É possível planejar atividades síncronas de longa duração (“ao vivo” por meio de uma plataforma online), com grupos de crianças pequenas? Como desafiá-las? Como mantê-las engajadas? Como planejar e colocar em prática propostas sequenciais, que buscam aprofundar aprendizagens?
Nesta postagem vou compartilhar um momento virtual e deliciosamente real, em que presenciei uma hora de atividades síncronas voltadas para uma turma de 1 a 3 anos da Escola do Bairro.
A idealizadora e diretora da Escola do Bairro (SP), Gisela Wajskop, e sua equipe estão oferecendo um curso para refletir sobre os eixos da pedagogia da instituição. Além dos encontros quinzenais, é possível acompanhar atividades online de todas as turmas – da educação infantil aos anos iniciais do Fundamental – veja informações sobre o curso mais adiante.
Nas últimas semanas acompanhei a “Turma da Minhoca”, com 7 crianças de 1 a 3 anos, e as professoras Camila Vieira e Thais Naletto.
O que eu vi foi um deleite de inovação e preparo de professores, e o engajamento entusiasmado de crianças e famílias.
Às 9 horas, as professoras abriram as portas da sala online.
As crianças foram chegando, se cumprimentando e conversando: hoje tem uma irmã mais velha se juntando ao grupo; temos a chegada de uma nova colega; uma avó, um pai, um Pokemon diferente… por fim, em poucos minutos, o planejamento pedagógico entrou em ação e começou a brincadeira de estátua.
As professoras colocam uma trilha musical agitada e as crianças, conhecedoras do jogo, começam a se movimentar. “Estátua!”, algumas pararam, outras continuaram dançando, mas todo mundo prestou atenção na tela. Gargalhadas daqui e dali, familiares participando e as professoras mudaram o comando: agora quando eu falar “estátua”, vou dar o comando de uma posição! Posso dizer “estátua mão no pé!”. Assim, depois de mais um pouco de música e movimentos amalucados, a professora comanda: “estátua mão na cabeça!”. Todos pararam, alguns em frente à câmera e outros não! Conferiram as posições dos colegas, comentaram e a professora inovou: “agora, quando eu falar estátua, cada um vai fazer a posição de um animal e dizer qual é!”.
E aí… a surpresa começou. A escolha dos animais sinalizou que esta turminha tinha um repertório incomum. Tivemos uma chita, um crocodilo, um javali, um golfinho e um bicho preguiça.
Após as explicações e mais risadas, as professoras convidaram para a próxima atividade:
“Sabem aquele material que preparamos ontem?”
As crianças complementaram: “as tintas!”
“Isso, as tintas que estão no congelador. Vamos pegar?”
Familiares e crianças somem da câmera e retornam em poucos minutos com potes e outros recipientes com tintas coloridas congeladas.
“O que aconteceu?”, perguntaram as professoras.
As crianças mexeram no material e uma respondeu: “o meu tá duro!”. Outras: “é gelo!”; “gelado”
“Precisamos tirar esse gelo do potinho. Como podemos fazer isso?”
Crianças e familiares fizeram tentativas e as professoras aguardaram o processo… como se estivessem na sala, munidas da paciência de quem sabe que o tempo das crianças é diferente.
Com as pedras coloridas fora dos potes e sapecando nas mãozinhas das crianças, as professoras pediram para levar o material para o banheiro para pintar o azulejo. Câmeras, adultos e crianças passearam pelas casas e chegaram nos banheiros.
Algumas crianças foram colocadas no box do chuveiro e imediatamente começaram a pintar paredes e vidros. Surgiram tintas mais fortes e outras mais fracas. As crianças se empenharam na pintura.
Em pouco tempo, um dos meninos ficou satisfeito com a experiência e foi brincar com o pai – ora visível na câmera, ora fora da visão da sala virtual.
Depois de alguns minutos, as crianças comentaram que as tintas estavam acabando. Imediatamente, uma das professoras perguntou: “o que aconteceu com a tinta que acabou tão rápido? Tem que pintar rápido, né?”
A irmã mais velha (4 anos) de uma das pequenas respondeu: “ela derreteu”.
Outra menina completou: “ela virou água”.
As professoras comentaram e fizeram mais perguntas para a turma que nem sempre aparecia na tela do Zoom. Depois, ao conversar com elas sobre “os desaparecimentos”, me disseram que tiveram que aprender a conviver com esta situação. As câmeras não dão conta de acompanhar a movimentação das crianças. Para se manterem informadas sobre o engajamento, as perguntas são fundamentais: fulano, conta pra gente o que você está fazendo! O que você descobriu? Mostra para a gente como está o seu trabalho!
Voltando para as paredes de azulejo, quando as professoras perceberam que as crianças estavam satisfeitas, convidaram o grupo para arrumar os banheiros: “vamos guardar os materiais e limpar as tintas. Depois vamos temos uma história muito bonita para contar”.
Mais uma vez as professoras entraram no “modo espera”. As câmeras voltaram a transitar pelas casas e chegaram aos ambientes “organizados” para a escola. Enquanto a tarefa de limpeza não havia sido finalizada por alguns, as professoras propuseram um jogo de esconde-esconde conhecido da turma. O ursinho de pelúcia de uma das professoras era escondido em algum lugar da sala onde ela se encontrava, deixando só uma parte da pelúcia visível pela câmera. Animadas, as crianças se sentaram aguardando a professora esconder o bichinho e direcionar a câmera para o ambiente.
“Onde está o ursinho? Vamos ver quem descobre!”
“Está na mesa!”
“Não, está atrás da cadeira!”
“Qual cadeira?”, pergunta a professora.
“Essa!”, diz uma criança, apontando o dedinho para a tela.
“Mas essa qual? Eu não consigo saber de qual cadeira você está falando quando aponta o dedo para a tela. Você precisa me explicar melhor!”
Olha que desafio de narrativa mais incrível! Fiquei surpreendida com a desenvoltura dos pequenos em compreender e resolver o problema colocado pela professora:
“É a cadeira ali!”
“A cadeira alta!”
“A cadeira grande!”
“Ah! É essa cadeira?” , disse a professora apontando.
“Siiiiimmmm!!!!!”, responderam as crianças entusiasmadas.
De fato, uma orelha do ursinho estava visível na imagem da câmera. A professora virou a cadeira e mostrou a pelúcia.
“De novo!”, gritaram as crianças.
A professora repetiu a brincadeira e depois da nova descoberta, convidou o grupo para a história: “vamos encontrar um lugar bem confortável para acompanhar a história”.
Nem todos se sentaram à frente das câmeras. Uma criança ainda corria pela casa e outra desenhava. Mas tudo bem! Elas estavam com os ouvidos atentos.
A professora começou a contação, compartilhando a tela que apresentava imagens do livro escaneado. Falou o título – Meu crespo é de rainha – o nome do autor (Bell Hooks), o nome da ilustradora (Chris Raschka) e o nome da editora. Com isso, dedicou um tratamento respeitoso à autoria e utilizou elementos fundamentais do universo literário.
Terminaram a história, conversaram mais um pouco, deram alguns avisos, despediram-se e encerraram a atividade… e eu, fiquei feliz de ver tudo isso acontecer!
Claro que aquela sucessão de momentos e propostas não foi fruto do trabalho de um dia, de uma semana, de um mês. Ao longo dos 8 meses de pandemia, a equipe da Escola do Bairro estudou, pesquisou, buscou referências e formação, testou, refletiu e, ufa!, chegou a um patamar de estratégias e conteúdos que provocam nas crianças o interesse pela escola remota e por aprender. Estava claro que a trajetória foi difícil, porque o resultado daqueles 60 minutos inéditos foi interessante, curioso, desafiador e lúdico. As professoras Camila e Thais tinham presença online, eram carinhosas, sensíveis, completamente vinculadas às crianças e às famílias e emanavam uma alma pedagógica criadora. O online não supre o toque, o calor e o olho no olho mas, neste momento, a Escola do Bairro experimentou e inventou uma educação infantil que…. educa!
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PARA SABER MAIS…
→ O CURSO oferecido pela ESCOLA DO BAIRRO vai ocorrer durante todo o ano de 2021. A cada quinze dias, Gisela e a equipe pedagógica nos recebem para refletir sobre os eixos que apoiam as bases teóricas da escola, conhecer suas práticas e documentações pedagógicas, ler textos e compartilhar relatos e questionamentos sobre os acompanhamentos das atividades remotas e presenciais de todas as turmas. Dá para se sentir incluída na equipe pedagógica e pensar junto com os professores, a Gisela e os colegas do curso. Para mais informações, envie um e-mail para [email protected]
→ A ESCOLA DO BAIRRO é uma nova escola, experimental, na qual se acredita que bebês, crianças e adultos são pessoas pensantes, emocionais, interativas e culturais que aprendem por meio da brincadeira, da investigação e no contato com os objetos, a natureza e a cidade. Para conhecer mais acesse: http://escoladobairro.com/
As professoras Camila Vieira e Thais Naletto pertencem à equipe da Escola do Bairro e trabalham com a Turma da Minhoca – crianças de 1 a 3 anos.
→ Leia postagens sobre a Gisela Wajskop e a Escola do Bairro:
Brincar, uma linguagem que desenvolve.
DOIS CONCEITOS RECENTES: PEDAGOGIA DA INVESTIGAÇÃO E ALFABETIZAÇÃO AMBIENTAL. JÁ OUVIU FALAR?
Oi, sou professora e como tal, uma curiosa investigadora reflexiva, gostaria de informações sobre o curso de vocês.
Olá Luciana, obrigada pelo interesse e pelo retorno. Em breve vamos publicar as datas e abrir as inscrições para os novos cursos. Ficaremos contentes com sua participação! Abraço.
Adorei as propostas e gostaria muito de poder ler mais sobre tudo isso, bjs
Olá Tania! Obrigada pelo retorno. Temos diversas postagens sobre a Escola do Bairro e também sobre as concepções de educação que acreditam no valor das perguntas e das investigações. Mas, se quiser conhecer a pedagogia da Escola do Bairro mais a fundo, tente entrar em contato com eles e fazer o curso em 2021, é remoto;)