrumentação pedagógica, a iniciar pela superação do planejamento pautado em lista de tarefas, romper com este modelo de planejamento tem sido um desafio. Vejo nesta reportagem alguns elementos provocadores, uma vez que para registrar é preciso ter bem claro o que se intencionava ao propor às crianças algumas experiências.
Vocês teriam disponibilidade em vir estar conosco em algum momento de formação?
Há algum custo?
Estamos na região de Pirituba.
Olá, Creusa! Ficamos contentes com a possibilidade que você encontrou com nossas publicações. Sobre a possibilidade de formação, entre em contato por e-mail: – Blog TEMPO DE CRECHE Abraço