Uma imagem vale mil perguntas!
Disse, no 18o Seminário de Educação Infantil, André Carrieri, consultor de Educação e Comunicação.
Essa frase inspirou a preparação de material para reunião de reflexão com professores em formação.
Para elaborar o material utilizamos as fotografias das propostas de atividades desenvolvidas em sala, com professores e suas turmas, na etapa das práticas da formação em serviço.
REolhamos, selecionamos, recortamos e remontamos as fotos e vídeos para despertar nos professores olhares amplos, investigativos e curiosos sobre o que aconteceu naqueles momentos.
Esse processo de reflexão sobre o registro e avaliação do que aconteceu, fez brotar muitas constatações inéditas e … um sem número de perguntas!
Quando nos deparamos com perguntas sabemos que ainda existe muito por vir! Perguntas ampliam nossos conteúdos e simples palavras delimitam.
Vea Vecchi, atelierista de Reggio Emilia, acredita que toda a documentação – as descrições escritas, as transcrições das palavras das crianças, as fotografias e vídeos – torna-se uma fonte indispensável de materiais que usamos todos os dias, para sermos capazes de “ler” e refletir, tanto individual quanto coletivamente, sobre a experiência que estamos vivendo, sobre o projeto que estamos explorando. É a partir dessa leitura e reflexão frequente que nos tornamos capazes de construir teorias e hipóteses que nascem de fato do que aconteceu significativamente para as crianças.
Vea Vecchi ainda valoriza todas essas ferramentas pois tornam o registro possível. A compreensão e o debate sobre esse material será a matéria prima da documentação da nossa experiência e do trabalho pedagógico com as crianças.
Sabendo que 80% da nossa percepção é visual, os registros em imagem são os que provocam maior impacto, sensibilizando e emocionando. As imagens produzidas durante as propostas já partem de um primeiro olhar do professor, que identifica as cenas a serem fotografadas. Mas, somente mais tarde, com a dimensão do acontecimento ocorrido, é que REVER o material poderá despertar o reconhecimento de fatos e situações que escaparam ao “olhar ocupado e preocupado” durante as atividades.
Mas as fotos e vídeos servem somente ao processo de Registro/Avaliação/Planejamento do professor?
Fotografia, como linguagem, é comunicação e expressão. Hoje, num mundo que está cada vez mais imagético, crianças muito jovens estão aperfeiçoando suas capacidades de leitura de imagens. Por que não aproveitar essa habilidade com elas? Uma seleção específica dos registros fotográficos pode trazer para os pequenos as memórias do que já foi vivido e experimentado.
Ainda falando de sensação e emoção, as fotos tem a qualidade de contar histórias, assim, podem ser narrativas das crianças para as famílias. A organização desse material, sempre atualizado, é uma ótima forma de compartilhar com as famílias o que acontece no dia a dia da creche, enriquecendo o vínculo e a parceria.
Que tal vestir os óculos da super visão e investigar a documentação de algumas práticas?
Cena Pedagógica 1: Vivência Musical – objetos sonoros – faixa etária: 18 meses
A imagem mostra o momento em que os materiais (objetos sonoros) foram apresentados para as crianças em uma grande caixa. Os pequenos escolheram os objetos conforme o interesse e começaram a ocupar o espaço da sala.
Surpresa com a “surpresa”, uma das pequenas, que não se expressava muito bem oralmente, exclamou com todas as letras: que bonitinho!
Um material chamou particularmente a atenção de um grupo: a “bateria”. Um menino pesquisou e experimentou as possibilidades sonoras da bateria por um longo período. Ele praticou a batucada e percebeu as diferenças sonoras dos materiais. Ao final, ele partiu para batucar sobre materiais que estavam ao alcance, mas que não estavam no nosso planejamento! E descobriu a tampa da caixa! Batucou de um lado, atraiu atenções e, finalmente, virou a tampa e pesquisou o batucar do outro lado. Uma grande participação num processo de pesquisa e exploração que até pode, talvez, nem ter ficado explicito para os educadores durante a atividade!
Outra criança aproveitou os momentos para aprofundar a sua pesquisa. Conheceu as castanholas, tirou sons e pesquisou o material em relação ao seu corpo. Em outro momento, pegou uma baqueta e uma colher de medida que integrava a proposta. Percebeu que ela cabia certinho na ponta da baqueta. Não satisfeito, aprofundou a pesquisa e aprendeu como fazer a colher rodar encaixada na baqueta! Ele sorria de satisfação e contentamento!
Cena Pedagógica 2: Corpo e Movimento – equilíbrio e descoberta – faixa etária: 36 meses
A imagem mostra uma atividade realizada na quadra da creche, com materiais feitos a partir do reaproveitamento de cilindros de papelão, transformados e decorados.
O primeiro fato que despertou a atenção ao organizar os registros foram os flagrantes de inúmeras situações em que as crianças se relacionavam durante as brincadeiras. Elas brincavam umas COM as outras e não LADO A LADO! Isso marca uma importante etapa no desenvolvimento infantil.
Equilibrar e controlar o corpo se transformou num desafio divertido. Testar a habilidade de se equilibrar de jeitos diferentes constituiu muitas brincadeiras.
Um grupo propôs uma pesquisa diferente daquela planejada: coleta de terra, pedras e vegetais secos. Pelas fotos, percebemos que esse movimento começou cedo para alguns e foi juntando adeptos. Duas meninas descobriram uma sacolinha e uma caixa e sofisticaram a ação. Outra pegou uma cadeirinha para colocar e olhar melhor os materiais coletados.
Cena Pedagógica 3: Faz de conta – construindo a brincadeira de casinha – faixa etária: 24 meses
Nesta etapa da infância as crianças começam a construir o pensamento simbólico com as brincadeiras de faz de conta. A imagem revela um momento da proposta de compor a brincadeira de casinha com objetos de uso diário, pedagogicamente selecionados.
A atividade teve início com o primeiro contato das crianças com os materiais, que foram distribuídos em três cantos da sala e cobertos com tecidos. Depois de descobrir os objetos, começaram a abrir, desencaixar e espalhar.
Um pouco de arroz, colocado em bacias, foi introduzido. Os movimentos mais finos começaram a ser experimentados com as colheres, pinças e conchas que estavam espalhadas. Desafiar-se era a grande brincadeira! Poucas crianças derrubaram deliberadamente o arroz no chão forrado. A grande maioria esvaziou as bacias, cumbucas e pratos transferindo o arroz com colheres, de um recipiente para o outro. Algumas plantas e folhas também estavam disponibilizadas em uma das bacias. Uma menina pesquisou formas de pegar e segurar as folhas com uma pinça de macarrão.
Uma sugestão de usar o funil, demonstrada pelo professor, atraiu algumas crianças que exercitaram essa forma de transferência e se deslumbraram com a chuvinha de arroz.
A atividade foi intensa e a quantidade e variedade de materiais ofertados ampliou as experiências e a agitação do ambiente. Mas cada criança teve seu ritmo e a contemplação foi, não só permitida, mas respeitada.
Nas fotos pudemos identificar crianças na plenitude do pensamento matemático. Uma “colecionadora” classificava os materiais, juntando e separando por forma e tipo. Outra menina fez seriação enfileirando cumbucas e potes e distribuindo um pouco de arroz em cada. É muito crescimento!
Após uma intensa pesquisa alguns pequenos descobriram que batucando os materiais poderiam produzir diferentes sons. A proposta criada pelo grupo fez alguns seguidores.
Como formadoras, não temos os históricos das crianças porque não estamos presentes no dia a dia para conhece-los mais individual e profundamente. Assim, nosso olhar para o material de registro de imagens, enfocou os acontecimentos individuais e de grupos, sem levar em conta conquistas pessoais e superação de questões emocionais e cognitivas. Mas estamos certas de que o olhar dos professores vai destacar da cena pedagógica os fatores pessoais de cada criança, enriquecendo a análise dos registros.
O fato é que um bom registro de imagens, revisitado e analisado, é um recurso importante e até vital para nortear e qualificar o trabalho pedagógico. Ele esclarece questões e favorece as trocas entre a equipe. Mas, imagens que guardam impressões de momentos preciosos vão além da possibilidade de encaminhar a reflexão dos educadores. Professores podem usá-las com as crianças, que apreciam ver a si próprias e acessar as memórias do que viveram. Podem também apresentar e compartilhar com as famílias o trabalho pedagógico desenvolvido e, assim, conquistar a parceria de quem se sente incluído e interado da vida da criança. Finalmente, as imagens enriquecem e legitimam as prestações de conta.
Destacamos do livro As Cem Linguagens da Criança:
… é um modo de transmitir aos pais, aos colegas e aos visitantes o potencial das crianças, suas capacidades em desenvolvimento e o que ocorre na creche. Naturalmente, também, torna as crianças conscientes da consideração que os adultos têm por seus trabalhos. Finalmente, as exposições ajudam os professores na avaliação dos resultados de suas atividades e contribuem para seu próprio avanço profissional.
O compromisso do educador ao realizar seus registros fotográficos pede dedicação e tempo:
A documentação e o tempo para seu estudo são essenciais para um projeto bem sucedido. É talvez a mais alta prioridade em Reggio Emília, com grande ênfase sendo colocada sobre o tempo para o estudo da documentação. (…)Se realizada adequadamente, a boa documentação pode servir a todos os professores simultaneamente, indo da avaliação individual, ao planejamento do currículo e à prestação de contas da instituição.
Materiais utilizados nas Cenas Pedagógicas:
- André Carrieri é Bacharel em Comunicação Social pela Escola de Comunicação e Artes da USP e Mestre na área de Linguagem e Educação, pela Faculdade de Educação da USP
- Vea Vecchi é atelierista (professor encarregado do ateliê) em Reggio Emilia e seu depoimento foi retirado do livro As Cem Linguagens da Criança – A abordagem de Reggio Emilia na Educação da Primeira Infância, de Carolyn Edwards, Lella Gandini e George Forman. Editora Artmed.
Para aprofundar o tema Registro Pedagógico acesse:
- Gisa Picosque fala sobre a importância de fazer registros e sua arte
- Por quê fazer registro?
- Registro e Documentação Pedagógica: da dor de cabeça ao papo cabeça
- Planejamento Registro e reflexão organizados em duas práticas tabelas
Muita criatividade .
Angela,
Obrigada pelo retorno
Abraços!
Os registros e as anotações e muito importante para nosso dia com as crianças,e bom p guarda grande recordação.
É isso mesmo, Fátima! Mas além da recordação, a importância pedagógica está na possibilidade do professor pensar sobre o que ocorreu, avaliar e planejar o aprofundamento das aprendizagens.
Abraços!
Projeto de investigação, com estações de ensino para registros de imagens. Com produção de portfólio.