Crianças pequenas compreendem essa dimensão da cultura? É possível desenvolver com elas o reconhecimento e a valorização da comunidade em que vivem? Até que ponto podemos avançar com esse trabalho profundo que também constrói a identidade?
Todos os bairros, comunidades e cidades tem uma história que muitas vezes são preservadas pelos moradores mais antigos. Você sabe a história do bairro onde está instalada a escola em que trabalha? Você já se perguntou por que o bairro tem esse nome? E a rua?
Afinal, que mundo é este?
Conhecer o lugar e trabalhar a cultura local é uma forma de resgatar um pouquinho da história de cada um de seus alunos, mas para isto você tem que se preparar.
As crianças se mostram curiosas e são profundamente investigativas com as situações que vivenciam. Quem sou eu? Como são as pessoas? O que tem por trás dessa construção? Por que as árvores são tão altas? Por que os bichinhos do jardim são tão pequenos? O que é esse lugar onde posso encontrar tem tanta terra e plantinhas?
Desde muito pequenas – desde bebês! – fazendo essas e outras perguntas, interagindo com o meio social e natural em que vivem, os pequenos procuram suas respostas e aprendem sobre o mundo. Segundo Vygotsky, dependemos da presença do outro para nos constituirmos, e é assim que formamos o nosso EU.
Muito do interesse dos pequenos está justamente nas redondezas. O caminho da casa até a escola e as ruas que fazem parte da rotina trazem muitos conteúdos que provocam o olhar e questionamentos: as pedrinhas da calçada, o buraco que surgiu no caminho, a mureta baixinha que desafia o corpo e o portão da casa com um cachorrão observador. Então, que tal iniciar a sua pesquisa pela rua onde está a escola e ampliar o interesse da turma?
Qual o nome da rua? É o nome de uma pessoa? Se sim, quem foi e que trabalho realizou para merecer tal homenagem? Ou será que a rua tem nome de um pássaro, uma flor, uma cidade ou um país?
Uma dica para começar a trabalhar esse conteúdo sociocultural é levar referências para a roda de conversa e os painéis da sala. Fotografe a rua, os prédios, construções, praças, placas, árvores, moradores, trabalhadores, guardas e o que encontrar de mais marcante, e desafie a turma a pensar onde viram tais imagens antes.
Quando o tema estiver cutucando as crianças, você pode observar os interesses e os problemas que os pequenos forem levantando… com isso o universo social começa a fisgar o grupo e você pode aprofundar as experiências.
Para dar continuidade ao processo, que tal criar com as crianças um canto do bairro na sala? Nas postagens Dicas para planejar e preparar Cantos de Atividades Diversificadas e Palavra de… Denise Nalini: cantos de atividades e as tomadas de decisão da criança abordamos a criação de cantos de brincadeira, de pesquisa e aprendizagem.
Um aspecto certeiro do interesse das crianças é a natureza. Elas observam o que está no chão e adoram recolher flores, folhas galhos e sementes. Vamos iniciar com isso?
Se for interessante e possível, organize uma saída pela rua da escola – uma quadra basta! Observe e registre o que os pequenos olham, falam e coletam. Pode levar sacolinhas para guardar o que está sendo recolhido: folhas, flores, gravetos, um punhado de terra, insetos – vivos e mortos! – um papel colorido, enfim, tudo o que quiserem e que seja adequado carregar!
O passo seguinte é ter um lugar reservado para ir guardando (e organizando) os materiais até que se tenha o suficiente para planejar um espaço provocativo.
É muito proveitoso envolver as famílias nesse projeto. Converse ou envie uma comunicação simpática, explicando o trabalho que está sendo desenvolvido com a turma. Sugira que façam coletas com os pequenos quando estiverem trazendo ou buscando as crianças na escola e que enviem o material no dia seguinte. Com isso, as famílias se sentem participantes, conhecedoras das aprendizagens das crianças e contribuem para ampliar a pesquisa realizada na rua.
Assim que obtiver quantidade e diversidade suficiente de materiais (quanto menores as crianças, menor a necessidade de diversidade), prepare para a atividade: classifique as folhas e flores em caixas ou cestas pela forma, pela cor ou tamanho (essa operação pode ser feita com os pequenos a partir de 24 meses). É possível saber o nome de algumas plantas? São árvores grandes ou arbustos pequenos? Possuem flores? Há frutas nesta época? Quais?
Essas são só algumas das informações que podem ser pesquisadas com as famílias, algum morador antigo e até mesmo na internet, e partilhadas nas rodas de conversa. Os conhecimentos levantados podem ser expostos em cartazes afixados nas paredes da sala.
Preveja a possibilidade de usar um local que não precise desmanchar de um dia para o outro: uma mesa, uma estante com prateleiras baixinhas e acessíveis aos pequenos ou até um cantinho da sala que pode ser delimitado por um pedaço de papel utilizado como toalha sob as cestas. Organizar todo esse rico material pode levar mais do que um dia! Conforme a faixa etária e os questionamentos dos pequenos, aproveite para repetir ou continuar a tarefa.
Quando a brincadeira e a pesquisa com o rico de material estiver se esgotando, dependendo da faixa etária, você pode trabalhar com as crianças a importância de cuidar do canto de natureza e relacionar esse cuidado com o lugar em que vivemos e até com questões de conservação do meio ambiente.
A pesquisa sobre a rua pode continuar. Se retomar a provocação dos prédios e construções é possível que os pequenos se interessem por eles e pelas pessoas que lá moram ou trabalham.
Quem são os vizinhos da escola? São moradias ou casas comerciais? Estão instalados há muito tempo?
Comece a puxar o fio da meada para descobrir o bairro. Cada comunidade tem um perfil. Não se trata apenas dos prédios imponentes como museus, teatros, estádio de futebol, shopping ou outros espaços grandiosos. Estamos falando do espaço urbano mais comum, das lojas, da fruteira, do mercado, da casa de doces e bolos, da praça, da lanchonete, do calçamento da rua, do dia que tem feira, enfim de todos os lugares onde as pessoas transitam, trabalham, se encontram, se desencontram e se divertem.
Isso tudo é o aspecto social da comunidade. Isso também é parte da cultura local. Trazer esses elementos para as crianças é trabalhar a identidade delas, das famílias e da própria escola. Isso é trazer um mundo concreto para dentro do contexto educativo e também projetar a escola e a cultura das crianças na sociedade.
♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦
Para saber mais
Clique no vídeo ao lado e assista ao poético passeio do menininho Valentim no filme Caminhando com Tim Tim. Todos os dias, ele caminha até a casa da avó. Caminha seguro, observa coisas que nem pensamos em prestar atenção, cumprimenta moradores e demonstra conhecer cada pedacinho da calçada. O trajeto de duas quadras foi registrado em vídeo pelos pais da criança mostrando Valentim conquistando seu espaço no mundo, sem medo de explorar a cidade em que vive, sem receio de cumprimentar as pessoas e distribuir seus sorrisos aos conhecidos. Veja o vídeo para compreender o quanto as crianças pequenas podem se relacionar com a sua comunidade e a poesia que surge dessa interação.
Leia também as postagens
Uau! Passeio na rua… fora da creche… é muita aventura e descoberta!;
Passeio é possível! Veja as experiências da leitora Luana
CEI Barra Manteiga: Natureza na rotina de passeios no parque