Por que o período de adaptação/acolhimento não acaba?
Muitos professores imaginam respostas para essa pergunta comum:
Neste ano minha turma está difícil.
As minhas crianças chegam cansadas, ficam irritadas e querem dormir.
Percebo que os pequenos ainda não estão prontos para participar de projetos, eles não se entrosaram com os colegas, o espaço, os horários…
Encontramos professores assumindo essas conclusões no período “pós adaptação” ou, como temos nos referido, “pós-acolhimento”.
O que está acontecendo de fato?
Onde está o problema?
O que está por trás dessas conclusões?
Respondemos:
O que você está olhando?
O que está deixando escapar?
Qual é a sua pauta de olhar nesse momento?
A chegada dos pequenos à escola no início do ano se resume a alguns aspectos fundamentais:
- Relações com os adultos
- Relações com outras crianças
- Construção dos tempos coletivos e a rotina
- Interações com o espaço
- Interações com os materiais
- Aspectos individuais
- Segurança
As relações demandam empenho, afeto, tempo e amadurecimento para que se estabeleçam os novos vínculos. Trabalhamos nesse sentido buscando conhecer cada uma das crianças que compõe o grupo, suas histórias e raízes, investimos nos gestos, nas palavras e na mediação entre os amigos. E assim, num trabalho de formiguinha vamos gerando – de gestação mesmo! – o nosso grupo.
Até aqui, tudo certo! Temos até um sentido humano-amoroso-professoral que nos guia por essa jornada. Mas então o que falta? Por que ainda não está dando certo?
A questão é que os ambientes e os tempos escapam ao nosso olhar nessa fase. Deixamos de lado a percepção dos espaços e materiais que proporcionamos às crianças e também os tempos individuais.
Em geral encontramos professores que planejaram as rotinas e o espaço das salas para a fase do acolhimento. Esmeraram-se em decorar, arrumar e organizar a sala, construir brinquedos e cantos de atividades, e elaborando planos de reconhecimento dos espaços da instituição. Passados alguns dias percebem que algumas crianças frequentam a escola há 15 dias e ainda não pararam de chorar!
Ou que o grupo que estava bem até o final da semana, voltou com chororô de novo!
Após os feriados e finais de semana realmente existe quase uma nova “adaptação”, mas em geral ela é curta e se resume à chegada à escola, com a despedida do familiar. Porém, quando as crianças se sentem desafiadas pelas brincadeiras curiosas e adequadas às faixas etárias, começam a se entregar ao novo. É mais forte do que elas porque está em sua própria natureza – caso não haja algum comprometimento de ordem emocional.
Então as palavras PROVOCAÇÃO, DESAFIO e CURIOSIDADE, aparecem no cenário e se conectam com o olhar, a percepção, a pauta do olhar e o planejamento do professor:
Estímulos visuais
- A sala está com a mesma organização há quanto tempo?
- A “decoração” provocou os pequenos? Despertou o olhar perguntador? Gerou perguntas?
- O que foi colocado nas paredes e no teto ainda desperta para a brincadeira ou já foi totalmente explorado e esquecido?
Brinquedos
Os brinquedos disponibilizados são sempre os mesmos ou são rodiziados?
A organização dos brinquedos é planejada de modo a sugerir novos cenários e possibilidades para o brincar? Esses cenários são transformados pelo professor periodicamente?
Algumas sugestões de cenários para brincar:
- Reunir num canto carrinhos e uma grande pista desenhada num papel. Em outro dia acrescentar algumas caixas para talvez se transformarem em casas, garagens…
- Juntar bichinhos de plástico e pelúcia, alguns gravetos, pedras e folhas para sugerir uma floresta, um zoológico…
- Um ambiente com bonecas, bacias, paninhos, um pouco de sabão e água para compor o cenário do banho. A partir do interesse (quase certo!), organizar, em outra ocasião, bichos de plástico, panelinhas ou peças dos brinquedos de montar para serem lavados.
- O canto do fogão com as panelinhas, colheres e pratinhos está do mesmo jeito desde o início do período letivo? Que tal organizar de outra forma, empilhando caixas de papelão como se fossem estantes para a louça da cozinha? Coletar folhas, flores, sementes e pequenas frutinhas no jardim, disponibilizar em caixinhas, bandejas e pequenos cestos para ampliar a brincadeira com novos ingredientes para fazer as comidinhas.
- Diferentes maneiras de organizar as peças dos jogos de montar podem provocar novos desafios e brincadeiras. Reunir dois jogos que podem se complementar, por exemplo, Pequeno Construtor com um jogo de pistas; reunir peças de diferentes jogos por cor ou tamanho; unir peças de montar e panelinhas.
É possível encontrar e prover as crianças com diversos brinquedos interessantes, porém, os materiais de largo alcance, como sucatas de cartão e plástico, são os materiais mais desafiadores e provocadores de pesquisa, criatividade e da construção dos cenários de brincar. Caixas de papelão, contêineres plásticos, tubos, aros de papelão que sobram das fitas adesivas, carreteis vazios e outros materiais, ao contrário dos brinquedos, não trazem mensagens ou rótulos de como brincar com eles. Para brincar com os materiais de largo alcance é preciso inventar… eles trazem em si a liberdade de poderem se transformar em qualquer coisa. Isso potencializa os jogos simbólicos, a capacidade de criar narrativas, planejar e resolver problemas. Brincar com sucatas ensina que descartar recursos é uma questão de ponto de vista e que o planeta pode ser reinventado e reutilizado. Do ponto de vista do professor, a organização do canto de materiais de largo alcance pode inspirar infinitas combinações para um sem fim de jogos e brincadeiras.
Canto do Desenho
Desenhar é uma das atividades mais enriquecedoras da primeira infância. Por isso, o desenho deve estar disponível todos os dias, seja como proposta de atividade pontual (mais elaborada), seja como um canto permanente na sala. Apesar de frequente ou permanente, o desenho precisa se renovar com desafios diversificados. Combinações de diferentes riscadores e suportes provocam o interesse dos pequenos e novas pesquisas. Leia mais sobre o Desenho nas postagens Desenhar, desenhar, desenhar… Todos os dias! e Um acervo de ideias para reinventar o Desenho
Cantos de Leitura
Existe um canto permanente de leitura na sala, aconchegante e com repertório periodicamente renovado? Ou uma seleção de livros foi preparada no início do ano com a intenção de permanecer por todo o período? Ou ainda, os livros são colocados numa prateleira ou caixa acessível, porém o conforto e o aconchego necessários para acolher os momentos de leitura não foram planejados?
Um bom acervo diversificado de livros infantis exige pesquisa, tempo e recursos para ser formado, além de necessitar reposição frequente, uma vez que as crianças estão aprendendo a lidar com eles. Porém, os livros que as crianças leem à sua maneira também precisam do olhar do professor:
- Quais estão sendo lidos com frequência?
- Quais foram lidos mas agora estão sendo deixados de lado?
- Quais temas estão despertando as crianças?
- Quais livros que, após serem lidos pelo professor, são solicitados pelas crianças para uma leitura individual?
Com todas essas informações é possível planejar a mudança periódica do acervo. Costumamos sugerir que os livros da escola sejam considerados um acervo único a ser distribuído e rodiziado entre as turmas, dessa forma é possível oferecer uma variedade maior de títulos aos pequenos.
Repertório Cultural
Qual repertório cultural está alimentando as propostas e as conversas com os pequenos? O que é apresentado dialoga com a cultua das famílias das crianças? Estamos valorizando os costumes e gostos históricos das famílias e da comunidade ou estamos levando para os pequenos mais do mesmo?
Espaços externo
Sair da sala tem sido rotina ou exceção? Crianças pequenas precisam de sol e espaço para exercitarem os movimentos. Salas apertadas ou cheias de crianças trazem tensão ao grupo. Sair da sala com frequência favorece os gestos amplos, correr, pular, socializar. Mas não é só uma questão de ir ao pátio ou ao jardim. Estes ambientes também podem ficar saturados se não promovermos desafios. Que tal levar cordas, bolas de diferentes tamanhos, caixas e caixotes grandes, tecidos, jogos de panelinhas, bonecas ou carrinhos? Ou ainda baldinhos e sacolinhas para coletar elementos da natureza? A fita crepe colada no chão de diferentes maneiras pode demarcar espaços e inspirar brincadeiras. Pátios com as famosas motocas são disputados até caírem no esquecimento.
Tempo
As crianças precisam de tempo para se interessar, pesquisar espaços e materiais, elaborar as brincadeiras e brincar. Quando atropelamos esse tempo, as crianças se frustram e reagem com irritação. Por outro lado, o excesso de tempo também pode gerar insatisfação. Como este tempo está sendo observado, trabalhado e respeitado pelos educadores? Como os tempos da instituição estão sendo articulados com os tempos das crianças?
Costumamos dizer que a melhor forma de finalizar uma proposta é preparando as crianças para o término e transformando uma brincadeira em outra mais calma e introdutória à atividade que vem a seguir (veja a postagem Organização de propostas: garantia de brincadeira e aprendizado que traz uma estrutura de atividade).
Desse modo, salas organizadas que não mudam acompanhando os interesses das crianças, planejamento de propostas que não levam em conta desafios, momentos no pátio sem mediação do professor para ampliação do repertório de brincadeiras e tempos inadequados às crianças, podem ser a causa de uma etapa de acolhimento maior e mais intensa.
Já conhecemos professores que acreditavam que decorar a sala e arrumar os brinquedos compõem as ações necessárias para acolher os pequenos no início do ano. Porém, um olhar para conhecer cada criança, suas famílias e, principalmente, como despertar seus interesses, são a chave para planejar (sim, planejar!) propostas encantadoras e instigadoras, construindo uma cultura que entende a escola como um ambiente afetivo, seguro e interessante para as crianças.
BOA TARDE ,QUERIA DICAS SOBRE O PLANEJAMENTO ANUAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL DESDE O MATERNAL ATÉ O JARDIM II
Olá, Celma! As informações que você pede podem ser encontradas nas postagens sobre planejamento. Procure na aba do topo da página: Coordenação e Gestão. Se preferir, pode clicar nas abas das publicações reunidas por temas na HOME. Há dicas também nas postagens relacionadas à BNCC. Abraço.
ola
porque a maioria dos blogs não abordam as peculiaridades dos reais bebês nas creches, na adaptação?
Se a licença maternidade termina aos 4 meses, e considerarmos um mês de férias que as vezes são gozadas em continuidade, para quem tem esse direito, ou mesmo as privilegiadas que tem 6 meses de direito, como acolher um bebê nesse processo? Porque as experiencias nunca são pensadas para eles?
Trabalho com bebês no periodo de 6 meses a 24 meses em cinco creches de empresas, em varias cidades e dois Estados. E também na rede publica que acolhe bebês ate com um mes e meio, como me relataram, em Parelheiros e na Zona Leste. Já acolhi um bebê de dois meses filho de uma medica, que não tinha direito a licença maternidade, era free.
Quais são as experiencias significativas para esses bebês? Minha pergunta é provocativa apenas, para pensar.
Damaris Gomes Maranhão
Olá, Demaris. Obrigada pelo retorno. Suas questões e provocações são muito pertinentes e revelam uma situação recorrente em várias creches pelo Brasil! Você é uma das pessoas mais preparada para contribuir com sua experiência e aprendizagem neste trabalho. Que tal nos escrever um artigo? Aguardamos sua participação. Entre em contato pelo e-mail [email protected]. Abraço
Encontrar a resposta para todas as duvidas pedagógicas? Aqui nesse espaço sério e maravilhoso. Muito obrigada por tanta informação relevante!
Olá Lezi Maria. Obrigada pelo retorno. Sua opinião é um incentivo para nós. Estamos abertas para sugestões de temas e dúvidas. Abraço.
Lezi,
Obrigada pelas palavras gentis!
Esse blog é maravilhoso!
Maravilhosoooooo