As histórias para os bebês fazem Ploquet, Pluft, Nhoc!*

As histórias para os bebês fazem Ploquet, Pluft, Nhoc!*

Falar de leitura para bebês e crianças pequenas pode soar estranho e ainda é assunto polêmico. Quase sempre associamos a leitura ao aprendizado da escrita ou à ideia de que os bebês não estão capacitados para compreender e absorver de modo ativo e inteligente esta parcela letrada do mundo.

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Estudos e práticas recentes revelam exatamente o contrário.  Reside uma sabedoria infantil que nasce no berço e, livros e leituras podem se tornar uma espécie de brincadeira alegre e divertida para os bebês.

É disto que falaremos daqui para adiante. O que me impulsionou a escrever este texto, além do convite do pessoal do Blog “Tempo de Creche” e da minha afinidade e familiaridade com o assunto, foi a leitura que fiz na Revista Emília e na entrevista que Yolanda Reyes, uma colombiana que defende uma cultura leitora desde o início da vida concedeu ao blog Arte e Infância. Nesta reportagem Yolanda afirma que os primeiros contatos das crianças com a literatura ocorrem em “livros sem páginas, que estão escritos na boca das pessoas”.

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A partir destas provocações e também do conhecimento que construí na experiência direta com os “pimpolhos e os livros” vou guiar minha fala e discorrer sobre alguns aspectos deste assunto.

Os primeiros contatos dos bebês com a literatura iniciam ainda na barriga da mãe. Antes mesmo dele nascer é inscrito em uma história. Chega em uma família que já tem muito para lhe contar sobre quem ele é, como foi concebido, de que forma foi trazido para este mundo, sonhado ou desejado. Quase sempre, lá na maternidade este pequeno rebento já recebe um nome que representa boa parte desta sua história.

Tania 5Pequeno e delicado, precisa dos cuidados de um adulto dedicado que se prontifica a trocar-lhe as fraldas, banhá-lo e alimentá-lo com o leite e toda a fome de saber viver neste mundo. Nesta atmosfera amorosa é introduzido nas formas de ser cuidado de sua própria cultura, diversas delas marcadas pela nossa língua. Envolto nos braços o recém-nascido é embalado, olhado, banhado e adormecido pelo som da nossa voz, que entoa um imenso manancial de cantos, cantigas e acalantos da literatura oral. São os tais primeiros livros sem páginas.

Quem nunca cantou Nana Neném ou brincou de Serra-Serra com um filho, neto, vizinho, filho de amigos ou qualquer outra criança? Ou, se buscarmos lá no fundo da memória, é capaz de lembrarmos que alguém já fez isto conosco. Pois saibam que estes chamegos são frutos de uma tradição cultural literária perpetuada e transmitida de geração para geração. Eu diria que em comparação aos livros escritos, talvez possamos chamar estes textos falados de clássicos da literatura de boca, ou como diz Claudemir Belintane, textos que pertencem aos gêneros da maternância.

Tania 4Podemos então, assim dizer, que as experiências inicias com a literatura nascem de um ambiente cuidadoso, íntimo e afetivo que permite um mergulho lúdico, prazeroso e seguro neste universo cultural.

Bem pouco mais adiante, quando os primeiros livros impressos chegam as mãos destes bebês, já surgem ancorados por este clima introdutório e significativo. Palavras confortam, instigam, provocam e podem vir escritas, declamadas, cantadas ou faladas e até mesmo desenhadas.

Balão-na-PráticaSe pudermos tirar algumas lições disto para nosso trabalho com as crianças, certamente uma delas será sobre a importância de criarmos um ambiente aconchegante, lúdico e instigante nas creches e escolas, garantido pela mediação e interação amorosa do adulto com o pequeno leitor.

Mas fiquemos atentos, nada disto tem a ver com o excesso de estímulos, adereços e parafernálias que costumo me deparar quando professores, mesmo os bem-intencionados, preparam os espaços para contação ou leitura de histórias. Vamos lembrar que no centro de um ambiente suficientemente bom para acolher e aproximar os pequenos de uma boa leitura estão: as crianças e os livros (falados, lidos, manuseados ou mesmo desenhados).

O uso exagerado de recursos e artifícios pode ser uma cilada que minimiza o valor contido no próprio livro, que, via de regra, foi pensado, criado e elaborado com a competência e a criatividade de um editor, um autor e um ilustrador. Isto não quer dizer que não podemos inventar cenários, usar bonecos e objetos para incrementar o trabalho. Isto pode somar, mas não substitui o contato direto e simples com o material impresso.

A motivação de uma criança para entregar-se à literatura deve partir do potencial do próprio livro por ela descortinado.  Um bom livro, apresentado por um adulto criterioso e também curioso pode capturar sua atenção.

Balão-na-PráticaDaí podemos tirar mais uma lição: é preciso construir um acervo conhecido e compartilhado de bons livros para os pequenos nas escolas. Este acervo também pode conter registros de narrativas e brincadeiras orais, cantos e cantigas. Mas como ele pode ser formado? O primeiro passo é pesquisar e lembrar das histórias que conhecemos e que marcaram a nossa infância (gostar delas é meio caminho andado para contagiar os pequenos ouvintes). O outro é pesquisar e manter-se atualizado em relação às publicações. O mercado editorial tem se ocupado intensamente deste público infantil, conhece bem as possibilidades de cada idade e vem produzido material de qualidade (e, infelizmente sem ela também).

As próprias crianças nos dão dicas do que pode ser um livro adequado para elas.  Mas é importante ter cuidado com os estereótipos e a sedução do mercado, pois as crianças são presas fáceis desta rede comercial. Um critério primordial nesta seleção deve vir respaldado na escuta e nas escolhas realizadas pelas crianças. Que livros fazem sentido para elas, eles dialogam com seus interesses e necessidades? O que fazem diante deles?

Novamente um alerta, acolher interesses e necessidades nada tem a ver com “precisam aprender isso ou aquilo”, tem a ver com sentem-se tocadas, tomadas e capturadas pelo enredo, pelo conteúdo, sonoridade, imagens, cores, sabores, formatos, brincadeiras e rumores. São escolhas de ordem mais afetiva, subjetiva, são estéticas.

Tania 1Literatura é assim, mais metáfora, mais suspense e poesia, mais brincadeira. É arte, imaginação, é coelho que fala, rato que voa e minhoca que anda de avião. A verdade e a sabedoria nos livros vêm em vestimentas de fadas, duendes, ogros, bruxos, príncipes e princesas.

Francisco Marques, o Chico dos Bonecos**, diz que contar histórias é um ritual “em que os ouvintes se envolvem não apenas com o rumo dos acontecimentos, mas também com o rumor das palavras” (isto é ainda mais verdadeiro quando falamos dos pequenos leitores). Talvez seja por este motivo que gostam tanto de parlendas, quadrinhas, cantigas, versinhos e trava-línguas.

Tania 6Um livro nas mãos dos bebês tem som, tem cor, tem cheiro textura e sabor.  São degustados por eles com todos os sentidos, inclusive com seu maior aparato para desbravar o mundo: a boca!

As histórias para bebês são como jabuticabas maduras na boca. Assim como na cantiga do Sitio no Pica-Pau Amarelo, fazem: Ploquet, Pluft, Nhoc!*”

Tânia Fulkemann Landau

*(Frase retirada da trilha sonora composta por Dori Caymmi e Paulo Cesar Pinheiro para a série de TV “Sitio do Pica-Pau amarelo”- programa inspirado na obra de Monteiro Lobado.)
 
**Francisco Marques, conhecido como Chico dos Bonecos, é poeta e arte-educador. Trabalha desde o início da década de 80 com o resgate de brinquedos e brincadeiras antigas, incluídas nessa categoria os “brinquedos invisíveis”, como histórias, contos, lendas e fábulas provenientes da literatura oral. 
 
 

Balão-Para-Saber-MaisPara aprofundar o tema leia:
Escolher os livros: um momento de prazer
Crianças e histórias: uma relação para a vida
9 dicas especiais para contar histórias

 

Balão-crédito-imagensCréditos das Imagens, na ordem que estão publicadas:

 marlenegonzatto.blogspot.com
portalsme.prefeitura.sp.gov.br
vivabem.band.uol.com.br
revistacrescer.globo.com
uaubaby.wordpress.com
www.cursosnovaescola.org.br
www.sciencenews.org
 
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foto blog Tânia 10Tânia Fukelmann Landau, pedagoga pela PUC-SP e especialista em Educação Lúdica pelo ISEVEC. Fundadora e Diretora da CONVERSO – Assessoria Pedagógica.   Colaboradora em projetos e publicação da Fundação ABRINQ. Membro da diretoria da Casa do Povo (instituição cultural). Atualmente dedica- se integralmente a formação continuada de educadores e aos estudos sobre a infância.

 

3 comments

SOU ENCANTADA POR ESSAS “PESSOINHAS” TÃO MARAVILHOSAS… E OS “livros sem páginas, que estão escritos na boca das pessoas”, ADOREI!
EXCELENTE TEXTO!

Olá Jussára, que bom que gostou. Espero que o texto tenha ajudado na sua prática com os pequenos! E, que possamos fazer o nosso dia a dia com as crianças sempre encantador, interessante e repleto de histórias por elas apreciadas. Obrigada!

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