Quando falamos em trabalhar e desenvolver as relações humanas na Educação Infantil, logo pensamos nas rodas de conversa e seus momentos de fala e escuta, e nas situações de compartilhamento de materiais. Mas esquecemos que se relacionar é um aprendizado complexo que acontece em todos os momentos da vida escolar.
Na prática, é nos conflitos e disputas por materiais, por espaços e pela atenção dos pais e educadores que as crianças desenvolvem estratégias para serem ouvidas e terem suas vontades atendidas.
Assim, ouvir as crianças e mediar os conflitos são matérias primas para promover as aprendizagens relacionadas às interações entre as pessoas. É preciso tirar proveito dessas situações quando elas acontecem.
Quando pequenos, as habilidades de reconhecer o outro e comunicar os desejos são disparadoras de divergências: até onde vai o meu corpo? O que é meu e o que vai além dos meus limites? Quais reações esperar para as minhas ações? Estas questões são aprendidas vão sendo esclarecidas até os 18 ou 24 meses, quando a comunicação está em expansão. Como as crianças compreendem mais palavras do que falam, usam todo o corpo para expressar desejos e sentimentos e fazer prevalecer suas opiniões. Ocorre que esta comunicação nem sempre é efetiva e traz frustrações porque crianças pequenas são determinadas, sabem o que querem e se esforçam para conseguir.
O que podemos fazer para contribuir com esse intenso desenvolvimento?
Reunimos algumas dicas importantes:
1 – Por que é difícil compartilhar objetos e a atenção das pessoas?
Na primeira infância as crianças ainda estão tentando compreender e se colocar no lugar do outro. Se não leio e compreendo o que os meus colegas sentem, então são os meus sentimentos e desejos que têm importância! E é por isso que é difícil compartilhar.
Outro “complicômentro” é o fato de que crianças muito pequenas agem por impulso e não conseguem freá-los, mesmo sendo corrigidas centenas de vezes. Assim, é somente a partir dos 30 ou 36 meses que as crianças começam a compartilhar… começam!
2 – Ao tirar e guardar objetos, provoque um revezamento de ações. Primeiro você coloca um objeto no lugar e depois convida as crianças para colocar os outros. Vai procedendo dessa forma até finalizar a tarefa. Outro exemplo de brincadeira para ensinar o grupo a se alterar e esperar a vez pode acontecer quando as crianças já souberem virar as páginas do livro. Faça a mesma brincadeira, sugerindo que cada uma vire a página na sua vez. Esse tipo de brincadeira começa a construir experiências positivas e amorosas em relação a esperar a vez e alternar ações com os outros. Assim, é trabalhada uma atitude que pode ser acessada em outras situações.
3 – Com crianças menores do que 3 anos, atividades com poucos materiais podem gerar conflitos, como em jogos com uma bola. Quanto menores as crianças, mais materiais são necessários. Contudo, atividades com poucos materiais podem ser planejadas quando o professor intencionalmente quiser trabalhar os conflitos, a negociação e o compartilhar.
4 – Aos poucos, as habilidades de alternar e esperar a vez vão sendo construídas. Porém, quando começar a propor jogos e brincadeiras com esse tipo de organização, é importante que a “espera pela vez” não seja muito longa. Numa de nossas formações em serviço, fizemos uma prática em sala com a professora de turma de 3 anos. A brincadeira consistia em imitar os animais escolhidos de um baralho criado por ela a partir do interesse da turma. A primeira proposta foi pedir para que as crianças, uma a uma, escolhessem a carta com o desenho de um bicho e imitassem os movimentos, a postura e os sons para as outras crianças descobrirem. Quem descobrisse primeiro, seria o próximo a imitar. Não deu certo! Nessa faixa etária as crianças ainda não sabem refrear o ímpeto de participar das atividades. Então, junto com a professora, refletimos e adaptamos as regras da brincadeira: a criança que escolhia a carta, imitava o animal, a turma descobria e todos os participantes imitavam também! Assim, para brincar não era preciso esperar muito tempo.
5 – Valorize e reforce as situações em que os pequenos se relacionam e compartilham: gosto muito de ver você emprestar a boneca para a sua amiga! Estou muito contente de ver que cada um segura o brinquedo um pouquinho e passa para o amigo! Muito gostoso ver vocês jogarem esse jogo! E também identifique e esclareça que estão fazendo um esforço para que tudo isso aconteça e você compreende essa dificuldade: estou percebendo que vocês estão se esforçando para que a brincadeira aconteça dessa forma tranquila e interessante. Todos estão participando e se empenhando em compartilhar/trocar/dividir/emprestar/ passar o objeto!
6 – Nas disputas por objetos, ofereça alternativas. Quem sabe uma das partes se interesse mais por aquilo que você está oferecendo?
7 – Propostas com areia, água, materiais plásticos e de largo alcance (não estruturados) acalmam porque desafiam. É mais fácil providenciar quantidade e variedade suficiente para atender às necessidades das crianças. Estes elementos e materiais estimulam a criação de brincadeiras que podem envolver situações de trocas espontâneas.
8 – Crianças gostam de revezar quando o revezamento é divertido. Pode-se preparar um “circuito” com variedade de cantos com propostas diferentes, simples e rápidas. A brincadeira pode ser de propor um período para explorar os cantos: contar 5 a 8 minutos e tocar um sinal para trocar de brincadeira. Na verdade, em geral, eles se divertem mais com o sinal e a agitação da troca do que com os materiais propriamente ditos 😉
9 – À medida que vão amadurecendo, deixe que as crianças sugiram formas para resolver seus conflitos. Numa disputa, você pode dizer: estou vendo que vocês dois querem o balanço. Como podemos resolver isso? Geralmente as crianças maiores sabem como solucionar e se policiam para cumprir os combinados.
10 – O planejamento da estrutura dos espaços também merece destaque. A relação número de crianças X espaço de movimentação pode provocar conflitos. Muitas crianças colocadas em ambientes apertados, sem opções de brincadeiras e espaço para movimentos amplos (característicos dessa fase da vida), provoca tensão e disputa. Por isso é importante ter garantido desafios, objetos provocadores e espaço para ação e expressão de todo o corpo.
Desenvolver a empatia, se colocar no lugar do outro, expressar sentimentos e desejos e praticar estratégias para negociar são lições aprendidas por toda a vida. Educar para desenvolver as relações é importante e precisa de calma para analisar a situação, perceber se ela se resolve sem interferência e, se necessário intervir considerando todas as partes. É negociar com as crianças, ensinando-as a negociar.
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Publicamos diversas postagens que aprofundam vários pontos levantados nesse texto:
Birra ou o aprendizado de lidar com a expressão das emoções?
Falta de uso do corpo e os problemas de ansiedade
Como dizer NÃO para crianças pequenas?
MUITO PRÁTICO ADOREI A FORMA QUE APRESENTARAM O TEMA