Como é a cozinha da escola? As comidas e os seus preparos são experiências culturais intensas às quais frequentemente privamos as crianças. Cozinhar é uma atividade do dia a dia que nos coloca em contato com sensações, emoções, histórias, costumes e até mesmo com a geografia.
O que sentimos com os alimentos?
Quais sabores percebemos? Quais cheiros, cores e texturas?
Faz barulho quando mordemos? Tinge a nossa boca?
De onde vem esse alimento? Como ele é preparado? O quão intenso é esse trabalho?
O que ou quem essa comida me lembra? Como me sinto ao comê-la?
Preparar a comida vai muito além de trabalhar com as crianças conceitos da matemática , da química, da física e a autonomia. Cozinhar envolve método, sensibilidade, criatividade, sentimento e trabalho colaborativo. Por isso, é um campo fundamental para a Educação.
A abordagem de Reggio Emilia compreendeu essa questão há muito tempo. As escolas da cidade abrem para as crianças as cozinhas, a relação com os cozinheiros e o preparo dos alimentos. Prova disso é que suas cozinhas têm projetos arquitetônicos especiais, estão localizadas na entrada dos prédios e são de livre acesso para as crianças e suas famílias.
Como fazer essa aproximação no contexto das creches e escolas brasileiras?
Como qualquer trabalho pedagógico, é uma questão de pesquisa, relacionamento e planejamento.
O que você conhece sobre o preparo de alimentos? Gosta de cozinhar? Com quais tipos de alimentos se sente mais à vontade? Quais técnicas culinárias do dia a dia você precisa dominar um pouco mais? Pesquise e experimente!
Como é planejado o cardápio da escola? Quais ingredientes e temperos são utilizados cotidianamente? Quais ingredientes são típicos da região? Quais ingredientes são de época? Em quais períodos do dia acontecem os preparos na cozinha da escola?
Como é o seu diálogo com a equipe da cozinha? Como essa equipe se relaciona com as crianças? Que tal marcar uma conversa para descobrir detalhes e convidar cozinheiros e auxiliares para se engajar num projeto de preparo compartilhado com as crianças? Esses profissionais também fazem parte do corpo de educadores da instituição (como dizia Paulo Freire!) e certamente poderão contribuir com suas pesquisas gastronômicas e com o engajamento dos pequenos.
Ok! Você compreendeu a importância desse trabalho, recrutou o pessoal da cozinha e pesquisou alimentos e processos de preparo… mas como as crianças podem participar de tudo isso? Quais experiências são apropriadas?
Temos algumas dicas para sugerir o início de um projeto e aproximar as crianças do universo culinário cotidiano. Mas estamos certas de que você descobrirá muitos outros modos de incluir as crianças no ato de preparar as próprias refeições.
Dependendo do tipo de atividade é importante refletir sobre as demandas do grupo pela intervenção da professora. Se a proposta incluir habilidades que ainda precisam de amadurecimento, como manipular instrumentos cortantes, ou lidar com alimentos mais delicados, vale a pena dividir a turma em grupos menores e combinar uma ajuda com a coordenação.
Uma vez que as crianças terão contato direto com os alimentos é importante prever que elas vão leva-lo à boca, experimentar e até engolir. Assim, pesquise possíveis alergias nas anamneses para evitar os alimentos apontados. Também é preciso estar alerta à ingestão de folhas e sementes e lidar com engasgos.
Quando a criança brinca com interesse e consideramos suas criações, estamos favorecendo brincadeiras construtivas. Os pequenos aprendem porque podem elaborar hipóteses e testá-las para resolver os problemas que se colocam e aqueles propostos pelo contexto. Equipes pedagógicas que mediam e valorizam as soluções propostas pelas crianças garantem um aprendizado consistente e construtor de diversas habilidades. Estudos recentes têm demonstrado que crianças que fazem mais do que manipular objetos, aplicam estes aprendizados no domínio das palavras, conceitos e ideias.
Segundo a educadora Gisela Wajskop, é preciso se questionar e refletir constantemente sobre a ideia que fazemos das crianças, pois aquilo que a sociedade pensa sobre elas (a “representação social”), tem reflexo direto no trabalho educativo. Um pensamento mais atualizado e fundamentado pode dar outros contornos ao trabalho pedagógico.
Nesse sentido, a cozinha oferece problematização, desafios, elaboração de hipóteses, aprendizagens e conhecimentos. Ao trabalhar a comida, aproximamos os corações porque preparar alimentos é também uma forma de fazer carinho.
Assim, a cozinha pode ser um lugar de criança. De fato, ela já pertence aos pequenos em casa, só falta a escola estender seus domínios.
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Gisela Wajskop, na tese Concepções de Brincar entre Profissionais de Educação Infantil: implicações para a prática institucional, Doutorado, 1996
Leia mais sobre o trabalho da Gisela nas postagens:
Brincar, uma linguagem que desenvolve.
Uma casa que se transforma, uma escola que nasce da história
Uma escola que parece casa. Uma casa que parece escola
Jessica Custer-Bindel, artigo Cooking with Kids, para Food for Thought – A Kindergarten Social Studies Integrative Unit
Francis Wardle, artigo Play as a Curriculum, para Early Childhood News.
→ Leia mais sobre alimentação na infância nas postagens: