Crianças agressivas. Como assim?

Crianças agressivas. Como assim?

Como trabalhar com grupos de crianças agitadas? Qual deve ser o olhar do adulto para as “crianças agressivas”? “Crianças agressivas” são assim tão comuns? É possível colocar todos os pequenos no mesmo ritmo? Partindo do pedido de ajuda de uma professora, vamos conversar sobre isso.

Recebemos mensagem de uma leitora apreensiva com algumas crianças de sua turma de 3 anos: preciso de algum texto que fale sobre comportamento muito difícil em crianças do maternal 2, entre 3 e 4 anos… Preciso na verdade de dicas de “ações – atividades” para trabalhar com o meu grupo de 17 crianças de uma comunidade carente e violenta… (S.O.)

Essa é uma situação que causa inquietação, mas é mais comum do que gostaríamos. Vamos percorrer um caminho que possa inspirar soluções consistentes.

Primeira parada: “estamos”, e não “somos”!

Sabe aquela fase em que passamos por situações complicadas e não somos compreendidos? Ficamos nervosos, agressivos e rabugentos, não é mesmo? Mas essa situação é transitória, porque, na verdade, não SOMOS rabugentos ou nervosos, simplesmente ESTAMOS assim.
Com as crianças é a mesma situação. A não ser que haja algum distúrbio de humor, como ocorre com os adultos, as  crianças quando estão “agressivas” ou “violentas”, na verdade, estão atravessando momentos difíceis e frustrantes. Uma vez que reagem dessa forma e são ouvidas, acabam por incorporar o comportamento.

Avancemos um pouco…

Quando percebemos em um ou outro pequeno um nível mais profundo de ansiedade , isso pode apontar algum acontecimento na família, por exemplo. Porém, quando temos um bom número de crianças no grupo apresentando este comportamento, precisamos parar para pensar nas situações do ambiente escolar que possam disparar essas respostas frequentes.

Quando o ambiente não está adequado às singularidades do grupo, as crianças mais persuasivas reagem e, geralmente, provocam respostas (negativas ou positivas!) por parte dos adultos. Percebendo a eficiência desse tipo de comportamento, grande parte do grupo começa a adotar as mesmas estratégias para manifestar suas frustrações. E, assim, temos as famosas “crianças agressivas” que trazem sinais para o professor refletir sobre a própria prática.

⇒ Segunda parada: planejamentos, atividades e propostas

Pensemos: existe diferença entre dar e oferecer? E entre propor e aplicar?

Quando damos algo para alguém, esse ato não expressa outra opção para quem recebe a não ser aceitar. Do contrário, quando oferecemos, estamos dando a oportunidade do outro escolher aceitar ou não. Isso faz toda a diferença! Ao planejar sequências de atividades e simplesmente aplicá-las conforme um calendário, não damos chance às crianças de participarem das escolhas dos trabalhos. Os pequenos também têm seus tempos, ritmos e temperamentos. Tudo isso varia a cada dia. Será que os planejamentos prévios precisam ser cumpridos à risca? (Leia mais sobre esse tema nas postagens: Planejar é preciso, como chegar ao planejamento que atenda os desejos das crianças? e Um roteiro para sonhar e planejar)

Outro aspecto dessa forma de olhar para o grupo e planejar é a própria pesquisa das crianças. Hoje sabemos que os pequenos aprendem quando estão interessados e num espírito investigativo de brincar.

Vamos imaginar que preparamos um planejamento com uma sequência de atividades:

  • segunda-feira – brincar no jardim com lupas e cestos de coleta de materiais
  • terça-feira – atividade artística, com pintura das folhas coletadas
  • quarta-feira – circuito com cordas e caixotes
  • Etc. Etc. Etc…

brincadeira com potinhosMas… brincando no jardim, na segunda-feira, algumas crianças descobriram as sombras. Testaram diversos jeitos para fazer sombras diferentes, perceberam a intensidade luminosa do sol quando uma nuvem atravessava o céu e acabaram por brincar com as próprias sobras e as dos colegas. Um processo rico de brincadeira e aprendizagem que contaminou outras crianças do grupo!
O que fazer na terça-feira? Seguir o cronograma do planejamento semanal, sem levar em conta o que foi observado?
Esta situação exige um questionamento que oriente as nossas escolhas:

  • Qual a proposta indicada pelas crianças?
  • No que estão interessadas em pesquisar?
  • Será que crianças interessadas e entusiasmadas ficam dispersivas e “bagunceiras”?

IMG_8416Partir das pesquisas interessadas é o currículo proposto para a Educação Infantil:
“crianças, desde bebês, tem o desejo de aprender. (…) No caso do currículo de Educação Infantil no Brasil, as DCNEI definem a brincadeira e as interações como eixos que orientam as práticas pedagógicas. A experiência de brincar, em interação com adultos e crianças, é a grande característica da experiência infantil e fundamental para que as crianças possam constituir-se como seres humanos e elaborar contínua e permanentemente aprendizagens sobre o mundo social e natural.” (BNCC 2ª versão, 2016)

⇒ Terceira parada: momentos de uma proposta de atividade

Planejamentos, registros e reflexões são importantes instrumentos da prática pedagógica que orientam novos planejamentos sintonizados com os interesses das crianças . Além deles, a forma como encaminhamos o desenvolvimento de uma atividade também faz toda a diferença na qualidade do trabalho com crianças de qualquer idade. Assim como contar uma história, as atividades tem uma narrativa que precisa ficar clara para os pequenos, mesmo sem usar as palavras!

Como começar a proposta de forma a capturar a atenção e a curiosidade dos pequenos? Como “aquecer os motores” do grupo para trazer foco e criatividade?

Na primeira etapa de uma atividade é importante apresentar o tema de mansinho, contando uma história, mostrando gradualmente os materiais, apresentando a proposta a pequenos grupos de cada vez, e até fazendo brincadeiras que despertem para os movimentos que provavelmente serão realizados durante a proposta.
Em seguida, com uma organização de espaço e materiais que “fale por si”, as crianças entrarão na brincadeira.

aquecimento de atividadesAí chega o momento de finalizar… a hora do sufoco para muitos educadores.

Vamos parar aqui por um momento e refletir: o que as crianças essencialmente fazem?

Elas brincam! O tempo todo: brincam de andar, brincam de comer, brincam de desenhar, brincam de brincar! Como fazê-las PARAR de brincar? Não é possível! É contrário à natureza. Então, como encerrar uma atividade? Resposta: brincando… só que de outra brincadeira, mais calma e mais contextualizada com o momento que vem a seguir.

Nas nossas formações em sala, convidamos os professores a ficar de olho no relógio. Quando faltam 15 minutos para encerrar, anunciamos para a turma: crianças, faltam 15 minutos para essa brincadeira acabar! Depois de 10 minutos, novo aviso: falta só um pouquinho para essa brincadeira acabar! Assim, as crianças vão sendo preparadas para o momento de encerramento, que não chega de surpresa.

Aí é a “hora H” do professor, que observou a pesquisa do grupo e descobre um gancho para transformar a brincadeira. Num processo de acalmar, guardar o material e limpar o local, tudo pode virar brincadeira. Sugerimos os rodinhos e vassourinhas que podem ser usados (com muito sucesso!) nesses momentos: vamos guardar o material e limpar a sala? Quem me ajuda?

finalização de atividade com vassourinhas

Pronto! Já fez toda a diferença.

Outro exemplo desse tipo de encaminhamento é colocar os “objetos cansados” para dormir numa caminha organizada pelo professor: gente, as bolas estão muito cansadas! Quem me ajuda a colocá-las na caminha, cobrir com o cobertor e cantar uma musiquinha para dormir?

Finalização de atividade creche

Não custa lembrar que as crianças imitam as ações dos adultos e você pode ser o modelo nesses momentos. Mas não se trata de obrigar a repetir suas ações! Nesse caso o melhor é sugerir, fazer sutilmente e esperar a adesão… é quase certo que alguns começarão a imitá-la e, em seguida, a maioria vai aderir.

finalização de atividade com exposição dos trabalhos creche

⇒ Quarta parada: criando espaço para a singularidade autônoma

Não somos todos iguais! Certamente a sua equipe é composta por professores bastante diversos e, nem por isso, melhores ou piores. As crianças também são assim! A única diferença é a forma como percebemos e favorecemos essas diferenças. Nós, do mundo adulto, nos permitimos ser diferentes, mas será que respeitamos a individualidade dos nossos pequenos? Será que percebemos que eles têm uma vivência de tempo diversa?
Na prática, quando encaminhamos a finalização de uma proposta, mas ainda contamos com uma ou duas crianças envolvidas na brincadeira, o que fazer? Como lidar com isso? Segundo os Direitos de Aprendizagens e Desenvolvimento (BNCC 2a versão, 2016) propostos para a Educação Infantil, esse tipo de acontecimento é previsto e deve ser acolhido.

criança autônoma

crianças em esperaAgora bagunçamos tudo!

Por que não deixar essas duas crianças brincarem um pouco mais enquanto encaminhamos o restante do grupo para lavar as mãos para o almoço, por exemplo? Por que eles precisam estar no final de uma fila, emburrados e insatisfeitos porque não completaram suas pesquisas? Isso é pensar em criança autônoma!

Veja, percebendo que grande parte do grupo já passou para outro momento do dia, e que está alegremente participando do que vem a seguir, é quase certo que os dois pequenos “retardatários”, vão aderir e se juntar ao grupo… tudo “numa boa”!

⇒ O espaço educador

Propomos outra reflexão: imagine que durante uma semana, você ora está em casa, ora está no trabalho. Não desvia de seu caminho para passar num supermercado, numa farmácia, na casa de um familiar… Como você se sentiria no final dessa semana? Provavelmente angustiado, nervoso e precisando de tempo para olhar um pouco do céu.

trabalhando o corpo do bebêAgora multiplique essa necessidade de ficar ao ar livre por 10. Essa é a demanda das crianças. Até por uma questão de saúde, as crianças PRECISAM estar expostas ao sol (mesmo em dias frios e nublados) para construir seus ossos que, nessa fase, se desenvolvem incrivelmente! Correr, pular, dar encontrão, escalar, carregar peso, são exercícios praticados nas brincadeiras em ambientes abertos que completam as necessidades físicas para consolidar o esqueleto em crescimento.

A necessidade física também se expressa no campo emocional. A inquietação do corpo que busca a liberdade e o ar livre, se transforma rapidamente em satisfação e bom humor quando atendida, ou, em frustração e irritabilidade, quando negada por muito tempo.

Crianças que passam mais tempo nos jardins e pátios, aproveitando o clima e os elementos da natureza são muito mais focadas, criativas e tem menos propensão a desenvolver distúrbios de aprendizagem.

⇒ O final da jornada…

Numa dinâmica em que as crianças têm segurança de que serão ouvidas, e que o professor as conhece a ponto de fazer propostas que refletem e ampliam seus interesses, formamos um grupo aberto, receptivo e vivo.
Para alcançar um sonho, um projeto, é preciso lidar com a dificuldade, com as oscilações de tempo, com os contratempos, é preciso semear, aguar, zelar, amar, dar tempo ao tempo. É preciso certo esforço para semear sonhos, projetos, conquistas. (Anais do 18º Seminário de Educação Infantil2015, Prisma, SP)
Grupos calmos, agressivos, espertos, agitados, são características daquilo que nós, educadores, somos. Os bebês e crianças se relacionam diretamente com o que deixamos transparecer e com o tipo de relação que estabelecemos. É a nossa postura que dita as regras e o caminho a ser seguido por elas. Quando compreendemos a essência de ser criança – que brinca, pesquisa e tem autonomia – conseguimos compor uma melodia gostosa de ouvir, do contrário, não fazemos música, produzimos barulhos!

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Bibliografia:

Base Nacional Comum Curricular – Proposta Preliminar Revista – Segunda Versão – Abril/2016

Seminário de Educação Infantil (18o, 2015, São Paulo, SP): Anais do 18o Seminário de Educação Infantil: semeando infâncias. Colégio Santa Maria, 2016.

Eco-arte com crianças – Anna Marie Holm. AV Form, 2015

Balão-Para-Saber-MaisPARA SABER MAIS…

Leia mais sobre esse tema nas postagens:
Palavra de… Denise Nalini: cantos de atividades e as tomadas de decisão da criança
Campos de experiências todos os dias!
Brincar, uma linguagem que desenvolve
Organização de propostas: garantia de brincadeira e aprendizado

 

 

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