Palavra de… Beatriz Ferraz: a BNCC e a Educação Infantil

Palavra de… Beatriz Ferraz: a BNCC e a Educação Infantil

O Blog Tempo de Creche conversou com a psicóloga Beatriz Ferraz sobre a nova Base Nacional Comum Curricular Educação Infantil. Beatriz participou do grupo de especialistas que escreveram textos para apoiar a implementação da primeira versão do documento e foi leitora crítica da 3ª versão.

Tempo de Creche O que é a BNCC? Em que ela difere das Diretrizes Nacionais e Referenciais?

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Beatriz – A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o documento que estabelece um conjunto de noções, habilidades e atitudes que todas as crianças que frequentam a educação infantil têm o direito de aprender. Esse conjunto de aprendizagens estão redigidos como objetivos de aprendizagem e desenvolvimento e devem ser considerados por todas as escolas do país, sejam elas públicas ou privadas.

O documento da BNCC estabelece um referencial nacional obrigatório que deve ser contemplado no currículo de todas as redes de ensino e instituições escolares, públicas ou privadas.

A partir dessa referência, o exercício das redes e escolas é realizar adequações em suas propostas curriculares e pedagógicas, garantindo que as mesmas estejam considerando as aprendizagens indicadas na BNCC. Nesse aspecto a BNCC se diferencia dos Referenciais Curriculares Nacionais, pois os mesmos não tinham o caráter de obrigatoriedade.

Tempo de Creche – A BNCC dialoga com as Diretrizes?

Beatriz – Especificamente na Educação Infantil, a BNCC considera as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil como base para as concepções trabalhadas no documento: a concepção de crianças, de Educação Infantil, de aprendizagem e de ensino. A partir de seus princípios e objetivos foram elaborados os seis grandes direitos de aprendizagem que devem ser garantidos a todas as crianças nas turmas de creche ou pré-escolas.

Tempo de CrecheE quanto à organização das aprendizagens em Campos de Experiências?

Beatriz – A proposta de organização curricular por Campos de Experiências também está totalmente alinhada com o que propõe o artigo 9o da DCNEI.

Porém, a proposta da BNCC inova em relação aos Referenciais Curriculares da Educação Infantil, que propunham uma organização em Âmbitos de Experiências e Eixos.

Tempo de CrecheO que você espera que a BNCC faça pela Educação Infantil? Quais mudanças o documento pode trazer com a organização das aprendizagens em campos de experiências?

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Beatriz – Ter uma Base para crianças pequenas é uma iniciativa com um enorme potencial de promover equidade e qualidade para a educação infantil de nosso país. Todas as crianças que frequentam uma instituição de educação infantil, independentemente do estado, município, da região, de sua condição econômica e social, têm explicitado e garantido seus direitos de aprendizagem.

Em relação à qualidade, podemos destacar que a BNCC da Educação infantil traz uma inovação na sua proposta de organização curricular por Campos de Experiências. Esta proposta se diferencia de um currículo pautado no conhecimento e no ensino, e coloca luz nas crianças e em suas experiências e interações ao longo de seu processo de aprendizagem e desenvolvimento.

Outra inovação é a apresentação dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento por faixas etárias (bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas), o que contribui para que as redes de ensino e principalmente os/as professores/as tenham maior clareza e compreensão do processo de desenvolvimento das crianças ao longo da primeira infância. Esta inovação vai possibilitar que o professor se aproprie da forma como a criança aprende, e considerar esse conhecimento para planejar e desenvolver contextos de aprendizagens significativos e de qualidade.

Tempo de Creche –  Como professores, coordenadores e diretores das creches e pré-escolas podem atualizar suas crenças e práticas a partir da BNCC?

Beatriz – Como comentado anteriormente, a inovação trazida pela BNCC da Educação Infantil é uma oportunidade para que reflexões sobre como as crianças aprendem possam ser a base para se pensar a proposta de organização dos ambientes, espaços e materiais e dos contextos de aprendizagem promovidos na instituição. Pensar a educação infantil a partir dos desejos, necessidades e interesses das crianças promove rupturas em relação a crenças e práticas que partem de uma reflexão sobre o conhecimento em si e como ele deve ser ensinado, colocando a criança, seu jeito de ser e a forma como ela aprende em segundo plano.

Tempo de Creche – Na concepção da Base, a criança estaria em primeiro plano?

Beatriz – Sim!
Colocar a criança em primeiro plano, considerando sua forma de ser e aprender sobre as relações e o mundo a sua volta, é uma oportunidade para planejarmos contextos de aprendizagens que consideram o fazer, a ação das crianças sobre as coisas, objetos, pessoas e seres como centrais para seu processo de desenvolvimento e aprendizagem.

Tempo de Creche – A criança deixa de ser vista como passiva?

Beatriz – Sim!
Essa concepção rompe com crenças e práticas que colocam as crianças como passivas, receptoras de informação, sujeitos sem desejos e interesses sociais e culturais, e práticas comuns como atividades mecânicas, cópias sem contextos, ausência de recursos e de interações de qualidade.

Tempo de Creche –  A partir dessa visão de criança e educação infantil, quais “dicas” você pode dar para que as equipes pedagógicas estudem a BNCC neste início de ano? 

Beatriz – É muito importante que os coordenadores possam começar o ano promovendo uma leitura reflexiva da BNCC junto com sua equipe. Pensando em como as concepções e a organização curricular propostas no documento dialoguem com a proposta curricular e pedagógica da instituição.

Uma importante reflexão a ser promovida nesse momento é como os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento da BNCC podem ser norteadores dos planejamentos diários dos/as professores/as e de suas práticas de acompanhamento e registro das aprendizagens de cada criança e do grupo.

Tempo de Creche – Você tem algo especial a dizer para os coordenadores?

Beatriz – Ao organizar com clareza e transparência o conjunto de aprendizagens a serem garantidas às crianças, a BNCC também oferece aos coordenadores a possibilidade de fazerem o exercício de diagnosticar quais os saberes teóricos e práticos que seu grupo de professores/as precisam aprofundar. Assim, a partir dessa análise, é possível organizar um planejamento dos encontros de formação continuada que serão oferecidos ao longo do ano. A realização desse diagnóstico, se feita junto com os/as professores, com certeza terá muito mais riqueza e já funcionará como um momento de estudo sobre a BNCC!

Para saber mais leia as postagens sobre a BNCC a partir de suas versões anteriores:

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f29d630c-3c24-468d-983f-fc5376d0ec23Beatriz Ferraz,  psicóloga, doutora em Educação pela USP, com especialização em Liderança em Políticas para a Primeira Infância pela Harvard University. É diretora da Escola de Educadores, Consultora de Projetos Educacionais do investimento social do Banco Itaú BBA e do Banco Mundial.

19 comments

A BNCC vem trazendo grandes mudanças na Educação Infantil. Mudanças que se faziam necessárias. “A partir dessa referência, o exercício das redes e escolas é realizar adequações em suas propostas curriculares e pedagógicas, garantindo que as mesmas estejam considerando as aprendizagens indicadas na BNCC”. É realmente nesse trecho da fala de Beatriz que tenho receio que os diferentes municípios não avancem na elaboração de seus currículos embasados na BNCC. Ao meu ver se os municípios não elaborarem seus próprios currículos as crianças não serão vistas em suas especificidades e necessidades em cada pedacinho desse do nosso país. Eu moro em Minas e as crianças daqui tem especificidades diferentes de outros lugares. E acredito também que o currículo de Minas (já elaborado) não poderá ser usado em todos lugares de Minas. Ele deve ser referência para que cada município elabore o seu currículo. Somente dessa forma respeitaremos as diferenças das crianças em cada cantinho desse imenso país.
O que está me assustando é que estou vendo pouquíssimo, ou nenhum movimento dos municípios na elaboração de seus próprios currículos.

Boa tarde, Estamos em processo de reformulação do Currículo em Mineiros- GO , e tenho aprendido muito com as postagens aqui apresentado. Sempre busco enriquecer com as bibliografias complementares . Porém, acredito que ainda haverá alguma resistência para coloca-lo em prático. O trabalho de inicio agora é primordial.

Emilia,
Que momento importante! Um passo de cada vez… primeiro compor um ótimo currículo, de preferência incluindo os professores para que se sintam corresponsáveis. Depois pensar em formar todo mundo. E depois ainda, testar, avaliar e ajustar. Essa é a vida da docência. Parabéns!

Olá, tenho uma dúvida quanto ao currículo, a BNCC como é sabido, é um documento normativo , quanto ao currículo ela orienta na questão dos conteúdos, e as instituições serão responsáveis por organiza-los em âmbito estadual e seguidamente municipal, e quanto ao período que estes conteúdos serão aplicados, por exemplo: Eu moro em São Paulo, e vou mudar para o Rio de Janeiro, ainda no terceiro bimestre, quando eu chegar na escola, verei os mesmos conteúdos que estava estudando em São Paulo, ou cada escola decide em qual bimestre, aplicar os conteúdos?

A BNCC é realmente necessária, receio somente que alguns educadores ou instituições de ensino tomem para si os objetivos de aprendizagem da educação infantil como foco único, um ponto de começo, meio e fim a ser trabalhado e nivele o ensino e consequente desenvolvimento da criança pelo mínimo, pelo básico descrito, limitando-a novas possibilidades.

Olá, Ana. Obrigada pelo retorno. Seu receio tem fundamento, mas com a atenção e crítica constante de professores conscientes sabemos que esse cuidado será a garantia da qualidade da educação. Abraço.

Olá e um bom dia à todos! Todas as questões apresentadas e refletidas nesse fórum são de muita relevância. Com destaque a palavra da Beatriz Ferraz, gostaria de acrescentar a importância de se promover a prática de assembleias infantis para maior qualificação do planejamento escolar, percebe-se que não há menção a “ensinagem” e sim aprendizagem. É nesse contexto que a BNCC fortalece a reflexão do planejamento; pois a escuta das crianças dará sentido para mediação das vivências que deverão ser oportunizadas por nós educadores de crianças tão pequenas, volto a enfatizar “Assembleias Infantis” dá sentido e pertencimento das crianças no processo, é isso mesmo, as crianças deixam de ser participantes passivos e apenas receptores para ativos com ações decisórias na relação prática/reflexão.

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