Morder é um comportamento muito comum entre as crianças. Isso significa que existem muitos educadores e pais preocupados com a questão. Então … você não está sozinho! A boa notícia é que há muito a fazer para reduzir e até eliminar as mordidas.
Para preparar o terreno e resolver com eficácia este desafio, antes de tudo, evite chamar ou pensar nas crianças que mordem como os “terríveis” ou maus elementos! Peça aos outros também que não se refiram a elas dessa forma. Rotular as crianças pode realmente levá-las a assumir a identidade que lhes é atribuída, o que intensifica o comportamento de morder em vez de eliminá-lo.
Crianças mordem a fim de lidar com um desafio ou satisfazer uma necessidade. Por exemplo, a criança pode estar mordendo para expressar um sentimento forte (como frustração), comunicar a necessidade de espaço pessoal (talvez outra criança esteja muito perto!) ou para satisfazer uma necessidade de estimulação oral. Tentar compreender a causa “invisível” das mordidas vai ajudar a desenvolver uma estratégia mais eficaz para eliminar o comportamento. Pergunte-se:
- O que aconteceu logo antes da mordida?
- Com que a criança estava brincando?
- É sempre a mesma criança mordida, ou crianças diferentes?
- Em que local ocorrem as mordidas? Na sala, no refeitório? No pátio?
- Em quais situações? (quais tipos de atividade: no momento de brincar com escolhas de brinquedos, nas refeições como o almoço, horários de entrada ou saída…)
Existem muitas razões para isso acontecer!
Crianças pequenas mordem porque:
1. Não possuem as habilidades e recursos de comunicação para expressar necessidades importantes ou sentimentos intensos como raiva, frustração, desejo, alegria etc.
Morder é, então, um substituto para as mensagens que os pequenos ainda não podem expressar em palavras: Eu estou tão bravo com você! Você está muito próximo de mim! Estou muito animado! Quero brincar com você!
Se você percebe que morder está substituindo a falta de habilidades de linguagem para se expressar, você pode colocar em palavras o que acredita que a criança pode estar pensando: Você está querendo dar uma volta no triciclo? Então você pode perguntar ao Pedro: eu posso dar uma volta agora? Ajude a criança a expressar seus sentimentos de forma adequada.
Se o pequeno estiver muito irritado, você pode dizer: Você está muito nervoso! Percebo que você está realmente bravo! Em seguida, sugira uma maneira de lidar com esses sentimentos: Vamos fazer uma cara de leão ‘beeem zangado’? Vamos tocar tambor? Que tal a gente se acalmar e rasgar revistas e papeis com muita força? Vamos dar uns socos na almofada? Tocar um tambor, pular, correr e outras atividades intensas e energéticas podem ser propostas para viabilizar modos de expressar os sentimentos. Quando o pequeno aceitar a proposta, vale a pena demonstrar que você está percebendo como ele está demonstrando seu nervosismo e irritação. Desse modo você confirmará que esta forma de expressar sentimentos é compreendida, reconhecida e aceita… muito melhor que a mordida! Quando começarem a usar as palavras para compartilhar sentimentos também não esqueça de valorizar o comportamento: você pediu a bola para o amigo no lugar de arrancá-la dele! Muito bem!
2. Falta de escolhas e poder de decisão
Dar escolhas também contribui para a diminuição das mordidas. Ter opções adequadas à faixa etária dá à criança uma sensação de conquista de autonomia: qual brinquedo você quer, esse ou aquele? Gostaria de ficar de sapato ou quer tirar? Quer ficar sentado ou de pé?
3. Não conseguem compartilhar
Quando a criança ainda não possui habilidades para se comunicar e não existem brinquedos em número suficiente para toda a turma, o pequeno pode não ter recursos para propor compartilhamento. Nesse caso, sua intervenção é importante para estabelecer formas de dividir os objetos ou, na impossibilidade, brincar de revezar ou planejar atividades que contenham materiais suficientes para toda a turma, até o comportamento de morder ser extinto. Uma dica é ter um ‘controle’ de tempo que pode ser percebido facilmente, como a duração de uma música conhecida por todos. Ao final da música, troca-se o brinquedo ou quem balança, por exemplo. Isso pode virar uma divertida brincadeira.
4. Sofrem estresse por conta de ambiente sobrecarregado de estímulos
Sons altos, luzes fortes ou piscantes e agitação afetam crianças mais sensíveis que podem se expressar mordendo. Se este for o caso do seu pequeno, vale a pena buscar alternativas de espaços e atividades mais tranquilas, se não para toda a turma, ao menos para ele. Ao fazer o planejamento de propostas mais agitadas e com muitos estímulos sensoriais, você pode incluir alternativas para as crianças que ficam mais sensibilizadas. Faça um canto com livrinhos, jogos de montar, papel e lápis para desenhar e música tranquila, em volume baixo (já pensou em música clássica?) para pausas e relaxamento, como opção de escolha espontânea para a criança.
5. Falta apoio e conforto do que é conhecido
Ter uma referência “carinhosa” e conhecida traz a memória de sua casa e segurança. Cabe combinar com a família para que mande para a creche um bicho de pelúcia, um cobertor ou fralda de estimação para confortar a criança nos momentos de estresse, em que perceber que podem ocorrer mordidas. É um porto seguro para reconfortar e acalmar.
6. Estão experimentando para ver o que vai acontecer ou para chamar a atenção
Se notar que a criança está experimentando morder para ver as consequências, você deve se posicionar no ato, com firmeza, mas sem demonstrar (sabemos que é difícil!) emoção: sem morder! Morder machuca! Faz dodói no amigo! Em seguida, desviar a atenção da criança que mordeu para aquela que foi mordida. Essa atitude ajuda na compreensão de causa e efeito: você mordeu o João e agora ele está chorando, está triste! Quando você morde, dói e machuca seus amigos. Morder nunca é bom! Quando você morde eu também fico triste!
7. Precisam de mais atividades e desafios
Você perceber que o pequeno que tem mordido raramente expressa o comportamento quando está focado em atividades que gosta? Então é preciso planejar, durante certo período, propostas que contemplem esse interesse, ao menos uma vez ao dia. Punir a criança que morde com a perda do momento de brincar no pátio, por exemplo, piora a relação e intensifica o comportamento. Crianças ativas e inteligentes precisam de desafios e momentos de muita brincadeira, do contrário, podem responder à frustração com mordidas. Pesquise as atividades em que o pequeno não morde. Registre. Planeje projetos e rotina contemplando esse tipo de atividade. O comportamento de morder vai, aos poucos, sendo eliminado do repertório da criança, que passa a não adotá-lo mais como recurso de expressão.
8. Sentem falta de atividades energéticas e intensas
Algumas crianças precisam gastar energia para ficarem tranquilas. Parecem pequenos furacões contidos e, se não liberar a tempestade, …. ! Se essa for a causa do comportamento de morder, você perceberá que em dias com atividades intensas, a criança provavelmente morderá menos ou não morderá. Como no item anterior, você deve registrar esse comportamento, planejar momentos agitados, brincadeiras com o uso do corpo e expressão musical.
9. Passam muito tempo no mesmo ambiente ou em ambiente interno
Assim como os adultos, crianças precisam variar de ambientes. Perceba se você tem planejado muitas atividades na sala ou se o espaço onde passam a maior parte do dia está pequeno para o número de crianças. Outro fator importante é a necessidade de Natureza da infância. Criança e Natureza foram feitos um para outro! Falamos desse tema na postagem Natureza, riscos e brincadeiras numa discussão que dá o que pensar. Se a sua instituição não possui uma área externa com terra e plantas, uma boa estratégia adotada por algumas creches é levar os pequenos para brincarem numa praça próxima. Ou levar a terra para a sala!
10. Por excesso de cansaço
Se perceber que as mordidas aumentam quando a criança está cansada é hora de conversar com a família para levantar informações sobre quantidade de sono e descanso. Cansaço dá uma irritação… Se for este o caso, você pode propor aos responsáveis que a criança vá dormir uma hora mais cedo, gradualmente: no primeiro dia 15 minutos, no segundo 20 e assim por diante. Também vale combinar com a família para que avise quando o pequeno não dormiu bem ou o suficiente. Isso prepara o professor para um dia mais delicado e com atenção redobrada.
Na creche é possível planejar momentos de soneca extra ou descanso com livros e jogos mais calmos para o pequeno que morde. Talvez a criança precise dormir um pouco mais pela manhã, quando chega à creche, ou a quantidade do sono da tarde está insuficiente para ela.
11. Por conta da dentição
Se perceber que a mordida acontece com a criança que está desenvolvendo a dentição, você pode oferecer um mordedor ou pano limpo e geladinho para morder.
12. Por necessidade de estimulação oral
Estudos demonstraram que oferecer pequenos lanches saudáveis e crocantes em intervalos regulares diminui o número de incidentes. Oferecer para a turma barrinhas de cereal, sucrilhos, cenouras e pepinos cortados em palito e frutas firmes pode ajudar.
Como agir na iminência de uma mordida?
Conhecendo suas crianças você pode começar a antecipar as prováveis mordidas e, nesse caso, uma boa estratégia é reduzir tensões desviando a atenção: distrair a criança com um brinquedo ou um livro, convidar para olhar o que está acontecendo lá fora, pela janela, ou convidar para um breve passeio na área externa.
Outra sugestão interessante é ler livros e contar histórias sobre mordidas. Ao fazer isso, conversar sobre os sentimentos de quem foi mordido.
Na visita que realizamos numa das unidades da UNIEPRE (SP) conhecemos uma boa forma de monitorar a efetividade das estratégias adotadas. Na instituição a equipe mantém um registro diário das ocorrências de mordidas por sala e por criança. Dessa forma conseguem analisar se uma turma apresenta mais esse comportamento do que outra e é possível avaliar melhor as particularidades da rotina e dos planejamentos. Ao adotar as estratégias para trabalhar a questão, por meio do registro também é possível verificar se a ocorrência está diminuindo e intensificar a ação desenvolvida.
Não é fácil lidar com a mordida porque esse comportamento desperta incômodo em todos os envolvidos: crianças mordidas, crianças que mordem, familiares, coordenadores e professores preocupados e estressados porque trabalham sem desviar a atenção do problema. Nessa hora só a objetividade, o autocontrole e a perseverança podem trazer soluções!
Este texto foi baseado no artigo Why Do Toddlers Bite? Finding the Right Response, do site americano Zero to Three.
Boa tarde, sou professora do Mini Maternal 1, com crianças de 2 anos e alguns meses. Tenho um aluno que morde os colegas sem motivo algum; mas ele tem implicância especialmente com um colega, que se passar perto dele, independente do ambiente que estejam, a criança é mordida (na sala, no refeitório, no parque), e que de uns tempos pra cá, a criança que morde tem olhado para o colega como se ele fosse uma presa. Além de ficar provocando uma menina que tem pavor dele, de tantas mordidas que já levou. Já conversei com a mãe do mordedor e não tenho mais palavras pra justificar as mordidas aos pais das crianças que levam as mordidas. O que fazer nesse caso?
Ana Luisa,
Esta situação é muito aflitiva para todos, mas infelizmente é normal dentro de uma faixa etária.
A primeira coisa a fazer, muito provavelmente você já sabe é ficar de olho, em especial quando o pequeno se aproxima dos coleguinhas a quem morde com mais frequência.
Outra coisa importante é entender se estes coleguinhas em geral brincam ou se aproximam de pessoas com quem o pequeno que morde gostaria de estar. Como colocado na postagem, quando não encontram estratégias para expressar e canalizar frustrações, algumas crianças utilizam a mordida. O que leva a outra estratégia: que tal arranjar alguém para acolher a criança mordida e você tentar ensinar outros modos do pequeno expressar suas angústias e desejos? Pegue uma almofada para ele brigar, ensine algumas falas etc.
Enfrentamos uma situação dessas há muitos anos com uma professora de creche que estava em formação conosco. Percebemos que o pequeno que mordia amava música e instrumentos musicais. Além disso, a professora passou a colocar em palavras tudo o que envolvia o momento da mordida e o que havia levado a ela. A professora se esforçou em traduzir a frustração do pequeno que o levava a morder (você não quer que ela se afaste de você? Nào quer que ele brinque com outra pessoa? Você gostaria de fazer o que ele está fazendo? etc.) e também a expor o que os colegas mordidos sentiam. Além disso, elaboramos uma caixa com os objetos preferidos do menininho e, junto com a trilha sonora favorita, a caixa estava sempre disponível para ele. O estresse da criança, da professora e da turma foi diminuindo e o pequeno foi encontrando outras formas de “dizer” o que sentia. Espero ter contribuído!