Como trabalhar com os campos de experiências e objetivos de aprendizagem?
Durante as atividades, como favorecer experiências num campo específico, se as crianças pensam e agem mobilizando habilidades diversas?
Como se planejar para buscar avanços e desenvolvimentos específicos na turma?
Na postagem anterior*¹, pensamos sobre a aprendizagem das crianças pequenas por meio de experiências. Recorremos aos pedagogos Jorge Larrosa*² e Silvana Augusto*³ para compreender que experiência de aprendizagem é aquilo que deixa marcas. Quando curiosa e encantada, a criança pequena se envolve no desafio e se dedica a ele. Dá para perceber isso claramente no dia a dia:
⇒ no pátio, quando desafiam o corpo a saltar cada vez mais longe;
⇒ ao fazer de uma caixa, um ônibus que perambula pelas ruas imaginárias;
⇒ ao bater uma panela no chão sem parar para ouvir variações e similaridades dos sons;
⇒ ao misturar areia numa massa de farinha;
⇒ ao virar as páginas de um livro procurando as narrativas já conhecidas;
⇒ ao descobrir que 1 é bem pouquinho e 5 é muito mais.
Nesta postagem vamos refletir sobre a atuação provocadora do professor para promover experiências além daquelas espontaneamente vividas pelas crianças. Com isso, favorecer o desenvolvimento das diversas áreas – ou “campos” – de aprendizagem e desenvolvimento.
Que tal recorrer à prática para entender?
Pense numa atividade de desenho com a seguinte proposição: vamos desenhar o rosto do amigo?
O que está por trás desta proposta?
Quais os objetivos almejados pelo professor?
Em quais tipos de experiências o professor pensou ao promover essa oportunidade para a turma?
O objetivo principal é amadurecer o desenho ou trabalhar a identidade?
É evidente que as crianças vão pesquisar os dois campos (no mínimo!) ao participar dessa proposta. Vão olhar para o colega, buscar os traços para representar o rosto, perceber que seu “modelo” tem dois olhos, um nariz, uma boca etc., que o cabelo é parecido com o próprio cabelo (ou não!) e que os olhos tem uma bolinha dentro da outra.
Nessa pesquisa, existem demandas de conhecimentos já adquiridos e a exploração de outras habilidades a serem conquistadas… como em qualquer atividade desafiadora! A questão é que as crianças pensam tudo junto e misturado: vão trabalhar a coordenação motora fina, a coordenação viso-motora, vão se planejar para utilizar os espaços do papel e compor uma representação. Mas também vão pensar sobre a diversidade das pessoas, as diferenças e igualdades entre os colegas, se comparar e perceber como são vistos pelo olhar do outro: corpo, artes e identidade: tudo ao mesmo tempo!
Voltando ao professor: o que ele pode fazer para oportunizar um ou outro campo de experiências e também aprofundar as aprendizagens das crianças para além daquelas conquistadas espontaneamente?
PREPARAR-SE PARA PROVOCAR, PERGUNTAR, DESAFIAR E SUGERIR (com sutileza).
Se a situação prática aqui descrita partiu do planejamento de uma proposta voltada para trabalhar a identidade, sem a atuação preparada, presente e dinâmica do professor, contamos com a sorte para que os materiais, o espaço e a consigna deem conta de garantir as vivências das crianças.
Observações e perguntas podem mobilizar o pensamento das crianças e abrir caminhos para elas que pensem na questão focal da proposta:
⇒ Veja, fulano, seu cabelo se parece com o cabelo do colega! Os dois são bem grandes!
⇒ Mas e a cor? Você sabe me dizer qual a cor do seu cabelo? E a cor do cabelo dele?
⇒ Vamos olhar os dois desenhos (de duas crianças que se desenham, por exemplo), eles são parecidos? Como?
⇒ Quem achou que se parece com o amigo? Por quê?
⇒ Tem desenho de amigo alegre? Tem amigo triste? Por que será que ele está rindo no seu desenho?
⇒ Quem acha que é parecido com o pai/a mãe?
E assim por diante.
O professor pode planejar uma infinidade de questões e sugestões para que, na hora da ação, esteja preparado para provocar nas crianças as pesquisas sobre identidade.
Da mesma maneira, se a proposta tiver partido do desejo de oportunizar avanços no desenho da figura humana, outras perguntas e provocações devem ser lançadas:
Qual a forma da cabeça do seu colega? É uma bola/círculo? E a sua? Tem mais bolinhas nesse desenho? Olha que legal! Você percebeu que o cabelo da sua colega é bem comprido e usou traços longos para desenha-lo. A cabeça do seu desenho ocupou toda a folha. Quer tentar fazer um novo desenho para desenhar todo o corpo do seu colega?…
Desse modo, o professor desperta nas crianças o pensamento e o desejo de agir sobre o ato de desenhar ou o desejo de pensar sobre si próprio e no outro a partir dos desenhos: foco no desenho ou na identidade… ou nos dois campos, dependendo do objetivo do professor.
Mas… e o imprevisível? E as situações que fogem ao controle porque são tão interessantes que valem a pena ser valorizadas?
E devem mesmo! Planejamos situações em torno de questões específicas mas surgem oportunidades únicas e incríveis para desafiar os pequenos e trabalhar outras aprendizagens.
Não importa, porque ao preparar suas INTERVENÇÕES (provocações, perguntas, sugestões etc.), o professor também prepara a sua conduta na proposta: a ação de acompanhar e tentar compreender o que acontece com as crianças para poder INTERVIR. É a busca de pistas e momentos adequados para colocar uma pergunta, fazer uma sugestão, mover um objeto, apresentar um modelo (sutilmente) e inspirar novos pensamentos. É essa atuação que aprofunda os saberes e leva as crianças para além daquilo que pode ser aprendido espontaneamente.
Desse modo, os campos de experiências e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento apontados pela BNCC*4 são DO PROFESSOR! Foram elaborados para que possamos organizar as vivências das crianças e oportunizar experiências de aprendizagem nas diversas áreas de conhecimento. E como fazemos isso? Refletindo sobre as trajetórias dos grupos, planejando propostas com materiais e espaços desafiadores e com uma atuação marcada pela observação e pela provocação… pela INTERVENÇÃO.
Então, para que as crianças aprendam tudo o que podem, basta planejar, separar os materiais, organizar um espaço propositor e cuidar da segurança delas? Na nossa visão, não!
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PARA SABER MAIS…
*1 – POSTAGEM ANTERIOR: Experiências e campos: o que a Base Nacional quer dizer com isso? – PARTE 1
*2 – Jorge Larrosa Bondia. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro , n. 19, p. 20-28, Apr. 2002 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141324782002000100003&lng=en&nrm=iso>. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003.
*3 – Silvana de Oliveira Augusto. A experiência de aprender na Educação Infantil. Novas diretrizes para a Educação Infantil. Salto para o Futuro, Ano XXIII, Boletim 9, p. 19-28, jun. 2013 Disponível em <https://cdnbi.tvescola.org.br/resources/ VMSResources/contents/document/publicationsSeries/09183509_NovasDiretrizesEducacaoInfantil.pdf>.
*4 – Base Nacional Comum Curricular – dezembro 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf
Leia mais sobre intenção pedagógica e intervenção nas postagens:
O que dizer sobre a intenção pedagógica?
Rotinas não tão rotineiras
Obrigada por compartilhar! Larrosa é uma das minhas grandes inspirações