Uma leitora nos perguntou a respeito da pertinência das famosas formaturas na educação infantil. Ela destacou que não vê a necessidade do evento, mas por conta de uma prática já difundida entre muitas creches e escolas, sente dificuldade em discutir a questão com a equipe pedagógica e familiares.
Gostaria de saber se vocês tem algum texto sobre FORMATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Não concordo que haja necessidade desse evento para “comemorar” a transição para o ensino fundamental. Mas o fato é que muitas instituições têm essa prática, o que dificulta o entendimento por parte de alguns professores e também os pais. (C.S.)
Como vemos essa situação?
O que significa formatura?
A palavra formatura deriva de formar-se ou formação. A “formatura” é uma cerimônia festiva de conclusão de um curso. É a conclusão de uma etapa da vida que transformou um grupo de pessoas. Nesse sentido, as formaturas podem ser vistas também como rituais de passagem: celebrações que marcam mudanças de fase de uma pessoa na sua comunidade e na sua formação. Os ritos de passagem podem ter caráter social, comunitário ou religioso. Mas, em geral representam a marca de momentos importantes na vida das pessoas.
A resposta para a leitora começa então a ficar mais clara…
As crianças da creche e do pré, bem como suas famílias, estão de fato encerrando um ciclo em suas vidas. Transformaram-se ao longo da etapa e devem ser preparadas para compreender que deixarão para trás um conjunto de situações, ambientes, rotina e pessoas. Por outro lado existe o fator realização, que é sentido ao perceber a conquista de habilidades, aprendizagens e autonomia.
Esse conjunto de fatores desperta emoções que precisam ser trabalhadas, portanto celebrar o encerramento do ciclo na creche ou na pré-escola parece fazer todo o sentido… Sentido? … Vamos nos apegar a esse conceito!
Fazer sentido tem a ver com ser compreensível e lógico, ser significativo.
Como trabalhar o encerramento de um ciclo e festejar a passagem para outro, a partir de um processo de conquistas e transformações?
Por meio de ações significativas!
Na verdade, a celebração que marca o rito de passagem deve ser apenas uma das ações significativas de um conjunto de ações que desperta para as conquistas e mudanças que as crianças enfrentarão no novo caminho. Um processo pensado de forma ampla, que pode incluir visitas às escolas para as quais os pequenos serão encaminhados. Portanto, a cerimônia é a cobertura de um bolo que começou a ser preparado muito antes. Esse é o primeiro passo para fazer a festa com significado.
Então, cabe pensar: é pertinente “copiar” as formaturas do ensino médio ou superior… com longas esperas, crianças sentadas e movimentos “controlados”? Há um comércio em torno deste tema, descontextualizado, com cobrança de pompa e formalismos que não cabem na infância.
Assim, como devem ser as comemorações para as crianças pequenas?
Quais contextos podem fazer com que elas e suas famílias se sintam prestigiadas e pertencentes? Como elaborar um evento que reflita a felicidade e as conquistas da etapa que se encerra? Como projetar alegria e boas expectativas para os ciclos futuros?
Acompanhando essas reflexões, outras dicas podem ajudar nos planejamentos:
- Para as crianças, alegria e comemoração vêm coladas na brincadeira . Crianças são felizes quando estão brincando.
- Para as famílias é importante poder conhecer e compartilhar os momentos especiais junto com as crianças.
- Que tal celebrar a formatura incluindo as cirandas preferidas e convidar todos os participantes para cirandar? Que tal ensinar os convidados a cantar as canções gostosamente cantadas pelas crianças no dia a dia? As brincadeiras mais brincadas; os registros do(s) momento(s) cultural(is) mais intenso(s); os cantos de atividades mais brincados; as histórias mais contadas. Enfim, promover um dia representativo do ciclo que se encerra:
- Ações e repertório cheios de significados! Propostas que façam reviver as marcas e as alegrias das conquistas das crianças, famílias e equipe, que se despedem de pessoas queridas com quem conviveram durante alguns anos.
Assim, é fundamental incluir todos esses públicos na seleção das memórias. Algumas instituições preparam um lindo álbum com trabalhos das crianças, fotos e alguns textos dos professores. Uma boa dica é partir de uma seleção feita pelas próprias crianças. Por que não fazer a escolha das fotos e dos trabalhos que vão para o álbum com elas? Afinal, só cada uma delas saberá escolher aquilo que lhe foi mais significativo.
Outros aspectos dignos de recordação são as músicas que os pequenos mais gostaram de cantar e dançar; os livros e histórias que não querem esquecer; a comida mais gostosa; o passeio preferido, o brinquedo, a brincadeira…
Pode-se também perguntar para os pais o que os marcou durante o processo de amadurecimento de seus filhos e incluir essa fala no álbum.
Finalmente, temos a cultura que envolveu e pontuou as relações. O que foi celebrado? Qual repertório artístico foi apresentado e trabalhado? Como são as festas na região? Que tal buscar tudo isso e reviver? Talvez até convidar a todos para reinterpretar e criar!
Crianças–famílias–educadores unidos em torno da jornada de viver, sentir, amar e aprender. Nas palavras do poeta Manoel de Barros, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo.
Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade.
Achadouros, do livro Meu quintal é maior do que o mundo, de Manoel de Barros
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Leia mais sobre comemorações e ações significativas na educação infantil nas postagens:
Eu acredito que o “problema” esteja relacionado mais ao fato de que a escola se preocupa mais com a formatura que com a formação da criança, que com o processo de conquistar aquelas habilidades propostas e que a idade do aluno demanda. Se realmente a criança ao terminar o Pré-2, ou seja, a Educação Infantil, esteja de fato hábil a iniciar a alfabetização, então ótimo, vamos à formatura, mas enquanto a criança não estiver pronta e a preocupação da escola for com a decoração e a festa de formatura, aí estaremos fazendo sem sentido algum.
Ola, Fernanda. obrigada pelo retorno. Pensamos que, para acompanhar a mudança que ocorre da educação infantil para as séries iniciais do ensino fundamental, é importante conhecer o que preconiza a BNCC, homologada em dezembro de 2017: – considerando os direitos e os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, apresenta-se a síntese das aprendizagens esperadas em cada campo de experiências. Essa síntese deve ser compreendida como elemento balizador e indicativo de objetivos a ser explorados em todo o segmento da Educação Infantil, e que serão ampliados e aprofundados no Ensino Fundamental, e não como condição ou pré-requisito para o acesso ao Ensino Fundamental. Nessa direção, reforçamos nosso entendimento da formatura como marco significativo de mudança de ciclo, trabalha o encerramento de uma etapa e festeja a passagem para outro, a partir de um processo de conquistas e transformações, por meio de ações significativas! Abraço
Uma questão sempre presente nas escolas, principalmente as instituições particulares, aonde as práticas tradicionais parecem valer muito mais que o significado que as ações e práticas fazem para as crianças. Acredito que a “formatura” esteja ligada à um conjunto de práticas que são desenvolvidas ao longo do ano letivo. Muitas escolas falam da criança protagonista, do respeito às produções das mesmas, da importância de valorizar o seu potencial criador. No entanto, as crianças recebem lembranças “lindíssimas” feita pelas professoras, participam de apresentações com cenários montados pela equipe de “evento”, etc… Como que uma escola assim irá culminar o ano? Por isso, a discussão sobre Formaturas na Educação Infantil é muito pertinente para provocar reflexões sobre uma prática que tem relação com o que pensamos sobre a criança, infância e Educação Infantil. Parabéns Tempo de Creche, que outros textos sobre esse tema sejam publicados, pois desconstruir a ideia da cópia da “Formatura” do ensino médio e superior nas escolas de Ed Infantil é, sem sombra de´dúvidas, um grande desafio!!!!!
Olá, Joelma. Obrigada por seu retorno. Com o intuito de se constituir como um espaço de diálogo e aprimoramento para a Educação Infantil, a partir de trocas de saberes, práticas e fundamentações, sua contribuição enriquece o Tempo de Creche nesse diálogo. Abraço
Gostei da abordagem… A parte que reflete sobre o significado das palavra é muito interessante, uma formatura. Não precisa ser pomposa e sim significativa, ótima observação.
A ABORDAGEM FOI ÓTIMA, NOS LEVOU A REFLETIR, POIS NÃO É SIMPLESMENTE ACABAR COM ALGO QUE JÁ FOI INCORPORADO E QUE MUITAS FAMÍLIAS DEMANDAM , MAS REFLETIR JUNTO A FAMÍLIA PARA QUE ELAS DECIDAM: ISTO É PARCERIA!
mARLENE
Excelente