Será que eu tenho um tema de projeto em mãos?
Antes de pensar nisso, é preciso refletir sobre o que queremos ao implementar percursos investigativos e projetos com as crianças. Queremos que elas colecionem informações sobre o tema? Queremos que elas vivenciem experiências? Se sim, quais tipos de experiências buscamos oportunizar? Será que o tema em questão se presta às condições para implementar uma cultura de pensamento?
Muito se fala sobre pedagogia de projeto, investigação e curiosidade infantil. Em função disso, os professores se sentem pressionados a encontrar, entre os interesses das crianças, temas que engajem a turma em longas pesquisas.
Só que, ao criar situações para escutar a turma, ou não notam nada de especial, ou percebem que os interesses são inúmeros! Como escolher os caminhos investigativos a seguir? Como escolher um tema que desperte interesses a “longo prazo”? Como trabalhar com investigações e ainda garantir as aprendizagens dos objetivos apontados no currículo?
Segundo a americana NAEYC (Associação Nacional para a Educação das Crianças Pequenas), estudos mostram que quando os adultos ajudam as crianças a identificar seus processos de pensamento, elas ficam mais conscientes, reflexivas, propensas a exercitar a curiosidade e susceptíveis a encontrar problemas e tentar resolvê-los.
Como os projetos são vistos como base para desenvolver e exercitar todas as competências, é preciso alinhar os eixos que apoiam este tipo de abordagem:
- Aprender é uma consequência do pensar. Portanto, se a criança não se coloca a pensar, não ocorre aprendizagem. Nesse sentido, vale destacar que informar não é ensinar porque não desperta necessariamente pensamentos, correlações e construção de conceitos.
- Para que as crianças se sintam dispostas a pensar, é preciso despertar a curiosidade e o interesse.
- Para que o pensamento produza aprendizagem, a criança precisa ter consciência sobre o próprio ato de pensar. Com isso, além de criar situações para despertar o pensamento, o professor precisa organizá-lo e expô-lo para s crianças. Estamos falando da devolutiva do conteúdo sistematizado, proposto pela Madalena Freire. E como fazer isso? Por meio de conversas, boas perguntas (abertas e sem “resposta certa”), registros das crianças (desenhos, escrita e imagens) e documentação pedagógica, elaborada pelo professor com o propósito de organizar para o grupo o percurso de investigações, experimentações, questionamentos e descobertas.
Desse modo, a escolha dos temas dos projetos ou dos percursos investigativos deve considerar os aspectos estruturais da aprendizagem. Ou seja, o tema despertará o pensamento das crianças? Aguçará a curiosidade? Apresentará problemas ao grupo? As crianças se interessarão por conversar sobre o assunto nas rodas, com os colegas e com as famílias? A partir dos contextos investigados, será possível oportunizar experiências e trabalhar objetivos de aprendizagem propostos pelo currículo?
Se o tema for encantador, desafiador e amplo o suficiente para permitir aventuras de conhecimento, o professor pode se preparar para construir uma cultura de pensar. Para isso, É IMPORTANTE:
- nutrir expectativas altas sobre a potência das crianças de pensar e aprender.
- partir das experiências e conhecimentos que as crianças já possuem sobre o tema e organizar o conhecimento prévio que o grupo expôs. É muito fácil o professor se deixar levar pelo entusiasmo da investigação e atropelar esta etapa fundamental para construir os percursos investigativos COM SIGNIFICADO.
- planejar contextos desafiadores que agucem a curiosidade das crianças e as levem a pensar, levantar hipóteses, testá-las e construir conhecimentos.
- criar rotinas para abordar os problemas. Por exemplo, começar o processo construindo cenários de brincadeiras, experimentações e/ou observações. Em seguida, trabalhar com as crianças o registro daquilo que viveram/observaram, solicitando que narrem, desenhem, fotografem, organizem material coletado (se for o caso). Depois, pode-se organizar uma discussão coletiva sobre os registros e os pensamentos utilizados para se chegar neles. Por fim, analisar e avaliar os avanços da investigação e definir os próximos passos: por que você pensou isso? Como surgiu esta ideia? O que entendemos até aqui? Quais dúvidas ainda restaram? O que podemos fazer para continuar a descobrir? Desse modo, as crianças experienciam e aprendem um sistema para abordar os problemas, pensar sobre hipóteses, pesquisar e solucionar os questionamentos.
- construir um vocabulário adequado ao processo de investigação, que descreva, valorize e dê visibilidade ao ato de pensar e refletir. Isso significa ensinar a ter consciência sobre o pensar:
- levantar hipóteses e os conhecimentos que o grupo já possua sobre uma questão;
- ouvir e considerar opiniões;
- registrar e documentar (crianças e professor);
- observar;
- testar as hipóteses;
- registrar e documentar novamente (crianças e professor);
- conversar e discutir;
- fazer relações;
- refletir e pensar sobre o próprio pensamento;
- registrar e complementar a documentação (crianças e professor);
- decidir, chegar a conclusões ou a “um pensamento coletivo”;
- registrar e documentar o percurso até este ponto (crianças e professor);
- definir os próximos passos, as próximas investigações;
- ocupar as paredes com os registros dos percursos investigativos organizados, isto é, a documentação pedagógica. Este processo é importante para o entendimento das crianças sobre suas experiências e aprendizagens e é também fundamental para o professor refletir e tomar decisões sobre os encaminhamentos. Portanto, a elaboração da documentação pedagógica precisa da participação da turma e o professor deve incentivar a visitação periódica deste material.
- permitir um tempo para que as crianças:
- demonstrem interesses;
- elaborem opiniões e modos próprios de se expressar;
- testem, testem e testem;
- pensem sobre o que vivenciam;
- discutam entre os pares;
- façam pesquisas em variadas fontes de informação (livros, revistas, jornais, internet, perguntar para alguém experiente etc.)
- retomem dúvidas e questionamentos (ainda não satisfeitos);
- esgotem questionamentos e interesses sobre um tema e possam partir para outras investigações.
- Favorecer e encorajar a participação de parceiros nos processos de investigação: outros docentes e funcionários da escola, crianças de outras turmas, familiares e pessoas da comunidade.
Com isso, a escuta e a escolha de temas dos temas de investigação não pode depender somente dos assuntos que surgem no dia a dia das crianças. A definição de um foco investigativo precisa se apoiar nos interesses da turma, na adequação à faixa etária e em critérios que possibilitem a construção de uma cultura de pensamento e o enriquecimento das aprendizagens. Se o tal tema desafiador não brotar espontaneamente, nada impede que o professor construa interesses a partir de histórias, de problemas do dia a dia, da apresentação de imagens, de vídeos, de reportagens provocadoras e dos próprios “causos” trazidos pelos pequenos nas conversas e brincadeiras.
Então, se a observação, o registro e a reflexão das vivências das crianças revelar possíveis interesses, é só dar pano para a manga. Mas, se não surgir nada consistente, o professor pode introduzir situações e fatos curiosos, avaliando o impacto na curiosidade delas… porque, o que queremos mesmo é desenvolver pessoas críticas, que saibam agir colaborativamente, com habilidades para se comunicar e que resolvam seus problemas com criatividade e persistência.
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PARA SABER MAIS…
Referências interessantes sobre este tema:
Artigo do site da NAEYC (Associação Nacional para a Educação das Crianças Pequenas): What are you thinking? Scaffolding thinkin to promote learning (em inglês)
https://www.naeyc.org/resources/pubs/yc/summer2021/scaffolding-thinking-promote-learning
Material produzido no XI Foro Latinoamenricano de Educación, de Melina Furman: Educar mentes curiosas: la formación del pensamento científico y tecnológico en la infância (em espanhol)
https://expedicionciencia.org.ar/wp-content/uploads/2016/08/Educar-Mentes-Curiosas-Melina-Furman.pdf
LIVRO Projetos Pedagógicos na Educação Infantil, da Maria Carmem Silveira Barbosa e Maria da Graça Souza Horn
LIVRO Prática Docente: a abordagem de Reggio Emilia e o trabalho com projetos, portfólios e redes formativas, de Maria Alice Proença.