Refletir, repensar os mesmos assuntos e enfatizar alguns aspectos para orientar uma prática pedagógica que garanta sempre as vias de mão dupla. Paulo Freire afirmava que quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. O que estamos aprendendo no momento em que estamos ensinando? Estamos ensinando prevendo respostas certas? Ou estamos ensinando de forma aberta, concedendo tempo e liberdade para as crianças expressarem seus modos singulares de se desenvolver?
Nesse sentido, achamos que somos chatas e repetitivas porque estamos retomando os Campos de Experiências e a forma como foram abordados os desenvolvimentos das crianças pequenas na 2a versão da BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
O Tempo de Creche acredita na importância e necessidade de ampliar o repertório dos seus educadores-leitores, respeitando e balizando os conteúdos pelas diretrizes e documentos nacionais do MEC. Mas não podemos valorizar aquilo que parece fugir do razoável! Assim, não concordamos com a forma como os campos de experiências da segunda versão foram estruturados.
Em algumas tabelas, as informações sobre as fases do desenvolvimento sugerem expectativas ou objetivos de aprendizagens relativos aos campos de experiências. Na nossa visão, a maneira como estão descritos e organizados os conteúdos, pode induzir ao julgamento e generalizar o olhar do professor que se desvia das possibilidades individuais das crianças.
Ao analisar massificação/generalização X individualidade/singularidade, o filósofo contemporâneo John Rajchman, estudioso de Nietzsche e Deleuze (nosso mago), afirma que o ser humano tem naturalmente uma vontade ou inclinação para julgar e controlar. Agindo dessa forma, acabamos por reduzir as nossas diferenças.
Se pensarmos que o universo se desenvolve a partir das ideias criativas, educar esperando comportamentos padronizados, pode levar à inibição do único, singular e criativo. Exercitamos então o “controle”.
O filósofo francês Gilles Deleuze destaca a “indignidade de falar pelo outro”. Será que não é isso que fazemos quando temos expectativas padronizadas a respeito do desenvolvimento dos pequenos? Nossas ações não acabam inibindo os jeitos particulares de se desenvolver e crescer? Ensinamos ao mesmo tempo que nos colocamos como aprendentes do jeito único do outro?
Se referências sobre o desenvolvimento infantil podem conduzir nossas ações e a maneira como avaliamos as crianças, a solução é ignorarmos as referências? Como resolver essa situação?
Talvez seja possível colocar essa situação de outra maneira. Que tal fazermos uma escuta aberta para aquilo que as crianças vão nos dizer sobre os marcos do desenvolvimento?
Desse modo, os marcos passam a ser conceitos e não mais etapas ou degraus de uma escada organizada de forma rígida e unificada.
O psicólogo americano Howard Gardner, especialista em neurologia e educação, conhecido pela teoria das inteligência múltiplas, afirma que nem todas as pessoas têm os mesmos interesses e habilidades, nem todas aprendem da mesma maneira. (…) Uma escola centrada no indivíduo seria rica na avaliação das capacidades e tendências individuais. Assim, ao pensar nas referências descritas no documento da Base Nacional Curricular, é interessante perguntar-se:
O que a criança está me “contando” sobre suas aprendizagens?
O que cada pequeno nos revela a respeito do seu desenvolvimento?
Como está conquistando novas habilidades?
Como está aprendendo?
O que os pequenos querem aprofundar?
Em geral, não há “certo e errado” ou “realiza e não realiza”. Há sim o COMO a criança faz, pensa, cria, age e interage. Há jeitos e maneiras individuais e caminhos diversos para se chegar ao amadurecimento singular. Ainda para Gardner, os indivíduos podem diferir nos perfis particulares de inteligência com os quais nascem, e certamente eles diferem nos perfis com os quais acabam.
Movidas por essa questão, fizemos uma nova proposta de pauta do olhar para o desenvolvimento das crianças pequenas, pensada sobre os campos de experiências sugeridos pela BNCC. Esperamos que as tabelas possam inspirar os professores a observar as crianças com abertura para identificar os percursos individuais de desenvolvimento. Transformar educação de todos na educação de um. E vice-versa!
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John Rajchman é um filósofo americano que desenvolve estudos na área da história da arte, arquitetura e filosofia continental.
Howard Gardner é um psicólogo cognitivo e educacional americano, ligado à Universidade de Harvard e conhecido em especial pela sua teoria das inteligências múltiplas.
Gilles Deleuze foi um filósofo francês contemporâneo que escreveu sobre arte, cinema e literatura. Pensou sobre o conhecimento e a criatividade. É considerado por muitos pensadores um dos grandes filósofos contemporâneos.
Paulo Freire foi um educador, pedagogo e filósofo brasileiro. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história da Pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica.
→ Leia mais sobre pauta do olhar, observação e desenvolvimento infantil nas postagens:
Boa tarde, gostaria que me enviassem um modelo de relatório descritivo do primeiro semestre para creche, inf.I,II,III e pré, já com as normas da BNCC em forma de tabela. Que seja mais fácil dos pais compreenderem. Agradeço desde já pela atenção.
Olá, Maria. Não temos modelos como o que você solicita! A partir das postagens é possível elaborar os indicadores que orientarão a elaboração de relatórios para cada faixa etária. Na página inicial do blog há uma lista das postagens separadas por temas. Veja na aba Registro e Documentação Pedagógica outros artigos que podem inspirar o seu estudo, como por exemplo: – Um guia para a jornada do relatório individual -.Abraço
essa também é a minha dúvida não teremos mais áreas do conhecimento? linguagens, iniciação a matemática…etc
Por isso o ideal seria trabalhar com as sequencias didáticas? e as possibilidades de aprendizagens?
agradeço
Olá, Marinilda. A BNCC causa estranhamento e precisa ser estudada para ser compreendida e orientar a ação do/a professor/a. As áreas do conhecimento estão presentes na BNCC com outro olhar para as crianças menores, como territórios (Campos) que abrangem os conhecimentos de forma não compartimentada. Para isso, é importante acompanhar as propostas que estão sendo elaboradas no seu estado e município, como também o estudo realizado na sua instituição escolar. Abraço.
Agradecida, este site tem ajudado muito… gratidão
Obrigada pelo retorno 😉
Olá!!!
na verdade gostaria de saber se os eixos descriminados nos RCNEIs ( linguagem oral e escrita, matemática, natureza e sociedade, etc…) serão deixados de lado, sendo considerado apenas o que esta na BNCC?
Olá, Cris. Obrigada pelo retorno. Sua preocupação é pertinente. Os conteúdos da Educação Infantil deverão ser adequados às novas orientações, quando aprovadas. Mas se analisarmo com maior profundidade qual a mudança de foco que está sendo proposta, a expressão Campos de Experiência indica um modo de ver os conteúdos possíveis e as faixas etárias das crianças de creche e educação infantil. A criança não é compartimentada nem aprende separado só linguagem, só matemática etc., mas as diferentes áreas do conhecimento estão contempladas. Pense nisto. Abraço