Desde que o mundo é mundo, o homem mantém seu espírito engenheiro, uma comichão para juntar coisas e transformá-las em outras coisas. Há milênios o homem constrói, experimenta e repete estas brincadeiras desde criança. Ainda bebê, os objetos são segurados, revirados, sacudidos, derrubados e atirados. Mais tarde, com dois ou mais objetos, os pequenos testam encaixes, equilíbrios, empilhamentos e “derrubamentos”. Aos poucos, as crianças exercitam atividades de construir partindo da associação de objetos sem um objetivo definido, para grandes construções planejadas.
A palavra engenharia tem origem no latim ingenium, que significa genialidade e habilidade. No século XIV ela foi relacionada à habilidade de construir e, mais tarde, à engenharia. O fato é que, construir coisas é brincadeira de criança de todas as culturas, o que muda são os materiais utilizados.
E a escola, o que ela tem a ver com esta habilidade humana?
Na escola às vezes nos limitamos em oferecer kits de blocos, quebra-cabeças e de peças de encaixe acreditando que os desejos das crianças de construir estão sendo contemplados.
Só que não!
Assim como em outros contextos de brincadeira, a oferta exclusiva de brinquedos prontos limita o uso e pouco favorece a criação e o exercício de ir além do que “está previsto” para o material. Assim como o desenho e a modelagem, as atividades de construção desafiam a criatividade, o planejamento, a previsão de situações (acho que vai encaixar/equilibrar/caber) e a resolução de problemas. Por isso, oferecer materiais alternativos amplia os desafios e as experiências. E, para a nossa sorte, alguns destes objetos são acessíveis e fáceis de encontrar: sucatas e outros materiais de largo alcance – os não estruturados.
Além de pensar nos materiais, é necessário criar espaços convidativos e propositores de experiências de construção. As educadoras argentinas, Alejandra Dubovik e Alejandra Cippitelli, fundadoras e diretoras da escola Jardim de Infância Fabulinus, acompanharam e pesquisaram as atividades de construção propostas na escola e perceberam o valor de se criar um espaço permanente para os jogos de construção, uma espécie de ateliê, tamanha a importância destas experiências para o desenvolvimento infantil. Segundo as educadoras:
- Os jogos de construção são um ato social que estimula o aprender com outros;
- Os jogos de construção são experiências em que entram em jogo as relações espaciais;
- Os jogos de construção estimulam o desenvolvimento da capacidade de criação.
Ao planejar atividades de construção é preciso considerar que diferentes aspectos podem encaminhar diferentes experiências. Quando oferecemos materiais pequenos e delicados, favorecemos brincadeiras mais individuais ou em duplas, que convocam movimentos mais finos, coordenação olho-mão mais apurada e pesquisa espacial pormenorizada. Já os materiais grandes, robustos e pesados convidam para brincadeiras coletivas. O simples ato de movê-los desafia a participação do corpo todo que pode não ser suficiente para transportar e posicionar as grandes peças de montar. Com isso, naturalmente as crianças compreendem o valor de contar com a participação dos colegas e exercitam o brincar negociado e compartilhado.
Portanto, é a intenção pedagógica do professor que deve nortear o planejamento das propostas de construção e de cantos permanentes para este fim. Ao ponderar sobre suas observações e registros, o professor pode compreender quais materiais estão interessando as crianças, quais tipos de construção estão sendo mais valorizados e quais habilidades elas estão mobilizando. Desse modo, é possível tomar decisões de manter, adequar ou ampliar as possibilidades da brincadeira com novos materiais e espaços.
Ao visitar algumas escolas de educação infantil em Estocolmo, na Suécia, aprendi que é preciso pensar sobre a necessidade de manutenção ou não da construção feita pelas crianças. As professoras chamaram a atenção para este aspecto da brincadeira. Elas entendem que algumas construções podem levar dias para serem construídas ou reconstruídas, e começar todo o processo do zero é perda de tempo e das estratégias empregadas na montagem. Já pensou ter que recomeçar um bordado sempre que você parar de bordar?
Atividades de construção e o currículo
Ao refletir sobre as experiências das crianças, o professor deve considerar também as aprendizagens e habilidades que precisam ser trabalhadas.
O campo de experiências Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações (BNCC), que reúne objetivos de aprendizagem e desenvolvimento relacionados à matemática e investigação científica e espacial, é frequentemente considerado nas atividades de construção. Mas outros campos também podem direcionar o foco do professor ao perceber que precisa desafiar a turma com propostas voltadas para as relações, o trabalho coletivo, o desenvolvimento de narrativas, jogos simbólicos e o domínio do corpo.
Nas escolas que visitei na Suécia, pude notar que há sempre uma pequena sala ou canto organizado com jogos, blocos e kits de peças para construção, além de uma farta documentação pedagógica voltada para as crianças, que exibe as produções de quem brincou na sala. Esta estratégia pedagógica ajuda a enriquecer as experiências das crianças, compartilhando as possibilidades dos materiais e as descobertas das montagens.
Grandes materiais, grandes construções
Desde os anos de 1990, a educadora Maria Amélia Pinho Pereira, a Péo, utilizava seus famosos caixotes verdes de madeira, pesados e resistentes, as tábuas de variados formatos e tamanhos e a combinação com tecidos e brinquedos de casinha (panelinhas, louças, bonecas, telefones etc.) como materiais frequentemente acessíveis às crianças no parque. Para Péo, as crianças são construtoras de ninhos. As casinhas, meticulosamente construídas pelas crianças, são abrigos para o corpo, para as emoções e para a criação (Péo).
No livro Construção e Construtividade, as educadoras argentinas Alejandra Dubovik e Alejandra Cippitelli compartilham estratégias para organizar ambientes dedicados a esta atividade e elencam listas de materiais e recursos para tornar o espaço propositivo e estético.
Já a experiência da escola Casa Redonda com os grandes materiais de construção pode ser conhecida através do livro poético escrito pela Péo, Casa Redonda: uma experiência em educação, Editora Livre, e pelos filminhos disponíveis no site Vimeo. Para assistir ao filme Caixotes, clique aqui
Por fim, que tal se desafiar?
Como desafio pedagógico, propomos reservar um espaço especial no seu planejamento para as atividades de construção. Experimente oferecer e observar as situações, os ambientes e os materiais que mais provocam e interessam as crianças. Também é interessante combinar o exercício dessa habilidade com os projetos e temas trabalhados ao longo do ano. Não tem erro, professores e crianças construirão edifícios de aprendizagens!
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PARA SABER MAIS…
→ Conheça mais sobre a escola argentina Jardin de Infância Fabulinus e suas formações acessando o site da Taís Romero, sua representante no Brasil.
→ Leia mais postagens sobre construções e a escola Casa Redonda:
Repensando o velho caixote de brinquedos…
Atividade: a arte da arquitetura para crianças
Certamente terei um novo olhar para o fazer pedagógico e o como alcançar muitos dos objetivos propostos em minhas aulas.
Que ótimo, Joana!
Que isso perfeito estou montando projeto em Goiânia como ficar por dentro tudo watsap quero muitooo trabalho com alunos inclusão escola regular
Que ótimo, Sandra!
Obrigada pelo retorno
Tenho cereza que as minhas práticas pedagógica será muito produtiva
Muito reflexivas todas as questões colocadas nesse estudo. Tenho certeza que minhas práticas pedagógicas foram enriquecidas com tantas informações.
Que ótimo, Maria de Lourdes!
Obrigada pelo retorno 😉
As brincadeiras de construção é com certeza umas das habilidades mais incríveis das crianças, eles usam todo e qualquer tipo de material nas construções mais variadas e elaboradas possíveis. É maravilhoso ver como eles se empenham e abusam de sua criatividade.
Perfeito, Andriele!
Obrigada por compartilhar