Como trabalhar as manifestações culturais brasileiras com os pequenos?

Como trabalhar as manifestações culturais brasileiras com os pequenos?

Numa conversa com a professora Deise Miranda Barbosa descobrimos alguns personagens dos folguedos que se aproximam das crianças da creche e compreendemos que as manifestações culturais brasileiras enriquecem os enredos das brincadeiras, valorizam a cultura e perpetuam as tradições.

Tempo de Creche – Conte um pouco como você descobriu a relação da Cultura popular com a infância?

Deise – Eu era professora de uma turma de Educação Infantil e também fazia parte do Pé no Terreiro, um grupo de danças brasileiras, que estava estudando o Cacuriá, uma dança maranhense.  Foi quando eu comecei a observar que estas danças eram brincadeiras. Levei a dança para a sala como um momento de brincadeira.

Observando as crianças brincarem, percebi que a dança funcionava, tornando-se um brincar com o corpo, com a cultura popular, num diálogo com as danças contemporâneas.

Bumba meu boiA proposta tinha os mesmos resultados com o Bumba meu boi e com o Maracatu, porque essas manifestações têm um lugar no faz de conta, universo próximo ao da criança, com suas roupas específicas, fantasias, personagens, falas de bichos, roda…, vários elementos das brincadeiras tradicionais das crianças.

Esses folguedos se aproximam do brincar da criança  porque inspiram a transformação em personagens. Quando um brincante do Cacuriá está brincando com a música do caranguejinho, e faz o gesto de tirar o caranguejo do pé do colega, ele está de fato tirando o caranguejo na imaginação, apesar de não ter nenhum caranguejo real ali.

Nesta faixa etária a criança acredita mesmo na imaginação. Muitas vezes ela nem separa o que é imaginação do que é real, como os brincantes da cultura popular, crianças, adultos, idosos, que, enquanto brincam, vestem o personagem. É esta crença no personagem que aproxima os dois universos.

Tempo de Creche – No que você embasa o seu trabalho com a cultura popular?

Deise – Em três frentes: cultura popular, dança contemporânea e suas improvisações e brincadeiras tradicionais da infância. Estes três lugares dialogam com o universo da brincadeira. Percebi que a criança que está brincando, está dançando.

Proponho um espaço para que a criança crie novas relações com o próprio corpo e crie novos movimentos. A criança, assim, se relaciona com a cultura popular e com as danças contemporâneas, ao mesmo tempo que brinca e se identifica com este universo apresentado de forma gostosa e divertida.

Tempo de Creche – Quais personagens dos folguedos você apresenta para as crianças de 0 a 3 anos?

Jacaré PoiôA Bernuncia, o Bumba meu boi e o Jacaré boiô, porque são todos personagens bichos e a faixa etária de 0 a 3 anos tem um encanto por animais, que logo são incorporados no faz de conta favorecendo o desejo de se transformar nos personagens. É um repertório que tem um diálogo muito próximo com a infância. É um lugar em que a imaginação é muito forte.

Tempo de Creche – Como você constrói significados a partir desses contextos?

Deise – Eu escolho conteúdos que dialogam com a faixa etária.
Com os bem pequenos elejo o que favorece o faz de conta. Os bichos encantam, geram medo, mas logo são imitados. Para os maiores, eu trago desafios como o deslocamento espacial, como filas, troca de lugares, rodas, caracóis, serpentear, e o uso de materiais, que podem compor as brincadeiras, como peneiras, chapéus, fitas, tecidos…

Outro ponto é olhar para o universo que a manifestação traz no seu bojo: onde os personagens do Bumba meu boi podem morar? O que eles comem? Por onde eles andam? A ideia é provocar as crianças corporalmente. Por exemplo, para chegar à casa da Catirina (personagem do Bumba meu boi) tem um caminho em que podemos inventar uma ponte para as crianças brincarem de se equilibrar; inventar galhos altos e baixos provoca ter que mudar a forma de se deslocar.

Onça PintadaTempo de Creche – Como você aproxima os personagens das crianças?

Deise – Pela literatura. Primeiro eu conto a história. Depois as crianças brincam de se transformar nos personagens com muita improvisação e dança. Todos querem ser a Catirina, o Pai Francisco, o boi… todo mundo experimenta um pouquinho de tudo, com liberdade para chegar até a criação.

Tempo de Creche – Por que levar esses enredos da cultura popular para crianças pequenas?

Deise – Por três razões:

  • Para trabalhar a identidade cultural brasileira. É papel da escola tornar acessível este repertório cultural, ao qual, muitas vezes, as crianças não têm acesso.
  • Como possibilidade de abordar a questão racial. Muitas das danças, folguedos e ritmos são de origens afro-brasileiras e indígenas.
  • Para aproximar as crianças da diversidade de manifestações regionais. Por exemplo, as crianças das regiões  sul e sudeste também precisam conhecer a cultura nordestina. Outra questão é contemplar as culturas das diferentes famílias e suas origens, com isso se trabalha também a autoestima das crianças.

Para saber mais

Deise MDeise Miranda Barbosairanda Barbosa é pedagoga, professora de educação corporal no litoral paulista e foi professora da educação infantil da Escola Vera Cruz.

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3 comments

Eu gostaria de fazer um curso que me ajudasse a abordar a questão racial, danças, folguedos e ritmos de origens afro-brasileiras e indígenas, que me ajudassem a planejar atividades que contemplem as culturas das diferentes famílias e suas origens. Pois infelizmente em nossa formação não tivemos isso, sendo assim, o trabalho desenvolvido eu considero pobre, eu gostaria de enriquecer essas atividades.

Olá, Maria Rosângela. Obrigada pelo retorno. Parabéns pela sua vontade de saber mais e procurar as informações que faltam para realizar o seu trabalho. Você não nos informou sua cidade, então, a resposta será “mais genérica”. Existem algumas entidades que trabalham com o conteúdo que você procura. Há informações a esse respeito na Internet. Um exemplo em São Paulo é o Instituto Brincante. Você conhece? Possuem uma página no face: https://pt-br.facebook.com/institutobrincante/. Abraço.

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