O que Reggio Emilia tem para nos inspirar?
O que pode ser adequado à nossa cultura e contexto?
Ouvimos duas educadoras argentinas, especialistas na abordagem, falarem sobre suas experiências no Colégio Aletheia e os olhares para a abordagem.
Sócio-construtivismo, Reggio, Pikler, metodologias, abordagens, crenças… não importa! Vale a pena conhecer e acompanhar pesquisas e estudiosos no assunto para refletir sobre a nossa educação, ampliar o repertório e experimentar novos caminhos.
Por isso compartilhamos alguns dos pontos abordados por Diana Vendrov, da RedSolare, e Judith Birnbaum, do Colégio Aletheia, na Palestra Horizontes com sentido: a documentação pedagógica, ministrada no Instituto Vera Cruz, SP.
Nas escolas em que se desenvolve a abordagem idealizada por Loris Malaguzzi, a criança não conquista a cidadania à medida que cresce porque ela já é considerada cidadã. Nessas comunidades, as produções culturais e os conhecimentos dos pequenos são vistos como legítimos e são valorizados por educadores, familiares e a população com um todo.
Essa questão é muito importante e vai além de desenvolver a autoestima das crianças. Ela transforma a visão da comunidade com relação ao engajamento na educação das crianças, seus cidadãos.
Assim, a educação ocupa outros espaços que ampliam a escola e a comunidade, que, por sua vez, reconhece a voz das crianças e frequenta a instituição: um meio de participação democrática.
Outro ponto fundamental na visão reggiana está no fato de trabalhar desapegado de previsões ou etapas pre-estabelecidas do desenvolvimento infantil. Já propusemos uma reflexão a esse respeito na postagem Pauta do Olhar: os campos de experiências e a singularidade.
Os educadores da Aletheia chegam à instituição ansiosos pelas surpresas e novidades que as crianças vão trazer. A ausência de previsibilidade é a adrenalina dessas pessoas! E sabemos que as crianças surpreendem mesmo. Surpreendem porque inovam. Surpreendem porque redirecionam. Surpreendem porque sempre se mostram mais capazes do que as nossas previsões. Porque embarcam nas nossas propostas ou trazem novas. Porque nos ensinam a respeitar sua cultura. No lugar de respostas, os educadores de Reggio esperam perguntas.
Dá para pensar, não é mesmo?
O poder criativo não pode partir de contextos massificados. Isso é um fato. Não dá para imaginar cientistas e artistas inspirados e colocando em prática a criatividade no meio de um montão de pessoas! Criatividade e inventividade são processos que acontecem individualmente e na relação entre poucos indivíduos. Momentos em que é possível ter tranquilidade para acessar os próprios pensamentos e momentos para dialogar com o outro.
Nesse sentido, Reggio trabalha de acordo com a natureza humana. Por outro lado, é preciso reconhecer a nossa realidade e os recursos que dispomos hoje na estrutura educativa de grande parte das escolas brasileiras. É possível realizar um trabalho com esse formato com turmas com 18 ou mais crianças de 3 anos e UM professor? Complicado… mas não de todo impossível!
Diana Vendrov respondeu a uma pergunta que fiz sobre essa questão, alertando que uma escola flexível demanda muuuita organização. Essa é a chave: organização, planejamento, antecipação de espaços, materiais e algumas estratégias.
Organizar com frequência propostas em que as crianças possam brincar e experimentar com autonomia, favorece a “liberdade” para o professor observar, se aproximar e intervir nos grupos que naturalmente se formam. Propiciar autonomia não é “largar” os pequenos! Judith Birnbaum nos alerta que não intervir pode ser uma escolha do professor carregada de intenção.
Diana nos contou que ao chegar ao Colegio Aletheia, crianças e famílias (se quiserem!) brincam num espaço central, onde uma série de cantos e mesas são organizados com diferentes propostas. Algumas delas se repetem porque se tornaram “projetos” dos grupos e os professores vão ampliando os desafios e as possibilidades para que as crianças aprofundem a pesquisa. Outras propostas são “apostas” da equipe pedagógica, que observa, registra e depois discute para refletir sobre os desdobramentos ou mudanças. Só depois desse momento é que os grupos continuam com a rotina do dia, organizada por meio de uma agenda para dar conta de distribuir os espaços restritos da escola e contemplar os interesses das crianças.
Documentação, registro e planejamento
Reggio também defende sua visão sobre os docentes: indagadores, pesquisadores e colaboradores. Nesse contexto, a frase que se repete nas conversas entre as equipes é: eu vi algo interessante!
Marcas de um cotidiano que surpreende pelas aprendizagens das crianças, da equipe e das famílias. Uma história que tem conteúdos preciosos que precisam e merecem ser pensados, organizados e revelados.
O que nos leva a outro marco da abordagem: a documentação como estratégia e ferramenta que promove mudanças.
O que é documentar?
Judith nos responde que é registrar o que as crianças dizem e fazem através de suas múltiplas linguagens. Observar e guardar para além da lembrança o que os pequenos aprendem no diálogo com o outro, quais hipóteses elaboram e como resolvem os problemas.
O que fazemos com tudo isso?
Judith complementa que interpretamos os registros para fazer as crianças avançarem nas suas investigações e construções. Assim, podemos ofertar novas oportunidades para que os pequenos continuem explorando, pesquisando seus interesses e construindo aprendizagens.
Essa é a vertente dos professores e das suas práticas.
Mas os registros, que são sempre refletidos e discutidos entre a equipe, também tomam outros rumos. Eles vão contar histórias para as crianças relembrarem, reviverem e se conectarem com os próprios aprendizados.
Essas histórias interessam também às famílias, que deixam de enxergar somente suas próprias crianças, para criar uma compreensão sobre os processos da infância. A escola passa a ser território conhecido e seguro para compartilhar dúvidas e unir esforços em torno da educação dos pequenos. (leia sobre documentação pedagógica na postagem Afinal, o que é Documentação Pedagógica?)
Para encerrar, Diana encanta a todos com a frase: trabalhar dessa forma é maravilhar-se com o cotidiano. Crianças transformam a rotina em algo novo e surpreendente. Somente contagiados por esse espírito é que nós, professores, seremos capazes de embarcar na jornada de conquistas que é a infância.
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→ O Colégio Aletheia está localizado em Buenos Aires, Argentina e tem 40 anos de existência. nSeu projeto educativo dialoga com a proposta filosófica, educativa e cultural das escolas de Reggio Emilia, Italia. Vale a pena conhecer o site da Aletheia, com informações mais detalhadas da visão de educação e as fotos das suas crianças investigando o mundo.
→ Leia mais sobre esse tema nas postagens: