Escola da Floresta é a abordagem pedagógica que contaminou mais rapidamente os profissionais da Educação mundo afora. Ela nos tira do conforto e faz pensar. Essa proposta metodológica tem muito a ensinar. Nós, educadores, temos muito a aprender com a Natureza como recurso pedagógico.
Já parou para pensar o que as crianças veem de tão interessante numa folhinha caída?
E aquelas pequenas flores amassadas que recolhem pelo caminho e guardam como tesouros?
E a atração poderosa que as árvores com galhos sobressalentes exercem nos pequenos, levando-os a subir, trepar, se pendurar e descer?
A inglesa Sarah Blackwell, educadora e especialista em formar professores para as Escolas da Floresta da Inglaterra, afirma que as crianças nascem com curiosidade natural para explorar e experimentar os ambientes. Nesse aspecto, ambientes de Natureza oferecem desafios e provocações como nenhum outro local. Além disso, a Natureza promove brincadeiras autônomas, que convocam todos os campos de experiências das crianças, favorecendo um desenvolvimento integral e integrado.
Não são essas as premissas de uma Educação Infantil qualificada?
Então, o que nos impede de incluir nos planejamentos e organizar com frequência propostas em ambientes abertos, se não totalmente naturais, que tenham pelo menos uma amostra de Natureza?
A valorização da ligação das crianças com os ambientes e recursos naturais começa a aparecer nos referenciais e diretrizes brasileiros. Porém, as iniciativas que reconhecem a qualidade desses recursos e desenvolvem o uso pedagógico intencional ainda são muito poucas no país. Há o temor dos riscos, o desconhecimento dos professores quanto ao repertório a ser proposto e desenvolvido, e, principalmente, a falta de parques e ambientes arborizados nas creches ou próximos a elas. Quando o ambiente natural for reconhecido oficialmente como um potente educador e promotor de aprendizagens significativas, certamente as políticas de instalação dos espaços de Educação Infantil exigirão a disponibilidade de pátios com vegetação ou a proximidade a equipamentos públicos com viabilidade e frequência de acesso.
O início das Escolas da Floresta
Essa abordagem teve início na década de 1950, nos países do norte da Europa, especificamente na Escandinávia, e, a partir dos resultados obtidos com as experiências, ela se espalhou por diversos países ao redor do mundo.
Os princípios da abordagem
- Encorajar e inspirar crianças de todas as idades a apreciar as brincadeiras na natureza com autonomia, criatividade e princípios sólidos
- Motivar adultos e crianças a construírem um futuro mais sustentável
- Promover o desenvolvimento de crianças e educadores
A metodologia
As Escolas da Floresta atuam de diversas formas. Algumas funcionam integralmente no ambiente natural, como bosques ou florestas. Elas têm abrigos feitos com estruturas de madeira, armário com tranca para armazenar as ferramentas, materiais, livros e kits de primeiros socorros, abrigo mais fechado para a hora do sono ou da chuva intensa e banheiros.
Outras instituições trabalham com as crianças na floresta em parte do dia, possuindo uma sede institucional regular próxima à área natural.
Outras ainda desenvolvem programas de alguns meses com a abordagem das Escolas da Floresta e, o restante da formação ocorre em instituições regulares de educação.
Com atividades centradas nos movimentos e nas pesquisas autônomas das crianças, os educadores estão constantemente observando e intervindo para auxiliar, demonstrar e construir ampliações sobre os desafios encontrados pelos pequenos. Os planejamentos são realizados no final do dia ou do período, quando, após refletir sobre as informações e registros, o professor elabora possíveis propostas, identifica e organiza os materiais compatíveis com os desenvolvimentos.
Cabe também ao professor ensinar e incentivar a realização de tarefas que o convívio em ambientes naturais demandam: manejar as ferramentas com controle e segurança, arrumar e limpar os espaços, utilizar banheiros, fazer os lanches ou refeições em locais pré-determinados, medidas de segurança etc..
Os fundamentos
- Aprendizes independentes – crianças que se inspiram nas próprias ideias, exploram os próprios interesses e experimentam desenvolver aquilo que imaginam.
- Brincar autônomo – brincar nos ambientes de natureza é um processo multissensorial e solicita da criança a utilização de todos os seus sentidos. Com isso, esse brincar amplo e constantemente criativo, que ocorre sempre no mesmo ambiente, encontra-se com o espírito autônomo de brincadeira no qual as crianças pesquisam, elaboram o faz de conta, desenvolvem estratégias para lidar com os recursos e resolvem problemas.
- Relações – as habilidades sociais se desenvolvem porque as crianças percebem na prática seus limites e potencialidades. Para levarem adiante suas brincadeiras e desafios, precisam buscar nos relacionamentos a ajuda e a colaboração dos outros. Com isso, aprendem a se relacionar e operar em grupo, com objetivos comuns.
- Local específico para explorar – com o tempo e a frequência as crianças passam a conhecer o local, sentem-se mais à vontade e conectadas a ele. Essa conexão promove sentimento de pertencimento, desejo e responsabilidade de cuidar e proteger o espaço natural.
- Contação de histórias – além do desenvolvimento da linguagem, oralidade e narrativa, a contação de histórias ao redor da fogueira ou sob uma árvore, é um costume que faz parte da história do homem. Como a abordagem está centrada na autonomia do brincar, a hora da história ajuda os pequenos a articular suas emoções, refletir sobre o que viveram, ouvir e ser ouvido e dar mais elementos para criar e ampliar o faz de conta. Esses momentos desenvolvem autoconfiança, comunicação, sequenciamento de fatos e ampliação de repertório de linguagem.
- Material natural solto – o uso de uma fonte quase inesgotável de materiais sempre desperta para novos desafios: como são? Como usá-los? O que construir? Como adequá-los? Possíveis construções, arranjos e transformações dos materiais caídos no solo provocam as mentes criativas dos pequenos. Da mesma forma, esses materiais inspiram os educadores que encontram meios para propor novos desafios e sugerir diferentes modos de uso. O trabalho de pensar e repensar possibilidades e modos de ação promove enriquecimento de repertório, aprendizagens e conhecimentos.
Alguns aprendizados
As propostas dos professores, originadas a partir dos interesses e pesquisas das crianças, incluem:
- Construção de abrigos e casinhas
- Uso de ferramentas
- Trabalhos e atividades com cordas
- Conhecer e aprender sobre a vida da fauna e da flora, o clima, a temporalidade e as propriedades físicas dos elementos naturais.
- Perceber transformações
- Atividades sensoriais
- Artes: música, desenho, pintura, escultura e modelagem
- Artesanato tradicional das culturas das florestas e matas
- Leitura, contação, narrativas, dramatização e construção de personagens imaginários
- Grupos de brincadeiras e jogos coletivos
- Jogos tradicionais e “caças ao tesouro”
- Propostas e desafios de movimentos corporais
- Vivenciar a utilização do fogo e as normas de segurança
- Cozinhar em fogueira com panelas, chaleiras e gravetos para assar alimentos
Muitos outros aspectos dessa abordagem são descritos e pesquisados. Governos federais e municipais do Reino Unido possuem documentos referenciais para orientar as práticas de Escolas nas Florestas.
A abordagem tem características e valores únicos, e, como outras metodologias de trabalho com a infância, podem trazer fundamentação, conhecimento e inspiração para a atuação do professor.
Dois olhares dessa abordagem são fundamentais: os benefícios da coparticipação da criança nos rumos de seu próprio aprendizado e a riqueza dos ambientes de natureza como fonte inesgotável de desafios, pesquisas e aprendizagens. Essa abordagem apontou divergências nas difundidas crenças de que o fato de plantar feijões em vasos na sala ou fazer trabalhos com colagem de folhas são suficientes para conectar as crianças aos recursos naturais e toda a sua potencialidade.
Ao mesmo tempo, existem possibilidades para organizarmos pequenas ilhas de natureza nas creches e incluirmos esse recurso no dia a dia dos pequenos. Mas isso é assunto para outra postagem!
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- Forest School Handbook – Burys Court School & Little Berries Nursery, Moon Hall Schools Educational Trust, 2012
- Developing a Forest School in Early Years Provision, Jenny Doyle and Katherine Milchem
- Impacts o Long Term Forest School Programmes on Children’s Resilience, Confidence and Wellbeing, Sarah Blackwell
- This is our classroom, A teacher’s guide to Forest School at Kent Country Parks
Leia mais sobre esse tema nas postagens:
- As crianças na natureza
- Natureza, riscos e brincadeiras numa discussão que dá o que pensar
- Território do Brincar – num filme de brincadeiras, dicas para brincar com os olhos e o coração!
Na creche é onde tudo se inicia, temos que explorar ao máximo os elementos que temos a disposição e inserir nos pequenos pequenos conhecimentos que farão grande diferença na sua caminhada… grato
Esse curso é de uma essência maravilhosa, tão gostoso de ler cada palavra.