Palavra de… Alice Proença: como fazer um grupo de estudos?

Palavra de… Alice Proença: como fazer um grupo de estudos?

O trabalho formativo das equipes não precisa necessariamente acontecer com alguém de fora da instituição. A formação de um grupo de estudos pode acontecer nas reuniões e paradas pedagógicas, com qualquer equipe que se disponha a pensar junto, estudar, refletir e trocar conhecimentos das instituições.

Tempo de Creche conversou com a doutora em educação Maria Alice Rezende Proença, coordenadora dos Grupos do GEP – Grupos de estudos sobre projetos, para auxiliar o coordenador pedagógico a construir um grupo de estudos em sua CEI – janeiro, 2016.

Tempo de CrecheComo organizar um grupo de estudos entre a equipe de Educação Infantil? Como desenvolver uma proposta para a qualificação dos professores?

Alice Não se consegue construir um espaço de transformação quando as ações são isoladas. As pessoas só se apropriam das questões em que estão trabalhando, o que chamamos de contexto. O contexto é que revela o percurso formativo a ser desenvolvido num grupo de estudos.

Alice 1 A

O profissional responsável por este espaço formativo tem que estabelecer o foco a ser trabalhado.

Quando você não tem foco, simplesmente acaba perdido, caminhando em diversas direções e quem está no grupo percebe isto claramente. No momento que você estabelece um foco começa a criar uma proposta.

Um caminho é a prática que se apresenta entre o fazer dos professores, no dia a dia. Quando a equipe percebe uma relação entre o que faz e o que os teóricos falam, ler e pesquisar começam a fazer sentido.

Outro ponto importante são os teóricos, que servem como respaldo para o coordenador do grupo se preparar.

Nos grupos do GEP eu seleciono uns três teóricos. Faço uma leitura para identificar por onde eu vou caminhar. Desta leitura, tento traçar um paralelo teórico e um paralelo prático.

Para estabelecer os teóricos, o coordenador do grupo tem que ter um olhar para aquilo que ele quer mudar e, depois, identificar quais possíveis intervenções terá que fazer para a mudança acontecer.

Aqui tem um ponto importante.

Alice 3 ANós não podemos trabalhar com interferências, mas com intervenções. As intervenções são capazes de mobilizar os outros. A interferência é aquilo que machuca, interfere e “atropela” a apropriação do sujeito. A intervenção ocorre quando eu trago uma boa pergunta para fazer o outro pensar. Isto gera possibilidades de mudança.

Tempo de CrecheComo você trabalha o diálogo entre a prática e a teoria?

Alice – A parte teórica precisa dialogar com a prática dos professores no dia a dia. No momento que eles percebem uma relação entre o que fazem, com aquilo que está sendo falado no grupo e com o que os textos dizem, começam a estabelecer as relações e a repensar suas ações. Aqui entra o que Piaget fala com muita força, aprender é fazer uso. Eu só aprendo aquilo que eu uso. O conhecimento que não usamos está fadado a acabar.

Quando o conhecimento é apropriado pelo grupo, nasce um movimento de multiplicação. A prática vai fazendo sentido no momento que o coordenador vai recheando com exemplos práticos trazidos pelo grupo.

Tempo de Creche Como você traz a prática dos participantes para os encontros?

Alice – Como nossos grupos partem da prática dos professores participantes, estabelecemos que alguém sempre apresenta um projeto: uma situação concreta que o grupo todo vai compartilhar e contribuir com sugestões. Esta apresentação pode ser do portfólio, de um questionamento do dia a dia ou a respeito de uma situação vivida. O coordenador precisa se preparar e elaborar uma pauta para o encontro que organiza. Do mesmo modo, o convite para a apresentação de uma situação prática do participante deve ser feito com antecedência, para que ele também se prepare.

Tempo de CrecheComo você abre os encontros?

Alice Faço uma intervenção para o grupo começar a pensar a partir de materiais, vídeos, filmes, obras de arte, uma leitura. Assim, o encontro começa com um estranhamento, ou encantamento.

Alice 2 AO estranhamento é o assombro que, por exemplo, uma criança pode ter diante de um objeto que ela desconhece ou com o qual se encanta. É quando ela faz aquele olho arregalado e aquela boquinha entreaberta. O adulto não tem essas expressões faciais, mas tem aquela coisa que lhe toca e o faz pensar: o que este estranhamento produz em mim?

Desenvolvemos uma pedagogia das relações. Relação daquilo que trago para dentro de mim e daquilo que coloco para fora. Nesses processos acontecem os estranhamentos e encantamentos, que passam pelo que tem eco dentro da gente, produzindo coisas fantásticas. Vou atrás do que não sei!

Estranhamento também faz pensar em criatividade, porque a sua fonte está ligada à percepção do que não sei, e do que gostaria de saber. Assim, para trabalhar o estranhamento, busco estratégias lúdicas e as linguagens expressivas.

Tempo de CrecheComo você trabalha o lúdico e as linguagens expressivas nos seus grupos de estudo?

Alice – Todo o encontro tem o alimento cultural.

Eu começo com a leitura de uma crônica, poesia, a apreciação de uma obra de arte, uma cesta de instrumentos musicais, na busca do estranhamento pelas linguagens expressivas.

Eu não explico o porque das provocações, o grupo vai atrás. A provocação lúdica propicia inúmeros caminhos.

Alice 4 AAs linguagens expressivas, somadas com a teoria e a prática, trazem a questão da homologia (correlação) dos processos. Ou seja, quanto mais os professores vivem estes processos, melhor vão compreender e viver o estranhamento das crianças. Desse modo, nos grupos de estudo e nas práticas com as crianças, os participantes se dão conta da importância da organização do espaço, dos materiais utilizados, da proposta planejada e do que o propositor foca para aquele dia. A máquina começa, então, a girar, tudo se liga e faz sentido. Sem esse encaminhamento, as pessoas se sentariam no grupo e ficariam apenas conversando sobre o que fazem no dia a dia. É preciso que o formador desafie, incomode o seu grupo com boas perguntas que despertem novas reflexões sobre a prática e suas articulações à teoria, pois ambas se alimentam o tempo todo na construção da intencionalidade da ação docente.

Tempo de CrecheVocê elabora um roteiro para seus encontros?

Alice – A pauta do encontro é o grande norte. Normalmente está relacionada com    o capítulo do livro, ou com um texto que o grupo tinha que ler. Porém, deixo uma parte do roteiro em aberto. Conforme as contribuições que vem do grupo, sei quais princípios que tenho que trabalhar, quais relações posso estabelecer. O fundamental é o coordenador fazer os links com a prática dos professores. Mas a pauta é que me traz a orientação do percurso a seguir.

Tempo de CrecheVocê é a coordenadora do grupo e já nos contou que, a cada encontro, alguém fica responsável pela apresentação de um caso prático. Existem outros papeis para os participantes do grupo?

Alice Nos encontros é importante registrar as sínteses. Em cada encontro um participante fica responsável por registrar e fazer a síntese do percurso formativo. Então, em cada encontro tem um “escriba”. O rodízio de papeis é importante para todo mundo avançar. A síntese é enviada para todos os participantes como memória do que foi trabalhado.

Tempo de CrecheTem pessoas que não possuem muitas habilidades na escrita. Como você aborda essa situação na vez dela fazer a síntese?

Alice 6 AAlice – Se o participante tem dificuldade em escrever, a dica é usar o jeito que faça sentido para ele. Como nas situações de roda de conversa com as crianças que ficam caladas. Podemos abrir espaços para que elas se comuniquem de outros jeitos, reforçando que várias linguagens são válidas. Me lembro de que quando era professora, tive uma criança que se comunicava espontaneamente por meio da conversa com fantoches; assim, levei o brinquedo para a roda. Em outra situação, uma participante do grupo disse que não “era boa de escrita”, mas ela adorava fazer bolos e receitas. Bingo! Com trocas de receitas e bolos ela chegou a transformar sua reunião em uma receita com conteúdo pedagógico. Cada um, à sua maneira, traz uma valiosa contribuição: um faz desenhos, outra identifica palavras chaves, outro escreve um texto, uma poesia, ou faz um mapa conceitual organizando os eixos centrais do encontro. Não tem receita. Temos que entrar na proposta do sujeito, ver qual é a linguagem que é forte para ele, reforçando que todas as linguagens são válidas, como dizia Malaguzzi.

Tempo de CrecheO que mais é importante para o coordenador desenvolver em seu grupo de estudo?

Alice – Além dos conteúdos previamente planejados para serem trabalhados, acredito que a convivência e o fortalecimento das relações sociais são eixos essenciais à vida em grupo, da mesma forma que vivemos o nosso dia a dia com as crianças. Tolerância ao depoimento do outro; curiosidade e escuta atenta aos relatos feitos; respeito à diversidade; esperar a vez de se posicionar diante dos demais; responsabilidade na entrega da síntese e no cumprimento de tarefas solicitadas, entre outras atitudes são vitais para a própria aprendizagem e a do grupo como um todo. Acredito que com esta postura, cada membro do grupo, amplia seu repertório de atuação junto a seus grupos de trabalho, não apenas em relação a aspectos culturais, atitudinais e procedimentais, mas também abre seu leque de possibilidades quanto ao uso das múltiplas linguagens expressivas exploradas a cada encontro.

Tempo de CrecheVocê tem mais alguma dica?

Alice Uma parte fundamental do encontro é o lanche. Temos a hora do lanche, começo o encontro ele. São 30 minutos para os participantes conversarem. No final, fazemos o momento de dicas culturais, sobre o que está acontecendo na cidade.

 

Foto Maria Alice ProençaMaria Alice Rezende Proença é doutora em educação pela PUC-SP, mestre em didática pela FEUSP, assessora pedagógica da Escola Primeira, formadora da rede pública e privada, coordenadora do projeto Paz se faz com arte da Aliança pela infância e MAM-SP 

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