Três professoras observaram uma experiência real atravessar uma das crianças da turma. Perceberam o momento da pesquisa autônoma, a descoberta e a aprendizagem. Tudo isso num simples ato de carimbar a mão.
Para a nossa satisfação, as professora registraram o momento e compartilharam também suas experiências e conquistas.
Fabiana, Nathaly e Michelle, do CEI Nossa Turma, SP, planejaram uma proposta de pintura com rolinhos para a turma de 12 a 18 meses. A ideia era preparar algumas mesas cobertas com grandes folhas de papel, pratos rasos com tintas guache coloridas e rolinhos de espuma.
As professoras identificaram o interesse das crianças em explorar as tintas com o corpo todo. Gostam de colocar as mãos nos recipientes e espalhar as tintas nos dedos, braços, rosto, nos colegas e nas professoras! As marcas no papel acontecem, mas não são o principal foco de todos os pequenos que ainda pesquisam as texturas e outras propriedades das tintas.
Choveu no dia programado e as professoras colocaram em prática o plano B: sequestraram o refeitório.
Prepararam duas grandes mesas bem afastadas para permitir a escolha e a livre circulação dos pequenos, o que funcionou muito bem. Os rolinhos também ampliaram a pesquisa, pois além de percorrer o papel e a pele deixando marcas, foram amassados e espremidos.
Eis que num momento, depois de passar o rolo com tinta preta na palma da mão e mergulhar a mão no prato, uma menininha de lacinho verde resolveu posicionar a mão no papel da mesa. Apoiou e retirou com cuidado. Surpreendeu-se e ficou encantada com o que viu: uma imagem da própria mão estampada na mesa!
Nessa altura da história, muitos leitores podem pensar: nada mais comum e corriqueiro do que ver mãozinhas de crianças carimbadas durante atividades da Educação Infantil!
Mas aí é que moraram as descobertas da menininha, das três professoras e de mais algumas crianças.
Essa não foi uma vivência qualquer para a pequena. É provável que ela já tenha tido a mão carimbada pelas professoras em outras ocasiões… mas até aquele dia nunca havia descoberto nada com isso! A experiência nunca tinha sido dela.
A surpresa e a expressão de insight[1] de quem compreendeu o processo foi tão espontânea e clara, que as professoras se sensibilizaram. Como estavam atentas às conquistas das crianças, registraram o processo da lacinho verde e mais tarde refletiram sobre o que observaram.
A descoberta foi imitada por outras crianças, que experimentaram e aprenderam ao imitar a colega (Zona de Desenvolvimento Proximal do Vygotsky, lembra?).
Experiências são vivências significativas, que atravessam as pessoas e deixam marcas. Segundo o pedagogo e filósofo da educação, Jorge Larrosa – um dos magos do Tempo de Creche – somente aprendemos nos momentos em que experimentamos. São os breves instantes que nos atravessam que produzem aprendizagens.
É possível que um fato corriqueiro como esse passe despercebido pela maior parte dos professores. Porém, é nesses instantes encantados que mora a potência do ensinar e do aprender. Fabiana, Nathaly, Michelle, a pequenina do lacinho verde e outros coleguinhas foram atravessados pelo prazer de descobrir e crescer.
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PARA SABER MAIS…
[1] Insight é a clareza súbita na mente, iluminação, estalo, luz, compreensão ou solução de um problema pela súbita captação mental.
Jorge Larrosa, em seu artigo Notas sobre a experiência e o saber de experiência, afirma que a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. Para ele a experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.
Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky – para saber mais leia a postagem Percurso investigativo: o desenho e a zona proximal de desenvolvimento
O CEI Nossa Turma é uma creche conveniada à Prefeitura de São Paulo e é parte dos projetos sociais da Associação Nossa Turma. As professoras Fabiana Guimarães dos Santos, Nathaly da Silva Cunha e Michelle Ferreira Gonçalves são responsáveis pela turma de Berçário 2 (12 a 24 meses) desta postagem.
Às vezes buscamos as grandes descobertas mas é nessas pequenas descobertas que está a sutileza do aprender brincando que tanto é falado na Educação Infantil é pouco explorado.
Todas as descobertas e pesquisas dos nossos pequenos são acompanhadas de pertinho.
Enquanto educadoras é nossa função ampliá-las e pensarmos no desenvolvimento pleno e integral das crianças.
Ficamos imensamente feliz pela postagem, essa atividade realmente foi muito legal e as crianças foram muito criativas.
Professora Fabiana Guimarães Dos Santos.
Continuem com este excelente trabalho!
Acho interessantíssimo este momento da descoberta! Tenho dúvida que seja um”insight” como alegado, pois a criança nesta idade ainda é muito nível medular e faz por imitação, arrisco dizer “neurônio espelho”, mas sem dados para afirmar. Para documentar, quantas crianças tomaram a mesma iniciativa espontaneamente? Estão de parabéns as profas.F/N/M! De fato se aprende pela novidade, surpresa; sugiro repetir a prática e ver como se desenrola?
Olá, prof. Amauri. Obrigada pelo retorno e pela sugestão de aprofundar a documentação de quantas crianças tiveram a mesma iniciativa. Será encaminhada às professoras. Quanto ao sentido usado no texto para “insight” foi o de lampejo, isto é, da percepção do momento, que a criança demonstrou. Abraço
Obrigado pela resposta; lampejo melhor!
04 crianças tiveram a mesma iniciativa de pintar as mãos, mas somente 02 registraram suas marcas gráficas no papel, a que se encontra ao lado da menina de lacinho verde, e ela.
As outras 02 crianças ficaram na observação e pesquisa.