Palavra de … Josca Baroukh: parlendas para brincar

Palavra de … Josca Baroukh: parlendas para brincar

Tempo de Creche conversou com a professora Josca Ailine Baroukh sobre seu livro Parlendas para brincar da Editora Panda Books. O livro é uma co-autoria com Lucila Silva de Almeida e conta com Camila Sampaio nas ilustrações.

Tempo de Creche Como você iniciou a produção do livro Parlendas para brincar?

Josca – Eu tinha uma coleção de parlendas! Capa Parlendas
Por que eu tinha uma coleção de parlendas?
Quando trabalhamos alfabetização, pensamos em escrever textos que sabemos de cor, significativos para as crianças e que conversem com elas. Que textos são estes? Os textos da literatura oral: parlendas, travalínguas, histórias de boca, adivinhas, provérbios… escritos que o autor Luís da Câmara Cascudo chama de cultura oral do povo brasileiro.

Eu trabalhava com alfabetização e percebia que as crianças gostavam muito das parlendas. Assim, como professora, fui colecionando esse gênero literário. Quando recebi o convite da Editora Panda para escrever um livro de parlendas, me assustei. Já editei muitos livros, mas até aquele momento, não tinha assumido a responsabilidade de escrever um. Propus, então, uma parceria com Lucila Silva de Almeida, também professora, que tem na raiz de sua infância os textos de tradição oral, escreve muito sobre este tema e também tem sua coleção de parlendas.

Tempo de Creche – Como o livro foi pensado?

Josca – Nós decidimos enriquecer o acervo de parlendas das crianças e não editar mais um livro com as mesmas, já conhecidas por elas. Por isso, nos propusemos a escrever um livro que não estivesse no mercado, pois já existem outros bons livros, como os de Maria José Nobrega, entre outras coletâneas.

Tempo de Creche – Como foi o processo de identificar as parlendas para o livro?

João Pica pãoJosca – Nós olhamos para as nossas coleções de parlendas, fomos cortando aquelas que já eram muito comuns e separamos as que consideramos adequadas. Quando olhamos para o material que tínhamos separado, percebemos que poderíamos dividi-lo em categorias que sabíamos que as crianças entenderiam.

  • Parlendas para brincar de escolher
  • Parlendas para brincar de dizer
  • Parlendas para brincar com a memória
  • Parlendas para brincar com os números
  • Parlendas para brincar com as quadrinhas
    Há uma brincadeira tradicional bem comum, Roda de Jogar Versos, na qual quem participa tem que falar as quadrinhas, que possuem esse nome por que têm quatro versos.

Depois disso, veio o trabalho de ilustração da Camila Sampaio. Assim, este livro é um conjunto de seleção de parlendas que dialoga com desenhos. Os livros ilustrados são uma obra completa, em que textos e desenhos conversam.

Tempo de Creche – Foi dada atenção especial a alguma das categorias?

NúmerosJosca – Sim, cuidamos especialmente das parlendas de números. Elas não foram pensadas para ensinar números às crianças, apesar de que, ao aprenderem os versos para pular corda, por exemplo, os números das parlendas vão ajudar no aprendizado. Mas temos que tomar cuidado para não desvirtuar o sentido da literatura e não colocar a literatura a serviço de um conteúdo específico. Não é o “brincar pedagógico”, porque brincar é atividade livre e espontânea da criança. Brincar pedagógico não é brincar! É atividade e proposta. O brincar livre e espontâneo pode ser pedagógico no processo da criança, mas prescinde da intervenção direta do professor.

Tempo de Creche – Como conhecimento cultural, essas brincadeiras já são conhecidas por todos?

Josca – Não. Para que as crianças aprendam as brincadeiras que envolvem os textos de tradição oral, sejam as rodas de versos, sejam as cantigas de roda, precisamos ensiná-las a brincar, porque brincar se aprende. Mas, ao aprender brincando, não se aprende como se ensina um conteúdo pedagógico em sala de aula.

Tempo de Creche – Uma curiosidade: como você fez sua coleção de parlendas?

Josca – Tem uma amiga que diz que eu sou uma catadora, no ponto de vista do Fernando Hernandez*. Não sou uma colecionadora compulsiva, eu sou uma catadora. Tenho coleção de conchas, de caixinhas, de parlendas, de adivinhas, de textos poéticos, de livros … Essas coleções me ajudam a criar sentidos para o que vivo; eu transito entre todas, é algo que me dá muito prazer.

Tempo de Creche – Você buscou uma fundamentação?

Josca – Para escrever o livro, nós fomos estudar. Voltamos para o Silvio Romero, olhamos o Câmara Cascudo, o Veríssimo de Melo, todos folcloristas brasileiros.

Tempo de Creche – O que trouxe de novidade este estudo?

Exlibris

Josca – Com o estudo realizado, percebemos que um tipo de parlenda é o que chamamos de ex-líbris**. Com esta descoberta, nós pensamos em começar o livro com um ex-líbris e fechá-lo com uma quadrinha, como aquelas que os contadores de histórias usam quando terminam de contar.
Porque estas entradas e saídas estão presentes na literatura oral. Ao lermos os “Contos Tradicionais” de Câmara Cascudo, sempre tem uma quadrinha para terminá-los. Faz parte das nossas raízes este jeito de começar e terminar. Assim como os contadores de histórias possuem um ritual para iniciar e terminar, o ritual de abertura do livro é o ex-líbris e a quadrinha final, marca seu encerramento.

Tempo de Creche – Qual foi a grande inspiração que aproximou você da literatura oral?

Josca – Escutar Lydia Hortelio. Ela fez uma formação com as professoras da Escola Vera Cruz, nos idos anos de 1994, e nos colocou para jogar versos. Foi uma das experiências mais lindas! Me tocou profundamente.

Porquinho com bumbum de foraDepois, eu percebi que, apesar das crianças brincarem com as parlendas, nós forçávamos um pouco porque as ensinávamos em sala, em vez de brincar com os versos. Não era tão genuíno. Na verdade, podemos ensinar brincando junto, viver de verdade o uso social das parlendas com as crianças.

Este tipo de literatura é chamado de oral e, como a língua portuguesa, está sempre viva, sempre se renovando. Uma mesma parlenda pode ser recitada com palavras diferentes, dependendo do lugar e até no mesmo local. É isso a beleza da literatura oral: porque sua transmissão é realizada por meio da oralidade, ela vai mudando e as histórias vão mudando junto, como no caso dos contos de fadas e dos contos populares, antes de serem registrados e compilados. Charles Perrault compilou os contos na França, os irmãos Grimm na Alemanha, Ítalo Calvino na Itália e Câmara Cascudo no Brasil*.  Mesmo assim, as histórias foram se modificando com o tempo e isso não tem problema! Porque elas respiram e vão mudando com a cultura, do mesmo jeito que as parlendas.

Tempo de Creche – Como é a compreensão das crianças?

Vovô de cuequinhaJosca – as experiências de ler um mesmo livro várias vezes nunca são iguais. As associações e os sentidos que atribuímos são muito diversos porque a cada vez lemos, nosso olhos estão conectados com nossas experiências. Então, lemos por camadas. A leitura é como uma cebola. Nós vamos descascando, atribuindo sentidos. Numa primeira aproximação, atingimos a primeira camada, na segunda aproximação, a segunda.
Em muitas releituras, nos surpreendemos com novas descobertas, mesmo que conheçamos o texto desde criança. É mais uma camada de sentido que construímos, porque, com certeza as camadas da cebola não acabam. Isto é importante, pois não importa em que camada as crianças cheguem, ao ler, o que importa é que cheguem perto da cebola. Não tem certo e errado. Como elas entendem a parlenda O vovô de cuequinha, tem a ver se elas viram o vovô dançando, se tem ou não vovô, enfim, vai depender de suas experiências e tudo bem. Vamos respeitá-las no que elas entendem.
E é por isso que as crianças nos pedem tanto para repetir histórias. Nosso papel é repeti-las e ampliar o repertório delas, contando outras que elas também peçam para repetir. É bom repetir histórias. Quando as crianças nos pedem para repeti-las, elas estão elaborando alguma coisa: ali naquele lugar, tem algo que elas precisam ouvir e trabalhar internamente. Nós não precisamos saber tudo – elas são seres singulares. Só precisamos respeitá-las e estar a serviço delas, porque é este nosso lugar de educadoras.

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Para saber mais

* Fernando Hernández – Catadores da cultura visual: proposta para uma nova narrativa educacional. São Paulo: Mediação, 2007. O autor usa a palavra catadores como metáfora e como proposta. Nos desafia a “catar” imagens, experiências e pensamentos, a descobrir e criar outros sentidos às narrativas.

** Ex-líbris quer dizer “dos livros”. As pessoas costumavam escrever um verso para que, se o livro se perdesse, pudessem encontrá-lo. O ex-líbris também tomou a forma de desenhos e carimbos, que as pessoas antigamente usavam para dizer que o livro era daquela família, daquela pessoa, para que o livro, se perdido, pudesse voltar ao seu dono.

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josca 8Josca Ailine Baroukh

Graduada pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, com especialização para professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental no Espaço Pedagógico. Atualmente, é coordenadora do curso de pós-graduação “Crianças de 0 a 3 anos: formação de profissionais para as infâncias do Brasil” no Instituto Singularidades e formadora de gestores e professores da Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental das redes pública e particular em São Paulo, SP. Coordenadora da Coleção Interações, pela Editora Blucher, e coautora de Parlendas para Brincar, da Panda Books.

lucilaLucila Silva de Almeida

Pedagoga com pós graduação em “Educação de Crianças de 0 à 3 anos” pelo Instituto Singularidades – SP. Foi coordenadora pedagógica  de CEI- Centro de Educação Infantil e professora de alfabetização de Jovens e Adultos e de Orientação de Prática Educativa no Programa ADI, Magistério (Fundação Vanzolini e PMSP).  Autora do livro “Interações: Crianças, brincadeiras brasileiras e escola”. Formadora de professoras pelo Instituto Avisala e faz parte da Coordenação Pedagógica no Projeto Varre Vila.

camilaCamila Sampaio

Ilustradora, graduanda em Letras na Universidade de São Paulo e técnica em Artes Gráficas pelo SENAI.

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