Falamos em planejar, registrar, refletir e replanejar como uma postura contemporânea do educador, que percebe as crianças e acolhe suas contribuições. Mas isso é suficiente no contexto formal da Educação Infantil?
O que dizer de currículos oficias, como a BNCC, com conteúdos a serem ensinados ?
→ Por onde começar?
→ Quem pensa sobre a criança e a infância hoje?
Podemos partir de uma discussão baseada na Antropologia da Criança para buscar conclusões. Clarice Cohn (2005) disse que a criança produz cultura, não pelos objetos ou relatos que constrói, mas pela formulação de um sentido que dá ao mundo que a rodeia. Segundo a antropóloga, criança não sabe menos, sabe outra coisa e nós adultos precisamos entrar neste mundo respeitando uma cultura que já existe. Essa postura faz toda a diferença ao pensar em “currículos” e “ensinos”, porque não é possível construir desenvolvimento sobre um território desrespeitado ou até destruído.
Conhecer a cultura da infância das crianças com as quais trabalhamos, é o primeiro ponto de partida para pensar no contexto educativo.
O segundo ponto é refletir sobre a forma como entendemos a infância e o que ela representa para a constituição do futuro adulto.
É a criança um adulto em miniatura?
Já vimos que a Antropologia da Criança distancia-se desse pensamento porque considera que a criança tem universo próprio.
O terceiro ponto apoia-se nas pesquisas da arquitetura do cérebro, que é formado pelas experiências, aprendizagens e emoções vividas na infância.
Os estudos de ambas as ciências – antropologia e fisiologia do pensamento – falam que crianças aprendem pela experiência, pela pesquisa e interações que realizam ao brincar, que deixam marcas por toda a vida.
Esse é o nosso guia!
Simples?
Não, complexo! E desafiador!
Fomos treinados para conduzir o ensino e dar aulas. Esse modo de agir não é respeitoso e nem produtivo.
Se aquilo que é planejado só parte do desejo do educador, por mais interessante que seja, cai na imposição. Se planejamos pensando nos interesses e pesquisas já apresentados pelas crianças e nas necessidades identificadas nas reflexões pedagógicas, então oferecemos oportunidades de experiências. Se pensamos em propor (não fazer!) atividade, com opções de propostas “paralelas” para quem tem outros desejos, garantimos vivências significativas.
Mas afinal, qual a responsabilidade sobre o desenvolvimento das crianças na escola?
Nossa responsabilidade com as infâncias é garantir brincadeiras, desafios, espaços de relações, o desejo de criar e se expressar e o bem estar, experiências organizadas em CAMPOS DE EXPERIÊNCIAS:
Habilidades do Corpo (corpo, gestos e movimentos*)
- Autonomia e segurança para buscar objetos, pessoas, se deslocar e brincar.
- Brincadeiras, busca por desafios corporais, controle motor, posicionamento espacial, deslocamentos, adequação dos gestos e movimentos.
- Gestos e movimentos expressivos do corpo como comunicador.
- Cuidados com o próprio corpo, higiene, alimentação e bem estar.
Habilidades Sociais, Autonomia e Identidade (o eu, o outro e o nós*)
- Percepção do próprio corpo, dos limites, habilidades e singularidades.
- Reconhecimento e valorização da própria cultura. Contato com a cultura local e as culturas de outros povos.
- Vivências sobre a diversidade e a inclusão.
- Expressão de sentimentos, desejos e necessidades.
- Percepção do efeito das próprias ações e empatia.
- Curiosidade, pesquisa envolvimento em desafios e soluções de problemas.
- Autonomia no brincar e nos cuidados de si, do outro e do ambiente.
- Participação em situações de colaboração e compartilhamento.
- Relação: interação com adultos e crianças. Ter iniciativa e buscar soluções para conflitos. Brincadeiras: individuais, lado a lado e em grupo.
Campo da Oralidade e Letramento (escuta, fala, pensamento e imaginação*)
- Expressão oral e diálogo: balbucios, fala e brincadeiras com a oralidade. Comunicar-se no cotidiano
- Narração de acontecimentos, criação de enredos e recontos.
- Vivência de oportunidades para compreender a fala dos adultos e das crianças
- Percepção dos diferentes discursos e usos sociais da língua (falada e escrita)
- Brincar com as palavras (cantigas, parlendas, quadrinhas)
- Experiências com momentos de narrativas literárias (contação de histórias, cantigas, parlendas etc.) e momentos de conversas em grupo (roda).
- Oportunidades para desenvolver o comportamento leitor.
- Experimentação gráfica de marcas – desenho/pintura – para ampliar as narrativas e despertar hipóteses para a escrita.
- Elaboração de hipóteses e explicações para situações-problema.
Traços, sons, formas e imagens (traços, sons, cores e formas*)
- Expressão e comunicação
- Criação e experimentação de diversas linguagens e formas expressivas
- Vivências artísticas e ampliação de repertório cultural e artístico
→Expressão Musical e Dança
- Brincadeira e pesquisa sonora
- Vivência de repertório musical variado em gêneros, estilos, épocas e culturas diferentes
- Reconhecimento de sons e ritmos
- Criação e produção de sons
- Momento de cantiga, roda e brincadeiras tradicionais
- Dança: movimentos e gestos expressivos
→ Expressão em Artes Visuais
- Prática frequente (diária) do desenho, marcas gráficas e experiências com cor
- Situações que instiguem a curiosidade, criatividade e a expressão
- Experimentação de uma diversidade de materiais plásticos, riscadores e suportes
- Pesquisa bidimensional e tridimensional (desenho, pintura, modelagem, construção, colagem)
- Exploração de materiais de largo alcance (não convencionais e sucatas)
→Expressão no Faz de Conta
- Brincadeiras com autonomia na criação de enredos, cenários e papeis.
- Vivência em espaços e materiais organizados (espaços propositores) que ampliem o faz de conta.
- Oportunidades para brincar com autonomia e também participar de brincadeiras mediadas pelo professor.
- Oportunidades para brincar sozinho, em grupo, com crianças da mesma faixa etária e de idades diferentes.
Conhecimento de mundo: natureza, ciência e matemática (espaços, tempos, quantidades, relações e transformações*)
- Exploração das características dos objetos e materiais: odor, sabor, sonoridade, forma, peso, tamanho, posição, plasticidade etc..
- Observação de padrões, irregularidades e permanências; noções de espaço e tempo; percepção de transformações, causas e consequências.
- Vivência e pesquisa de transformações e fenômenos naturais (clima, tempo, relevo), físicos e químicos. Elaboração de hipóteses e oportunidades para testá-las.
- Experimentação de conceitos relacionados à quantidade, peso, tamanho, forma e posição
- Vivência da ocupação de espaços, deslocamentos e das construções tridimensionais.
- Oportunidades para criar estratégias para classificar, ordenar, relacionar, transferir e transvasar.
- Relação direta e experiências com a natureza (flora e fauna) e seus ciclos de vida, diversidade, relações entre os seres vivos, os elementos (água, ar, terra e fogo), respeito e conservação.
Quais interesses estão demonstrando?
O que estão pesquisando?
… Percebeu que as crianças se interessaram pela borboleta que sobrevoou o pátio ontem? Então vamos aproveitar!
Imitar os movimentos do bichinho;
Perguntar se as crianças imaginam como as borboletas vivem, o que comem, onde moram;
Pintar inspiradas nas cores dos animais observados;
Desenhar os bichinhos, seu voo, as plantas e flores:
Pesquisar fotografias de borboletas que existem na localidade;
Observar a diversidade de cores, formas e tamanhos;
Ouvir histórias e ler livros sobre o bichinho;
Compor cenários para um faz de contas temático.
Cantar cantigas e inventar a dança da borboleta.
Estas são somente possibilidades imaginadas por nós. Mas Propostas assim poderiam compor uma sequencia didática ou até um projeto sobre borboletas.
As perguntas e o interesse continuam? Ótimo! Damos sequência avaliando as pistas que as próprias crianças deixam. A curiosidade cessou? Então é hora de buscar outros conteúdos para provocar e levantar os interesses. Não há um tempo pré-determinado para que sequências didáticas e projetos aconteçam! O importante é não deixar escapar as oportunidades e ter o currículo embaixo do braço.
* Denominação dos campos de experiências segundo a terceira versão da Base Nacional Comum Curricular – Educação Infantil (BNCC)
O objetivo da Antropologia da Criança é apresentar o campo de pesquisas que se abre quando a antropologia foca as crianças como objeto e/ou interlocutoras.
Howard Gardner é um psicólogo cognitivo e educacional americano, da Universidade de Harvard e conhecido em especial pela sua teoria das inteligências múltiplas.
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Falamos sobre Campos de Experiência nas postagens:
- O que planejar… alguma sugestão?
- Arte, cultura, expressão e a Base Nacional Comum Curricular
- Atividade ou Experiência?
- Base Nacional Comum Curricular: a criança como protagonista
- Base Nacional Comum e o pensamento matemático – 2a parte
- Como é a matemática na Base Nacional Comum – 1a parte
- Palavra de… Beatriz Ferraz em a BNCC e a Educação Infantil
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As fotos da CEI Nossa Turma foram obtidas durante o projeto de formação realizado pela equipe do Tempo de Creche, de 2014 a 2015.
As fotos das CEIs Girassol e Primavera foram obtidas no Projeto Formação de Educadores com Arte, da Associação Arte Despertar e incentivado pelo IMPAES (Instituto Minidi Pedroso de Arte e Educação Social), em 2011 e 2012.
Dra. Clarice Cohn é professora de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos, SP e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Antropologia da Criança (Lepac – UFSCar/CNPq).
Muito bem colocado em fazer as crianças escolher o que querem fazer, seja flores, folhas etc! Com isso elas aprendem ter iniciativa e desenvolvem autonomia o que ajuda o desenvolvimento e amadurecimento da criança!
Tem razão, Amauri!
Além disso, crianças pequenas aprendem de fato quando estão interessadas. Partir do que as provoca e as motiva é o caminho para aprofundar os conhecimentos e “puxar” aprendizagens que o professor identifique como importantes no momento. Como você bem disse, não é “fazer as vontades”, é provoca-las para que aprendam a aprender.
Abraços!
Sim, é isto mesmo, despertando a curiosidade pelo que não sabem, penso é o caminho para sua colocação “aprender a aprender” que já se tornou um chavão! Porém verdadeiro!
Mas cuidado, veja o texto “Por que os alunos não gostam da Escola” do Daniel Willingham
Muito bem colocado em fazer as crianças escolher o que querem fazer, seja flores, folhas etc!
Na escola ou centros de ed. Infantil, preparamos um quadro de rotina ou cronograma semanal que norteia nosso trabalho. Como estruturar este trabalhando com todos os Campos de experiência levando-se em conta que não podemos deixar de trabalhar os objetivos de acordo com cada direito de aprendizagem.
Olá, Ana Paula. Obrigada pelo retorno. Você identificou o desafio que se coloca para todo trabalho pedagógico! É desafio para toda a equipe, num trabalho de reflexão e planejamento. Trabalho que exige tempo, dedicação e estudo da BNCC, da proposta da escola e as formas de pensar dos professores envolvidos. Abraço
você está com a mesma dificuldade minha, não sabemos como estruturar a rotina semanal de trabalho, ou agenda, com estes campos de experiências. EX: antes tínhamos, leitura e escrita, área externa, Leitura pelo professor, matemática, projeto e sequência distribuídos nas atividades e agora?
Maria do Carmo,
Antes de tudo, não acreditamos em “rotina semanal de trabalho” se ela não partir dos interesses e necessidades das crianças. Na educação infantil temos uma liberdade de conteúdos que é única na educação básica: todos os conteúdos que despertem a curiosidade dos pequenos podem ser trabalhados e aprofundados. E mais, todos os conteúdos podem levar ao desenvolvimento dos cinco campos de experiências! Se a sua turma se interessa por folhas e flores, você pode trabalhar as relações numa atividade de coleta em que as crianças têm que dividir baldinhos para armazenar o que está sendo coletado. Pode também trabalhar a matemática provocando as crianças a pensar em tamanhos, formas e quantidades dos vegetais. É possível desenvolver a oralidade conversando sobre as plantas, introduzindo palavras novas e provocando as falas das crianças. O corpo é totalmente trabalhado quando os pequenos tem que subir nas árvores, se movimentar entre os arbustos e caminhar em trilhas para pegar as plantinhas. As cores, cheiros, texturas e formatos das plantas podem provocar o senso estético e a expressão artística. Cabe ao professor ouvir a sua turma e aproveitar as pistas das crianças para planejar propostas que favoreçam o desenvolvimento de todas as aprendizagens do currículo. Espero ter ajudado 😉
Ótima explanação.
As 12 competencias sempre devem ser colocadas no planejamento?
Olá, Ana. Obrigada pelo retorno. Pela BNCC, as 10 competências gerais apresentadas na página 9, são asseguradas pelos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento da Educação Infantil. Mas, será que é possível desenvolver tudo o tempo todo? O planejamento é uma hipótese do que será proposto numa determinada atividade ou mesmo numa série de atividades com o mesmo fim. Portanto, cada planejamento deverá conter as competências, os objetivos e as estratégias pertinentes e adequadas à faixa etária e a proposta prevista. Abraço
Olá… onde eu trabalho estamos com dificuldade de preencher nosso diário usando os campos de experiência. Estou pesquisando e tentando desenvolver um modo de preencher o diário de forma clara e objetiva. Você teria alguma dica ou ideia? Desde já obrigada!
Olá, Amanda. Obrigada pelo retorno. O preenchimento do diário é uma solicitação da prefeitura? Há um modelo a ser seguido? A equipe compartilha das mesmas dúvidas? Quais sugestões apresentam? Coloco algumas questões que pode orientar essa sua pesquisa: Qual era o critério usado para preencher antes da BNCC? Só o nome ou tema da atividade proposta é suficiente? E os objetivos selecionados? Com a BNCC, o que mudou em relação aos planejamentos das ações cotidianas? Antes de usar os Campos de Experiência para preencher o diário, como vocês estão desenvolvendo as atividades a partir deles? Há outras postagens que podem enriquecer o debate da equipe. Abraço