A criança é um ser brincante em desenvolvimento. Um para-raios de sensações e emoções. Ao brincar, fica atenta a tudo o que os seus sentidos captam. E tudo entra na brincadeira! Com os sons, não é diferente.
Isso acontece desde muito cedo. Além dos sons que surgem ao explorar o espaço e os objetos ao redor, o bebê pesquisa a própria voz e a grande quantidade de sons vocais que consegue emitir.
A nossa relação com o universo sonoro começa antes do nascimento. Quando moradores do útero materno, escutamos os sons que vêm do ambiente e do corpo da mãe: a batida do coração, o som do sangue que corre nas veias, da digestão, da respiração e todos os demais sons provocados pelo funcionamento do corpo.
Para a musicista Teca Alencar de Brito, os sons que nos cercam são expressões da vida, do movimento, e indicam situações, ambientes, paisagens sonoras, que representam o meio e a presença do homem. Som é tudo o que soa e que os ouvidos percebem. Música é, segundo Hans-Joachim Koellreutter, uma linguagem, já que é formada por um sistema de signos. É uma linguagem artística que organiza intencional e criativamente os signos sonoros. Como nas experiências artísticas realizadas com as artes visuais, a arte da música também deve ser experimentada e pesquisada pelas crianças.
Sabemos como o som e a música ajudam no desenvolvimento do bebê?
Embalar o bebê ao som de uma música contribui para o desenvolvimento do cérebro?
Você já pensou o que os sons representam para o bebê e para as crianças pequenas?
Christina Zhao, pesquisadora do Instituto de Aprendizagem e Ciências do Cérebro (I-LABS) da Universidade de Washington, relata que bebês de 9 meses que passam por uma sequência de brincadeiras com música, melhoraram o processamento cerebral, o desenvolvimento na musicalização e na expressão de novos sons. Os bebês têm muita facilidade para perceber e, assim, poder usar um padrão rítmico na expressão oral (a cadência da emissão vocal, a entonação, o aspecto “musical” da fala de cada língua). O que isto significa?
Para Zhao, o bebê que passa por experiências musicais desde os primeiros meses, pode melhorar suas habilidades cognitivas. Como a linguagem oral, a música é marcada por padrões rítmicos. O bebê e a criança, ao reconhecerem as variações rítmicas da música, aprendem a reconhecer as variações rítmicas da fala e podem compreender melhor o significado do que é dito. Parte do entendimento do que ouvimos vem da “tradução” do significado das palavras e do ritmo e entonação das frases. Assim, esse tipo de experiência ajuda os bebês no aprendizado da fala.
As crianças começam o processo de musicalização de forma espontânea e intuitiva, a partir do contato com os inúmeros sons do cotidiano. Teca enfatiza que músicas como catingas de ninar, canções de roda, parlendas, entre outras, têm grande importância. É por meio das interações com a seleção musical e com os adultos que participam desses momentos, que os bebês desenvolvem um repertório que lhes permitirá comunicar-se pelos sons. Para a autora, os momentos de troca e comunicação sonoro-musical favorecem o desenvolvimento afetivo e cognitivo, bem como a criação de vínculos fortes tanto com os adultos quanto com a música.
Teca ainda ressalta que precisamos lembrar que as crianças são seres musicais, sensíveis e receptivos, e a música amplia a capacidade de criação e integra o corpo e a mente. Este somatório é fundamental para desenvolver um ser humano mais completo.
Você já pensou na voz como o primeiro instrumento musical do bebê?
Ele explora e brinca com a própria voz espontaneamente. Encantado e à sua maneira, ele imita os sons que ouve: ruídos, sons de vogais e consoantes, vozes de animais, melodias, e é capaz de entoar movimentos sonoros. Também imita os gestos sonoros (palmas, bater pé etc.) e inventa suas linhas melódicas e ruídos, brincando e exercitando as sensações e a mobilidade.
Conforme a criança cresce, sons e música continuam representando um eixo do desenvolvimento, que integra gesto, som e movimento.
Como podemos brincar com os sons da voz e do corpo?
Que tal contar uma história ou um conto de fadas sonorizado?
A risada da bruxa, o rugido do leão, o pi-pi-pi dos passarinhos, um trovão assustador! As crianças podem usar a voz e os sons tirados do corpo para sonorizar os enredos. Livros com imagens são especialmente adequados para essa brincadeira. Ao criar formas de representar sonoramente personagens e acontecimentos, as imagens do livro passam a ser uma partitura que guiará a contação sonorizada. Cada variação da voz e do gesto promove diferentes resultados.
Já percebeu que as palmas podem ter sons diferentes?
Como é o som das palmas feitas com a mão aberta?
E com a mão em formato de concha?
E se batermos as mãos nas diferentes partes do corpo?
O nosso corpo fala e toca música! Como toda proposta, uma atividade com música e sons precisa ser planejada, com organização de espaço, tempo e materiais. O ambiente deve ser propício para provocar as crianças, despertando curiosidade e interesse. Nesse sentido, a cultura fala alto. Um repertório afinado com os costumes, a cultura local e as famílias, tem o poder de acessar memórias reconhecíveis e predispor as crianças para entrar num universo sonoro significativo.
Patricia Kuhl, outra pesquisadora do I-LABS da Universidade de Washington, destaca que a experiência musical tem o potencial de aumentar competências cognitivas mais amplas. Nesse aspecto, promove o melhor desenvolvimento das habilidades das crianças para perceber, prever e reagir mais rapidamente a padrões, o que é altamente relevante no complexo mundo de hoje. Nós adultos somos modelo e também promotores de experiências significativas contextualizadas. É uma questão de intenção, brincadeira, apreciação, movimento, criação e expressão. É ouvir e fazer cultura.
Leia mais sobre a musicalização na Educação Infantil em:
Musicalização no dia a dia de bebês e criança
Brincadeiras com os sons: musicalização para os pequenos
Vamos brincar e conhecer a música indígena?
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Christina Zhao e Dra. Patricia Kuhl são pesquisadoras da Universidade de Washington, Estados Unidos. Elas estudam como o cérebro processa sons complexos como a fala e a música, e como as experiências influenciam os processos nervosos.
Teca (Maria Teresa) Alencar de Brito é doutora e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, bacharel em piano e licenciada em Educação Artística (habilitação em Música). Professora no Departamento de Música da ECA-USP desde 2008, criou, há 30 anos, a Teca Oficina de Música, núcleo de educação musical em São Paulo, voltado à formação de crianças, jovens e adultos. É Vice-Presidente do FLADEM – Fórum Latinoamericano de Educação Musical.
Nossa que demais esse Blog.AMEIIIIII