Conversamos com a Dra. Adriana Weinfeld Massaia, médica infectologista e mãe de três crianças pequenas, para refletir sobre a volta das atividades presenciais de creches e pré-escolas. Queremos saber: a educação infantil deve voltar antes do fim da pandemia?
A médica acredita que o retorno é importante para todos e compartilha dicas e procedimentos para minimizar a contaminação do covid-19 entre as crianças, as equipes, as famílias e a comunidade. A volta das escolas de educação infantil vai contribuir para amenizar o sofrimento de muitas criança e famílias, contudo, é fundamental que redes públicas e privadas recebam estrutura e EPIs adequados para garantir a segurança aos envolvidos .
VEJA O VÍDEO: https://youtu.be/iKtwKLKH_Wo
Tempo de Creche – Dra. Adriana, a escola de educação infantil deve voltar a funcionar?
Dra. Adriana: penso que temos que ir com calma. Eu sugiro que as etapas do infantil e do fundamental 1 sejam priorizadas nesta volta, especialmente pela defasagem do aprendizado das crianças da primeira infância. De alguma forma, os mais velhos conseguem se beneficiar do ensino à distância, mas os pequenos não. Além disso, as mães que estão trabalhando não têm como dar assistência e deixar as crianças sozinhas. Nesse contexto, não faz sentido culpar as escolas e prejudicar as crianças pequenas.
A conversa com a Dra. Adriana revelou seu posicionamento e informações de base científica e trouxe clareza sobre alguns dos protocolos indicados para prevenir a covid-19 nos ambientes escolares. Reunimos o conteúdo em tópicos para facilitar a consulta e a reflexão e, em azul, acrescentamos algumas dicas nossas!
CRIANÇAS COMO VETOR DE TRANSMISSÃO
Dra. Adriana: eu entendo que existe a preocupação de que a criança que frequentar a escola possa levar o vírus para casa, mas muitos familiares já estão deixando suas casas para trabalhar, usar o transporte público e realizando atividades diversas. Durante muito tempo acreditaram que as crianças seriam o vetor de contaminação, mas já sabemos que a criança tem carga viral menor e que transmite menos do que os adultos.
REINFECÇÃO
Dra. Adriana: agora estão falando sobre reinfecção. Até o momento sabemos que não existe reinfecção. A pessoa pode manter fragmentos do vírus que seriam detectados em exames de PCR, contudo os fragmentos não tem o poder de infectar. Ocorre que, após ter se curado da covid-19, um paciente pode ficar gripado e, ao repetir o exame de PCR percebe que ainda está positivo. Mas os sintomas e a nova infecção são provenientes da gripe que ele adquiriu e não do covid-19, que já foi curado. O PCR dá positivo em função dos fragmentos de vírus que ainda podem estar presentes na mucosa do nariz e da garganta. Desde o ano passado, não houve nenhum caso de reinfecção.
MÁSCARA
Dra. Adriana: de acordo com a OMS, o uso de máscaras é proibido para crianças menores do que 2 anos pelo risco de sufocamento. A máscara é um fator de confusão e a criança até os 4 anos não saberia lidar com ela. Cada vez que se põe a mão na máscara e no rosto, é necessário higienizá-la. Esse procedimento já é difícil para os profissionais da saúde e os adultos em geral, imagine para as crianças pequenas!
As máscaras de tecido não previnem o contágio, elas diminuem a quantidade de vírus que permanece no ar. Por exemplo, ao espirrar, parte do fluxo de vírus vai ficar contido e uma menor quantidade será liberada no ambiente. A máscara mais eficaz é a cirúrgica, que possui duas ou três camadas.
Na preparação das equipes para o retorno das atividades da escola, é recomendável que se retome os procedimentos corretos do uso do equipamento, do descarte das máscaras cirúrgicas e da lavagem das máscaras de tecido.
* Muitas crianças estão estranhando as pessoas com máscaras, seja por quase não saírem de casa, seja porque a lembrança dos rostos conhecidos fica transformada com o “novo adereço”. Sugerimos que os professores comecem a postar vídeos, fotos e fazer as atividades síncronas usando a máscara em alguns momentos e, em outros, se fazendo ver sem o equipamento. É uma tentativa de minimizar o estranhamento.
COMPOSIÇÃO DAS TURMAS EM PEQUENOS GRUPOS
Dra. Adriana: diminuir o número de crianças por turma é fundamental. Na faixa etária da Educação Infantil e início do Fundamental 1, é impossível impedir deslocamentos e contatos. Por isso, o ideal é garantir que as crianças interajam com um número limitado de colegas e adultos.
Outra medida importante é manter sempre o mesmo grupo de crianças com o mesmo professor e, se houver, o mesmo auxiliar. Os agrupamentos funcionarão então como bolhas para que as crianças tenham mais liberdade e, em caso de suspeita de contaminação, a “bolha” como um todo poderá ser observada e/ou afastada.
Nos locais em que diferentes grupos vão se cruzar ou manter um certo contato (parque, refeitório etc.), garantir que sejam sempre as mesmas turmas que se encontram.
ESPAÇO FÍSICO E MATERIAIS
Dra. Adriana: é indicado priorizar o uso de espaços amplos para evitar aglomerações. Com o número reduzido de crianças, as salas ficarão mais espaçosas. Deixar portas e janelas sempre abertas nos ambientes internos.
As áreas externas são as que proporcionam menor risco de disseminação do vírus, assim é importante manter as crianças nesses espaços o maior tempo possível.
Fazer a higienização (com álcool) dos objetos e brinquedos do parque e das áreas comuns no intervalo do uso de cada grupo/grupos. Materiais de arte, brinquedos e mobiliário devem ser entregues a outro grupo depois de serem devidamente higienizados.
Evitar o uso de brinquedos e objetos de tecido e de madeira. Neste momento, os objetos de plástico são os mais apropriados pois é fácil higienizá-los.
Ainda não se tem contraindicação para o uso dos tanques de areia.
* Dependendo da faixa etária da criança, é interessante manter kits individuais de materiais gráficos e plásticos (canetas, lápis, giz, pinceis, blocos, cadernos, entre outros), de livros de literatura e, se possível, de brinquedos (jogos de montar, quebra-cabeças, bonecos, carrinhos etc.). Os kits podem ser trocados entre as crianças depois de passarem por higienização.
ENTRADA E SAÍDA
Dra. Adriana: pais e familiares não devem entrar na escola e é importante combinar com as famílias que, se possível, a mesma pessoa leve e busque a criança todos os dias.
Criar um escalonamento de horários de chegada e de saída para evitar aglomerações na porta da instituição.
*Demarcar os locais para a “fila” dos familiares, mantendo um metro de distância entre cada pessoa.
Monitorar temperatura e outros sintomas das crianças na chegada à escola. Atentar-se para o fato de que algumas famílias medicam as crianças com antitérmico e nem sempre a temperatura será um indicativo. Verificar: disposição geral da criança, tosse, coriza, irritabilidade, sono, inapetência.
HIGIENE E LIMPEZA
Dra. Adriana: neste momento, melhor antisséptico para limpeza e higienização é o álcool 70o. A cândida também funciona, mas pode causar alergia nas crianças.
Salas, parques e áreas comuns devem ser desinfetadas a cada troca de grupo/grupos.
Nos finais de semana a escola deve receber uma limpeza geral.
INTERAÇÕES
Dra. Adriana: o distanciamento mínimo ideal entre as pessoas é de um metro. Quando possível, ao organizar a brincadeira das crianças, intercalar e alternar os lugares que elas irão ocupar: distanciar 1 metro, colocar uma à frente e outra mais atrás etc.
Antes de brincadeiras de mãos dadas, como a ciranda, é indicado passar álcool nas mãos de todo o grupo.
*Cantos de atividades diversificadas são ótimas opções para “espalhar” o grupo e dividir as crianças em subgrupos ainda menores.
* Que tal desenvolver percursos investigativos com pequenos grupos? Muitos professores comentam sobre as dificuldades de fazer a escuta dos interesses, questionamentos e hipóteses levantadas pelas crianças por conta das turmas numerosas. Essa seria uma oportunidade para desenvolver a pesquisa e a investigação com os pequenos grupos, aproveitando o interesse pela natureza nas áreas externas.
HORA DO SONO
Dra. Adriana: na hora de dormir, é preciso espaçar os colchonetes e posicionar os bebês e crianças intercaladamente “pé e cabeça”, isto é, ao lado da cabeça de uma criança, estará o pé da outra.
ALIMENTAÇÃO, HIDRATAÇÃO E REFEIÇÕES
Dra. Adriana: materiais descartáveis são recomendáveis.
É importante diminuir o tempo das refeições e que cada grupo se alimente na própria sala. Se não for possível, fazer um cronograma para o uso do refeitório de modo que os grupos que se encontrem sejam sempre os mesmos.
*Fazer piquenique é uma alternativa divertida e eficiente.
CUIDADOS COM A CONTAMINAÇÃO POR COVID-19
Dra. Adriana: é necessário acompanhar o estado geral de saúde das equipes, das crianças e de suas famílias com frequência.
É aconselhável manter uma sala ou um espaço reservado para as crianças com suspeita aguardarem seus familiares.
Se uma criança apresentar sintomas gripais, indisposição, inapetência, cansaço, coriza, tosse, febre e diarreia, ela deve ficar afastada até ter confirmação do diagnóstico e o grupo deve ser acompanhado com atenção. Se houver confirmação de infecção por covid-19, todo o grupo deverá ser afastado por 10 dias.
Se um familiar que resida na mesma casa da criança estiver com suspeita de covid-19, essa criança deverá ser afastada por 10 dias ou até receber o resultado do teste.
Se o professor adoecer, por estar de máscara, provavelmente não terá contaminado as crianças. Desse modo, o grupo pode continuar frequentando a escola e deverá ser atendido por outro profissional.
Em todas as situações, os grupos com suspeitas e/ou confirmação de covid-19 devem ser acompanhados com maior atenção.
ORIENTAÇÃO E COMBINADOS PARA AS FAMÍLIAS
Dra. Adriana: é fundamental:
- que as famílias que enviarem as crianças para a escola se comprometam a cumprir as orientações e normas de prevenção da covid-19;
- comunicar toda e qualquer suspeita/alteração no quadro de saúde da criança e dos familiares que residam ou convivam com a criança;
- não levar a criança com qualquer sintoma de gripe, inapetência, cansaço e/ou diarreia para a escola.
- Procurar manter uma mesma pessoa para levar e buscar a criança da escola.
- Levar uma mochila com pertences suficientes para uma semana e lavar roupas e outros objetos nos finais de semana.
- Em caso de suspeita de contaminação por covid-19, procurar isolar os idosos e familiares de risco que morem em casa (isolamento reverso)
PROFESSORES E OUTROS PROFISSIONAIS
Dra. Adriana: os professores e outros funcionários da escola devem usar máscara o tempo todo.
Trazer uma “roupa de trabalho” e um sapato que deverão ser usados somente na escola. Se a instituição tiver condições, poderá lavar as roupas de trabalho dos professores e dos outros profissionais para que elas lá permaneçam.
Ao chegar na escola, o profissional deverá lavar as mãos e o rosto, trocar a máscara e vestir a roupa e os sapatos “de trabalho”.
Em casa, o profissionais deverão reservar uma área “suja”, tirar a parte exposta da roupa e os sapatos usados no transporte público. Tomar banho e lavar o cabelo. Estas ações diminuem o risco de levar o covid-19 para casa.
Professores e auxiliares que trabalham com os bebês e as crianças muito pequenas deverão ser os menos sujeitos a riscos (mais jovens, que morem sozinhos etc.).
* O uso de máscaras prevê trocas regulares da mesma (sempre que estiver úmida e/ou de 2h/2h).
*Mais algumas sugestões…
Pensar sobre os horários e o cronograma de funcionamento da escola será imprescindível. Incluir no dia a dia da instituição tempo para:
- limpeza e higienização dos espaços;
- limpeza e higienização de objetos e materiais;
- reuniões com as equipes pedagógica e de apoio para acompanhamento e avaliação do processo;
- que a equipe pedagógica possa planejar, refletir e encaminhar propostas direcionadas às crianças que permanecem em casa;
- criar e alimentar um canal de comunicação com as famílias das crianças que frequentarão a escola para compartilhar a documentação pedagógica, uma vez que não será possível visitar a escola.
- Encontros formativos do coordenador com os professores… não existe escola sem reflexão, estudo e construção conjunta!
A conversa com a Dra. Adriana nos trouxe clareza em relação ao tema da volta das atividades presenciais da educação infantil. Estamos abalados com o evento devastador da pandemia, mas as reflexões da médica nos levaram a compreender que a escola está fazendo muita falta para as crianças pequenas e suas famílias e que talvez seja possível experimentar uma abertura.
Contudo, é fundamental que se considere as particularidades de cada escola: estrutura física e humana, disponibilidade de equipamentos de segurança, desejos da comunidade, parceria com as famílias, entre outros aspectos que são determinantes para a tomada de decisão.
Certa vez ouvi de uma terapeuta que o medo é indispensável para a vida. Ele nos faz reagir, ponderar sobre as situações e ter cuidado. Nesse sentido, ele deve andar de braços dados conosco. Mas, se o medo passa à nossa frente, ele se tornará um empecilho, um bloqueio no caminho. Vamos colocar o medo no lugar certo para pensar sobre a volta das atividades presenciais da educação infantil. Só assim será possível tomar a decisão mais adequada.
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PARA SABER MAIS…
→ Dra. Adriana Weinfeld Massaia é médica infectologista do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, responsável pelo controle da infecção hospitalar.
→ Leia mais postagens sobre a escola em tempos de pandemia:
PALAVRA DE… ELAINE E LUCIANI: MARCAS DA ESCOLA DE HOJE E DEPOIS DO ISOLAMENTO
EDUCAÇÃO INFANTIL À DISTÂNCIA: UM BARCO SEM LEME?
É HORA DE AVALIAR A EDUCAÇÃO INFANTIL À DISTÂNCIA… E NÃO ESQUECER A DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA
Adorei o conteúdo e o video, sou defensora fervorosa do retorno das atividades escolares. Tenho duas filhas abaixo de 4 anos, elas estão impossibilitadas de ir a escola e em casa acabam vendo pais indisponíveis por ambos estarem trabalhando. No meu caso foi frustrante a tentativa de inserir as aulas online na rotina, as minhas filhas nao tinham paciencia, preferiam brincar entre si e eu me sentia culpada por não fornecer o conteúdo que a escola disponibilizava. Com o passar do tempo começamos reunir pequenos grupos de amiguinhos para cada uma delas, retornei as atividades extra curriculares com elas para que não fossem privadas da convivencia com crianças da mesma idade. Isso tudo deu uma amenizada, mas não recupera a falta que a escola faz. Obrigada pelo conteúdo, virei leitora do seu blog, Abs.
Eu juro que li com a maior boa vontade. Mas, essa “defesa em favor da abertura das escolas” vai contra o bom senso que se ouve da maioria, tanto dos especialistas da saúde, da vigilância sanitária como da educação.
Vitor, infelizmente esta é a pandemia do “eu acho”, porque se sabe muito pouco. Mas acreditamos que é preciso olhar para os fatos sob as diversas óticas. Segue um artigo recente publicado na BBC que levanta diversos fatos e opiniões. https://www.bbc.com/portuguese/amp/geral-53681929
Boa tarde
Ao ler a entrevista ficou perceptível que as crianças e as equipes estarão correndo risco desnecessário. As unidades públicas não contam com auxiliares nas salas, como reduzir o número de crianças? Quais critérios? O fato de uma parcela da sociedade está na ativa, porque é obrigada a trabalhar em meio uma pandemia não é justificativa para abrir as escolas e aumentar o número de infectados. Pior ainda torcer para que as crianças se “caso” forem infectadas não tenham fortes reações.
As escolas só deveriam reabrir quando a pandemia estiver controlada, na verdade tratando da realidade brasileira só com a vacina.
Flavia, existem muitas incertezas e algumas certezas que nos levaram a publicar esta postagem: nas regiões mais frágeis de nossa sociedade, crianças sofrem por fome, violência doméstica, concentram-se em casas de “mães crecheiras” e, obviamente acumulam déficits no desenvolvimento cognitivo. Apesar das incertezas, é preciso ponderar os diversos riscos.