Quando pensamos na importância da pesquisa e na alegria pela descoberta como o motor da aprendizagem, esquecemos que precisamos alimentar uma característica primitiva e essencial, que é anterior a esse processo: a curiosidade.
Como identificá-la?
Perseguindo os olhares questionadores e as perguntas das crianças. Também colocando as perguntas certas na hora certa. Estas são as pistas do professor.
Dia desses saí muito angustiada de uma aula com a Madalena Freire! E coloquei para ela a minha aflição: Madalena, entro aqui com 1000 perguntas e saio com 2000! Quando vamos resolver tudo isso? Madalena prontamente respondeu: nunca! Enquanto você estiver aprendendo suas dúvidas não pararão de crescer. Enquanto eu estiver lhe ensinando, você terá mais e mais perguntas para me fazer. É isso que um professor deve querer. Isso dói e traz angústia, mas é o movimento natural da aprendizagem.
Saí da aula com desconforto. Madalena me puxou a cadeira várias vezes num período de 2 horas. Isso me fez ajustar o corpo e a mente para buscar novas descobertas e questionamentos. Cansa! Mas enriquece.
Dormindo sobre os novos conhecimentos – recomendação da Madalena – logo surgiram conexões.
Lembrei-me dos estudos da psicóloga americana e especialista em Educação, Susan Engel. O objeto de sua pesquisa é a curiosidade e o quanto ela é representativa no contexto da aprendizagem.
Crianças nascem curiosas e essa é a principal arma que possuem para conhecer o mundo. Nada escapa ao campo de visão e audição dos bebês, que agarram o que podem, levam objetos à boca, sacodem, viram e atiram para testar e tudo o que têm acesso. Também são incansáveis investigadores das reações das pessoas à sua volta e das formas de se comunicar e de compreender as situações.
Aos 18 meses tudo fica mais complexo. Melhora a habilidade com a linguagem, o foco e começa o interesse por montar e desmontar. Nesta fase, quando expostas a novidades, são atraídas como um imã para descobrir como as coisas funcionam.
E assim… surgem as perguntas! A nova, grande e poderosa arma de fazer descobertas. Além das sensações do próprio corpo, os pequenos podem aprender com as centenas de perguntas que formulam ao longo do dia. O quê, por quê e pra quê são repetidos incessantemente. Aprendem a administrar a espera pelas respostas e a insistência quando não as obtém. Neste percurso, o espírito investigativo e interessado da criança conta com o próprio corpo e com os adultos que a rodeiam.
Segundo as pesquisas da Susan, crianças pequenas fazem entre 25 e 50 perguntas por hora em casa. Incrível! Acredito que cientistas não consigam formular esse volume de questionamentos. Porém, suas pesquisas também demonstraram que quando os pequenos chegam à [pré] escola esse volume cai para menos de 2 perguntas por hora. O que acontece na escola que não mantém o ritmo de perguntas e aprendizagens que os pequenos desenvolvem geralmente no convívio com famílias? O que deixamos escapar? O que deixamos de reforçar?
Para o psiquiatra e autoridade internacional em desenvolvimento intelectual de crianças em crise, Dr. Bruce D. Perry, uma das características humanas de quem faz descobertas é querer compartilhá-las. Para o médico, dar atenção e valorizar as conquistas e surpresas dos pequenos é um dos combustíveis que alimenta as perguntas e as aprendizagens.
Talvez na escola os adultos acabem por limitar a curiosidade entusiasmada das crianças por…
… medo
Quando as crianças não se sentem seguras, elas costumam fugir de novidades. Nas busca por segurança, os pequenos evitam o inusitado e a curiosidade desaparece.
… reprovação
Não mexa aí. Não suba na planta. Não grite. Não desmonte isso. Não se suje. Não! Não! Não! As crianças sentem e respondem aos nossos medos, preconceitos e atitudes. Se demonstramos nojo pela minhoca capturada por elas, reprovação pelos sapatos sujos de terra ou pelas inspirações “fora de hora”, sinalizamos que desaprovamos suas investigações e criações.
… indiferença
A presença atenciosa e dedicada do adulto sinaliza, aos pequenos, sensação de segurança para perguntar, inventar e compartilhar os feitos e descobertas. Do contrário, sem atenção genuína, vamos apagando a chama da curiosidade.
… falta de perguntas
Será que fazemos os pequenos pensar ou nos antecipamos em resolver por eles? Fomentar as colocações das crianças com perguntas adequadas e desafiadoras, e convidá-los para resolver problemas em conjunto, precisa fazer parte do repertório dos professores. Para Madalena, é preciso dominar os três elementos da ação de ensinar: intervenção, encaminhamento e devolução.
Na intervenção o professor questiona, provoca, faz o aluno pensar e problematizar
O encaminhamento é atividade ou tarefa planejada para que as crianças experimentem os conteúdos desenvolvidos. É também encaminhamento a ação do professor de organização do espaço e material necessário para a atividade.
A devolução é o momento em que o educador organiza o que foi aprendido. No caso das crianças pequenas, pode ser um momento de conversa na roda ou até elaborar uma documentação pedagógica com os momentos mais significativos e sinalizadores das aprendizagens do grupo. Assim, o professor problematiza, levanta as colocações do grupo e organiza as ideias que ainda estão desorganizadas. Essa arrumação é a devolução.
Cada vez mais a curiosidade e a pesquisa das crianças têm sido foco de estudo em países como Canadá, Estados Unidos, Suécia, Inglaterra, Nova Zelândia e Austrália, entre outros. Lidar com a curiosidade natural dos pequenos para promover perguntas, investigações e aprendizagens cada vez mais complexas e significativas, já é parte do currículo da Educação Infantil desses países.
Assim, esse assunto não se esgota por aqui. É apenas o começo!
PARA SABER MAIS…
→ Para conhecer mais sobre Madalena Freire e os três elementos do ensinar leia o livro Educador educa a dor.
→ Susan Engel é professora sênior no departamento de psicologia e diretora do programa de formação de professores no Williams College. Também é co-fundadora de uma escola experimental nos Estados Unidos.
→ Dr. Bruce D. Perry é um psiquiatra americanos, doutor em desenvolvimento neurológico de crianças traumatizadas em diversos centros, como Chicago, Estados Unidos, Alberta, Canadá e Melbourne, Austrália.
→ Leia mais sobre o planejamento de propostas desafiadoras que respeitem as investigações e interesses das crianças nas postagens:
- O que dizer sobre a intenção pedagógica?
- O que planejar… alguma sugestão?
- Organização de propostas: garantia de brincadeira e aprendizado
- O ritmo das crianças e a ansiedade do professor
- Palavra de… Denise Nalini: cantos de atividades e as tomadas de decisão das crianças
- Planejar é preciso, como chegar ao planejamento que atenda os desejos das crianças?
Gostei muito do texto, porém precisaria das referencias dos dados colocados, e também das ideias. Quais livros foram utilizados etc..
Olá Cléia. Obrigada pelo retorno. Ficamos na dúvida… você leu a postagem inteira? É nossa preocupação apresentar, sempre, as referências… Nesta postagem citamos Madalena Freire, Susan Engel e Dr. Bruce D. Perry. Abraço