Para a pediatra húngara Emmi Pikler, a conquista autônoma dos movimentos da criança está ligada ao desenvolvimento cognitivo. Um depende do outro: movimentos, relações, sentimentos e cognição, num amadurecimento harmônico da criança por inteiro.
Será que temos a dimensão do que isso significa?
Anna Tardos e Myriam David, estudiosas da abordagem Pikler, consideram que o movimento enquanto participante da formação da imagem corporal, se constitui na base fundamental do indivíduo. Isso quer dizer que a atividade motora do bebê está diretamente ligada à construção da singularidade da criança e à imagem que ela faz de si mesma.
Paulo Fochi destaca que a forma como permitimos que as crianças atuem nos ambientes preparados por nós, adultos, implica na forma como estão construindo suas competências. Assim, o adulto precisa construir um ambiente positivo para que os bebês se desenvolvam.
As pesquisas de Pikler e os estudos de Fochi podem trazer aprendizados fundamentais para compreendermos como as crianças pequeninas se desenvolvem e aprendem, em especial aquelas que ainda não caminham. Inspirar-se e adequar os conhecimentos da abordagem de Pikler pode acrescer mais qualidade ao trabalho que fazemos com nossos bebês e crianças pequenas.
Como preparar um ambiente positivo a partir da abordagem de Emmi Pikler?
1 – Lugar de bebê é no chão! Chão limpo, livre de perigos… mas chão! Sem plásticos acolchoados, emborrachados ou colchonetes. Só assim os movimentos dos bebês podem desfrutar da liberdade para se mover, de apoio para aprimorar as posturas e desenvolver o aprendizado de como cair sem se machucar.
2 – A princípio os bebês devem ficar deitados de barriga para cima, para exercitarem as viradas, arrastar e engatinhar. Com autonomia, os bebês passam a sentar, apoiar para ficar de pé e, finalmente andar. Um ambiente rico provoca a curiosidade e o espírito pesquisador dos pequenos que vão solicitando o corpo para alcançar os objetos desejados. Quando o bebê se sente confortável na postura “sobram energias” para se concentrar nas experiências com objetos e na relação com o outro. Ao se preocupar com a manutenção de um equilíbrio não sustentado pelo amadurecimento físico e motor, a criança desperdiça foco, bom humor e disposição para aprender.
3 – Simplicidade e adequação nos materiais e brinquedos selecionados. Para a pediatra, a adequação dos objetos ofertados precisa obedecer à cronologia e ao interesse dos bebês. Com o passar do tempo, diversos materiais ficam disponíveis no ambiente frequentado pelas crianças que, a partir da investigação, vão alternando seus interesses. Alguns dos materiais da abordagem:
- → Retalhos de pano de 15 x 15 cm, o primeiro!
- → Chocalhos
- → Objetos côncavos/convexos (bacias, potes, bolas de diversos tamanhos)
- → Bacias de metal pelo formato, peso, qualidade do material e pela possibilidade de pesquisar os reflexos
- → Potinhos de encaixar e empilhar
- → Nossa cultura inclui e valoriza experiências com a literatura e as linguagens da Arte, como música, dança e artes visuais. Assim, livros, materiais plásticos, instrumentos, objetos sonoros e um repertório musical deve fazer parte do cotidiano dos bebês.
4 – As roupas precisam favorecer movimentos e não atrapalhar! É muito comum que bebês não consigam se arrastar ou engatinhar porque estão com macacões largos nas pernas.
5 – O adulto precisa estar presente de corpo inteiro… de coração, para acompanhar, dar afeto, segurança e acolher as crianças, quando solicitado.
6 – O adulto pontua as conquistas e narra o que está acontecendo, despertando para a oralidade e aprimorando a comunicação. Porém, o adulto não deve anunciar os resultados esperados enquanto as crianças estão agindo. Essa intervenção estabelece objetivos que podem não ser os das crianças e inibe as suas ações. Dizia a filósofa Hannah Arendt: é com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano; e esta inserção é como um segundo nascimento, no qual nos afirmamos singularmente.
7 – É um ambiente de calma e sutilezas, com gestos delicados, de adultos que observam e intervêm, e de crianças interessadas, que pesquisam a si próprias e o mundo. Nesse universo, não cabe dizer que estamos distraindo ou simplesmente ocupando os pequenos, porque eles estão de fato empenhados naquilo que fazem… numa seriedade brincante. Para o filósofo Merleau-Ponty, o mundo não é somente “pensado”, o mundo é aquele em que vivemos, com atuação, pensamento e sentimento.
8 – O adulto intervém diretamente quando existe disputa e quando o adulto percebe sinais fortes de frustração e cansaço.
9 – O espaço precisa, então:
- → Ser grande o suficiente para acolher os gestos autônomos das crianças, porém sem ser tão grande que não garanta a sensação de acolhimento e segurança. No mobiliário de Pikler fazem parte cerquinhas para ajudar os educadores a delimitarem os espaços da pesquisa.
- → Prever as interações estre as crianças e delas com os objetos, sem que uma atrapalhe a outra.
- → Ser acessível sem apresentar perigos, com os riscos controlados. É importante que o acesso a espaços e materiais não exija constantes restrições por parte dos adultos, para não inibir as investidas espontâneas e corajosas dos bebês.
10 – A atividade autônoma das crianças é valorizada. Com isso, permite-se a liberdade total de movimentos, que partem da criança, que aprende com eles e a partir do que já sabe. Repete as ações para rever e confirmar o que já aprendeu.
11 – Os adultos se colocam diretamente presentes para favorecer a expressão, as brincadeiras, a exploração, a criação, os jogos simbólicos, espelhar-se e assumir riscos… tudo no ritmo ditado por cada pequeno! Porque é no tempo da criança que ela aprende. Se anteciparmos, acelerarmos ou interrompermos, os aprendizados não se constituem. Hoje, isso é fato cientificamente provado.
12 – Os aprendizados pela exploração passam por estágios que apontam mudanças no aprendizado dos bebês a partir do nascimento:
- Olhar ao redor
- Explorar as próprias mãos
- Alcançar os brinquedos que deseja
- Alcançar e pegar o objetos que selecionou
- As duas mãos participam juntas das atividades exploratórias
- Mover um objeto pela base
- Brincar com dois brinquedos ao mesmo tempo
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Paulo S. Fochi – Tese de mestrado “Mas os bebês fazem o quê no berçário, heim?” : documentando ações dele comunicação, autonomia e saber-fazer de crianças de 6 a 14 meses em contextos de vida cotiva (amamos: linda, consistente e acessível, como todos os textos do Paulo Fochi!)
Periódico The Signal – Newsletter of the World Association for Infant Mental Health – Vol. 18, No. 3-4. July – December 2010
Judit Falk – livro Educar os três primeiros anos: a experiência de Lóczy, 2011. Editora Junqueira & Marin
Anna Tardos é psicologa infantil, filha de Emmi Pikler
Myriam David foi pediatra e psicanalista francesa, estudiosa da abordagem Pikler e lutadora pelo reconhecimento do sofrimento psíquico de crianças abandonadas.
Hannah Arendt foi uma filósofa política alemã de origem judaica, pensadora da liberdade, uma das mais influentes do século XX.
Maurice Merleau-Ponty, filosofo francês do século XX, que procurou estudar a consciencia humana e o conhecimento.
⇒ Para aprofundar o tema da aprendizagem e desenvolvimento de crianças pequenas e da abordagem de Emmi Pikler, leia as postagens:
- Atividade para bebês: aprendizados com Jogo Heurístico e Cesto de Tesouros
- Atividades para bebês: Caixas Temáticas
- Bebês aprendem muito. Desde cedo!
- Palavra de… professor de professor da Educação Infantil: Paulo Fochi
- Palavra de… Sylvia Nabinger: filosofia e práticas Emmi Pikler
- Neurociência, aprendizagem e desenvolvimento infantil – 2 a 6 meses
- Neurociência, aprendizagem e desenvolvimento infantil – 6 a 12 meses
Olá. Sou mãe e aprendiz dessa abordagem. Já vi vários comentarios sobre o não uso do tapete de Eva. Mas ninguém diz o porquê e se é seguro o bebê de 4 meses ficar diretamente no solo?
Olá, Emmanuele. É uma nova aventura que começa, né?
Temos algumas postagens publicadas sobre o tema para você aprofundar o assunto: – Bebês aprendem muito. Desde cedo!; – Educação de 0 aos 3 anos: Contribuições de Emmi Pikler e – Palavra de… Sylvia Nabinger: Filosofia e Práticas Emmi Pikler.
Procurando responder sua questão, na postagem – Bebês aprendem muito. Desde cedo! – perguntamos por que é importante deixar a criança pequena em um espaço seguro para que ela se movimente livremente. Suzana responde que Emmi Pikler mostrou em seu livro “Mover-se em Liberdade”, que o desenvolvimento motor se produz de modo espontâneo, mediante a atividade autônoma, em função da maturidade orgânica e nervosa. Sendo assim, as crianças com boa saúde física e psíquica passam por todas as etapas da motricidade por sua própria conta e em determinada ordem, sem que os adultos precisem ensiná-las a sentar, engatinhar ou mesmo andar. Neste sentido, não é bom adiantar nenhuma fase, nem colocar a criança em uma posição que não tenha sido conquistada por ela mesma.
Então, o uso do tapete de EVA não está descartado se for para isolar o frio do piso de cerâmica, por exemplo, e é importante que a criança tenha contato com o piso firme. Abraço