Palavra de… Amanda Teagno Lopes: planejar, registrar e documentar

Palavra de… Amanda Teagno Lopes: planejar, registrar e documentar

Tempo de Creche conversou com a doutora em educação Amanda Cristina Teagno Lopes, autora do livro Educação Infantil e Registro de Práticas, sobre o planejar, observar, registrar e documentar na nossa prática.

Tempo de Creche – Como você vê o uso dos instrumentos metodológicos – reflexão/avaliação, planejamento e pauta do olhar nas práticas dos professores da Educação Infantil?

Amanda – Penso serem instrumentos essenciais ao alcance da boa qualidade das práticas pedagógicas, uma vez que ajudam o professor a tornar seu trabalho mais intencional, a observar as crianças e seus percursos de aprendizagem e desenvolvimento, a avaliar sua ação enquanto docente.

É muito importante planejar um dia de trabalho, um projeto, uma sequência de atividades a serem desenvolvidas; isso ajuda o professor a ter clareza sobre os objetivos que quer alcançar, e como fazer para alcançá-los. O planejamento representa uma previsão, uma antecipação do que se pretende alcançar (assim como ter uma lista de compras quando vamos ao supermercado nos ajuda a otimizar o tempo e mesmo o dinheiro gasto…). Isso é planejar.

Quanto à observação, trata-se de ação que ocorre o tempo todo, mas nem sempre de maneira sistemática, uma vez ser impossível observar tudo e todos em um contexto no qual muitas coisas acontecem ao mesmo tempo (esta é a nossa realidade enquanto professores). Organizar pautas de observação, quer dizer, decidir o que vai observar em um determinado momento (por exemplo, as preferências de brincadeiras das crianças, o modo como estão estruturando os desenhos, o desenvolvimento da oralidade em rodas de conversa etc.) nos ajuda a focar o olhar sobre ações das crianças, e refinar essa observação com base nos objetivos que queremos alcançar. O planejamento fornece indicadores à observação, e esta alimenta o planejamento (pois indica aspectos a serem trabalhados em outros momentos). Se, pela observação, identifico que muitas crianças se recusam a comer frutas, por exemplo, posso pensar em uma ação no sentido de favorecer a mudança desse comportamento, planejando atividades nesse sentido (fazer uma salada de frutas, brincar de mercadinho e incluir frutas nesse espaço, etc.). É muito importante esse olhar atento do professor para a criança e seu processo.

Tempo de Creche – E quanto ao registro?

Amanda – O registro, por sua vez, possibilita ao professor sistematizar intenções (no caso do registro do planejamento), organizar observações (quando o professor registra durante o processo), produzir memória sobre uma experiência (ao organizar um relato de uma prática desenvolvida com as crianças). Quer dizer, o registro acontece antes, durante e depois da ação. Mas não dá para registrar tudo! Então o registro também deve ter um foco. Escrever sobre nossas intenções, relatar um dia de trabalho com as crianças, anotar observações nos ajuda a refletir e a avaliar nossa prática pedagógica. No exemplo da lista de compras, o que ocorre? Quando fazemos a lista vamos lembrando do que precisamos comprar, do que já temos em casa e não precisamos, de qual o melhor lugar para fazer as compras. Escrever ajuda a lembrar, a pensar, a refletir. O mesmo acontece quando escrevemos sobre o que ocorre em nossa turma, com nossas crianças e conosco, como professores. Pensamos sobre as ações, avaliamos a nós mesmos, planejamos novas intervenções. Isso enriquece muito o trabalho. O registro pode favorecer também a divulgação de experiências e a produção de saberes por parte do professor, e a valorização de seu trabalho, o que também é muito importante. Ele é alimentado pela observação, e alimenta o planejamento e a avaliação. Planejamento, observação, registro, reflexão, avaliação alimentam-se de forma contínua.

Claro que precisamos lutar por condições de trabalho que nos permitam, de fato, planejar, observar, registrar e, principalmente, refletir sobre a prática. O trabalho docente não se reduz ao tempo que estamos com as crianças; essa é apenas uma parte do trabalho, que se inicia antes (no planejamento), e continua depois (no registro e na avaliação). A profissão docente implica que fazer e pensar, ação e reflexão caminhem sempre de mãos dadas.

Tempo de Creche – Percebemos a utilização ampla do termo “Documentação Pedagógica” por educadores e documentos de referência do MEC e das Secretarias de Educação.  O que você acha de incorporar esse conceito nas nossas práticas educativas?

Amanda – Penso que o conceito de “documentação pedagógica” amplia a concepção inicial de registro. A documentação é um processo que envolve não apenas a produção de registros pelo professor ou pelas crianças, mas sua seleção e organização a partir de um objetivo, de um planejamento. Quer dizer, precisamos planejar essa documentação, pensando nas seguintes questões: Documentação Pedagógica para paiso que documentar? Para quê documentar? Para quem? Como faremos? A documentação implica comunicação, então saber se documentamos para nós mesmos (professores), para as famílias, ou para e com as crianças faz bastante diferença. Podemos ter a mesma experiência (por exemplo, um projeto desenvolvido com as crianças sobre bolas, ou dinossauros, ou receitas), mas diferentes documentações: para as famílias organizamos um CD com fotografias e pequenos textos; com as crianças construímos um grande livro coletivo com a memória do trabalho; para nós mesmos organizamos relatos das diferentes etapas do trabalho juntamente com fotografias e produções das crianças. Veja, a documentação implica a seleção e organização de registros: durante o processo de trabalho precisamos ir produzindo memória, produzindo registros (fotografias, relatos, produções das crianças etc.); ao final vamos selecionar e organizar esses registros, construindo uma narrativa da experiência que seja acessível ao leitor. A documentação é uma forma de comunicação, e também de divulgação do trabalho desenvolvido, e pode auxiliar no processo de reconhecimento, pela sociedade, da importância do trabalho desenvolvido na educação infantil.

Documentação Pedagógica do professor

Considero importante a inclusão da documentação no âmbito das políticas públicas, mas temo que ela possa se tornar apenas uma obrigação a mais para o professor, que já está sobrecarregado de demandas. A documentação exige tempo, e até mesmo recursos (por exemplo, uma câmera fotográfica é muito bem-vinda na produção de registros das ações das crianças). Demanda também estudo e reflexão sobre concepções de criança, de infância, de educação infantil que perpassam as práticas. Tudo isso deve ser considerado a fim que a documentação de fato contribua para a qualificação do trabalho desenvolvido, e não se torne apenas um “documentar por documentar”; nesse caso ela perde o sentido.

Tempo de Creche – Você tem alguma “dica” para os educadores sobre a Documentação Pedagógica?

Amanda – Posso dizer, como professora de educação infantil que fui, e como pesquisadora do tema, que não há uma única forma de documentar, mas sim diversas possibilidades, e que precisamos nos aventurar nessa prática. Em segundo lugar, que precisamos, sempre, ancorar a documentação na reflexão sobre o trabalho, entendendo-a como estudo da prática, o que se faz pela mediação da teoria. Quer dizer, é necessário vivenciar a documentação também como processo de formação para nós mesmos enquanto professores. Por último, que precisamos reivindicar melhores condições de trabalho (inclusive para que a documentação possa acontecer), e a valorização do trabalho docente como profissão. E acredito que a documentação pode favorecer esse processo à medida em que possibilita a divulgação do trabalho pedagógico por nós desenvolvido, um trabalho que é intencional e de muita complexidade (ser professor demanda muita formação e conhecimento!).

livro Amanda Cristina Teagno Lopes – doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Participante do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Formação de Educadores /GEPEFE, São Paulo. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). Foi professora de Educação Infantil na Rede Municipal de São Paulo e assessora do Departamento de Normas Técnicas e Orientação Educacional – SME Guarulhos. Autora do livro Educação Infantil e Registro de Práticas, editora Cortez.

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Os registros são importante para avaliar o nosso trabalho, é através dele que temos a clareza se alcançamos os nossos objetivos nas atividades proposta com as crianças.

Os registros fazem parte do nosso cotidiano na escola, essenciais para nos ajudar na avaliação e para a nossa experiência como docentes.

Assim como planejar as atividades os registros servem como memoria do que esta sendo proposto para podermos avaliar se atingimos as intenções das atividades junto as crianças!

O registro é muito importante, através dele podemos observar, aprender e entender as várias possibilidades da criança para com o mundo.

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