Como agir com crianças com febre? E os resfriados que parecem nunca dar trégua? Como lidar com a questão das convulsões febris? Essas e outras dicas preciosas de saúde na creche são abordadas pela professora de enfermagem Cecília Sigaud.
Cecília Helena Siqueira Sigaud é professora da área de Saúde da Criança, do Departamento de Enfermagem da USP, SP. Ela desenvolve um trabalho de aproximadamente 15 anos no estudo das questões da saúde nos ambientes de creche e Educação Infantil e capacitação de profissionais destes serviços.
Cecilia constrói seu trabalho a partir da crença de que crianças são seres únicos, competentes e que possuem direitos. Assume algumas premissas: é na primeira infância que se inicia a formação dos hábitos diários de vida. As crianças passam muitas horas de seu dia nas instituições de educação infantil, que são responsáveis pela formação das crianças jovens, compreendendo indissociavelmente o cuidado e a educação. Assim, entende que as instituições de educação infantil se constituem em espaços privilegiados para contribuir para formação de hábitos diários adequados.
O que é saúde?
Saúde é um meio para se viver melhor. Não é uma meta, ou um objetivo em si mesmo a ser perseguido! As pessoas não tem como objetivo de vida alcançar uma boa saúde. As pessoas buscam a saúde como forma de alcançar seus projetos de vida. A saúde não acontece nas nossas vidas somente nos serviços de saúde, ela acontece em todos os espaços onde vivemos, como a casa, a escola, o local de trabalho. Assim, a saúde tem a ver com a maneira como a gente vive. E, nesse aspecto, a creche tem uma importância muito grande na vida e saúde das suas crianças.
A creche, como ambiente de vida, tem sob o seu teto a saúde das crianças e de seus funcionários. A saúde das crianças também depende dos grupos familiares que, por sua vez, têm suas maneiras próprias de viver e demandas. Tais considerações nos levam a uma reflexão maior quando desejamos compreender melhor as crianças que cuidamos nas instituições de educação infantil :
- Que crianças temos?
- Com que famílias lidamos?
- A que comunidade pertencemos?
- Que necessidades essa comunidade tem?
Responder a essas questões permitirá propor um atendimento mais efetivo.
Pensar as ações de saúde em creche é pensar um trabalho substancialmente distinto daquele que desenvolvido pelos profissionais em serviços de saúde. Em primeiro lugar, trata-se de um atendimento a grupos de crianças, coletivo, e não um atendimento individualizado, essencialmente voltado para a promoção da saúde infantil. Devemos focar em oferecer ambiente físico e emocional saudável, com condições para que as potencialidades das crianças se manifestem em sua plenitude. Além disso, devemos proporcionar os cuidados adequados para o atendimento das necessidades essenciais da crianças, que envolvem relações respeitosas e sustentadoras entre as crianças e entre elas e os adultos, práticas de alimentação, sono e higiene adequadas, oportunidades para brincadeiras e desenvolvimento da criatividade e autonomia. Enfim, a creche deve proporcionar as melhores condições para o desenvolvimento infantil e a formação sujeitos, cidadãos. E esse trabalho em parceria da creche com o profissional de saúde tem suas peculiaridades, está em construção. A saúde no espaço da creche conta com o conhecimento e a intimidade que a equipe pedagógica e as famílias têm sobre cada criança: sabemos o estado normal dos nossos pequenos e podemos identificar quando seu comportamento não está como em todos os dias. E isso é vital na identificação de potencialidades e problemas!
A creche com sua rotina e o tempo extenso de trabalho com as crianças é também um ambiente privilegiado para acontecer a aprendizagem sobre temas do campo da saúde:
- Nutrição e práticas de alimentação
- Higiene
- Sono
- Relações sociais afetivas e construtivas
Prevenção e recuperação de doenças leves
Na creche, muitas vezes encontram-se presentes também crianças com agravos ou problemas de saúde leves, como resfriado. Ainda que as ações de saúde devam levar em conta o grupo de crianças, quando uma está doente, ela necessita de cuidados específicos voltados para favorecer sua recuperação. Há possibilidade de se contemplar alguns desses cuidados no ambiente da creche, lembrando sempre que não serão praticados por profissionais de saúde e, portanto, serão limitados às possibilidades dos trabalhadores da educação.
Algumas recomendações para os diversos casos de doenças infecciosas benignas comuns na infância:
Sono e limpeza do nariz
Ao respirarmos, o ar deve entrar em nosso corpo pelo nariz. A passagem pelo nariz e cavidade nasal umidifica, aquece e limpa o ar que respiramos. Assim, quando a criança está resfriada é importante limpar e desobstruir seu nariz antes da hora do sono e das refeições para que possa dormir e se alimentar melhor. Para isso, pode-se despertar a atenção para a presença de secreção nasal e ensinar as crianças a assoar o nariz para eliminá-la.
Aumentar a oferta de líquidos/Hidratação
De modo geral, oferecer líquidos adicionais durante o dia é benéfico às crianças doentes. Devemos buscar aumentar a ingestão de líquidos, oferecendo-os em canecas 30 minutos antes das refeições e a partir de uma hora e meia depois.
Água deve estar ao alcance dos pequenos em todos os ambientes. E além disso, devemos sempre lembrá-los de beber oferecendo-lhes. Crianças raramente pedem água, pois não querem parar de brincar. Então, cabeperguntar um por um, já com o copo na mão: você quer beber água?
Resfriados
No caso das crianças resfriadas, aumentar a oferta de água é uma estratégia adequada para fluidificar o catarro, facilitando sua eliminação. Essa ação é simples e viável, e alcança um grande número de pessoas, crianças e trabalhadores, na creche. Tal e qual propor assoar o nariz, que as crianças estão aptas a fazer desde muito cedo, a partir de um ano e meio de idade aproximadamente.
Minimizar a contaminação
É preciso estar muito atentos, pois muitas vezes os profissionais atuam como disseminadores de doenças entre as crianças enquanto lhes prestam os cuidados. Quando limpamos o nariz das crianças com um lenço de papel, a humidade e os microrganismos presentes na secreção passam para as mãos da educadora, que não consegue lavar a mão ou higienizá-la com álcool gel a todo o momento. Os micróbios vivos permanecem na mão dos profissionais e são levados para outra criança na hora de alimenta-la, escovar seus dentes, ou mesmo limpar seu nariz. Desse modo dissemina-se a doença.
Qual a solução? Ensinar a criança, desde cedo, a realizar algumas ações de cuidado pessoal! Isto é muito interessante por várias razões: as crianças pequenas têm forte impulso para o desenvolvimento de sua autonomia, os cuidadores são sempre em número menor do que as crianças, e as crianças precisam de oportunidades repetidas para aprender e aprimorar suas habilidades. Existem muitas estratégias lúdicas para trabalhar com elas esse aprendizado. No caso da habilidade de assoar o nariz, primeiramente a criança precisa perceber que o ar entra e sai pelo seu nariz quando respira e isso pode acontecer quando ela respira sobre um espelho, que fica embaçado em contato com o ar que é expelido pelo nariz, ou quando ela solta um forte fluxo de ar pelo nariz fazendo voar papel picado, por exemplo. Depois disso, trabalhar o tamanho do lenço de papel, para forçar a saída de ar pelo nariz. E finalmente, descartar o papel sujo numa lixeira, para lavar as mãos em seguida.
Contaminação pela fralda
As crianças que usam fralda estão sujeitas a um maior risco de contaminação, porque o conteúdo da fralda pode vazar quando está muito cheia. Crianças com fezes na fralda e sentadas no chão, por exemplo, poderão contaminar esse espaço. Brinquedos que tocarem o local contaminado também ficarão comprometidos e, sem querer, outra criança coloca o tal brinquedo na boca e a transmissão se estabelece!
Qual a solução? Trabalhar o desfralde tão logo se constate que a criança apresenta condições para isso, tais como:
- ela é capaz de identificar o desejo de evacuar e consegue segurar,
- comunica o desejo ao adulto,
- dirige-se para o local apropriado às evacuações (banheiro),
- abaixa sua calça sem ajuda (roupa com elástico na cintura de preferência),
- coloca-se sentada no vaso sanitário e lá permanece até terminar a eliminação para ser limpa por um adulto.
Afastamento da criança doente
Não é possível afastar toda a criança doente da creche. Isso vai esvaziá-la por completo e muitas crianças ficarão muitos dias em casa, prejudicando sua adaptação à instituição. Quando a criança doente está com o estado geral bom, feliz, brincando, alimentando-se razoavelmente e bebendo líquidos, isto indica que ela tem condições de permanecer na creche. Às vezes, a creche precisa oferecer uma atividade e um cantinho mais tranquilo com colchonete, e uma alimentação “especial”, por exemplo. Crianças doentes podem não se alimentar no ritmo e na quantidade habitual, por isso oferecer-lhes alimentos frios de sua preferência, várias vezes ao dia, pode facilitar sua aceitação. A creche pode dispor de pequenos lanchinhos (às vezes até mais atrativos) para oferecer nos momentos em que ela estiver se sentindo melhor, como gelatina, frutas ou sucos, sanduichinho de queijo branco e peito de peru.
Mas uma criança que chora com frequência, está inapetente e caída, demonstrando claramente que sua permanência está lhe causando ainda mais desconforto e sofrimento, deve então ir para a casa porque a creche não tem condições de oferecer o que ela precisa.
Medicação
Creche não deve medicar, nem para controlar a febre!
A creche deve se responsabilizar por administrar apenas medicamentos encaminhados, com receita médica, como antibióticos e outros, de necessidade pontual e bem justificada, nos horários coincidentes com o período em que a criança fica na instituição. Por outro lado, vitaminas e outras substâncias devem ser administradas pelas famílias, nos momentos que as crianças estão em casa. Os cuidados precisam ser compartilhados!
O que é febre? É um mecanismo de defesa do organismo quando estamos com alguma infecção ou outro problema. Febre não é uma doença em si mesma.
Temos um centro termorregulador que regula a temperatura interna do corpo em torno de 37-37,5o C (a temperatura medida nas axilas fica em torno de 36-36,5o C). No contato com vírus ou bactéria, ocorre a ativação da produção de substâncias que agem nesse centro, que alteram a regulação da temperatura para cima. A alteração, então, não é livre, é controlada pelo centro termorregulador, e a temperatura só seria danosa acima de 41o C.
Os antitérmicos devem ser utilizados com indicação médica para combater a febre particularmente quando vem acompanhada de desconforto, mas eles não são vitais e a creche não deve administrá-los. Quando a criança apresentar febre, a família deve ser comunicada, alertando-a sobre o estado geral da criança e outros sintomas presentes.
Crianças com febre, mas que correm, brincam e participam, podem permanecer na creche. Esta decisão pode ficar a cargo da família depois de ser comunicada.
Dar banho morno nesses momentos é bom, mas fica complicado na creche. As compressas frias são mais fáceis de lidar. Coloca-se compressas de água fria (não gelada!) nas axilas, cabeça e pescoço, e virilha, e deixa-se por 5 ou 10 minutos, até perceber que a compressa ficou quente. Isso significa que houve perda de calor. Segue-se trocando as compressas por 20 minutos aproximadamente para então medir novamente a temperatura corporal da criança. A aplicação de compressas pode acontecer por tempo indeterminado, enquanto a criança suportar bem. Se ela começar a tremer, pare com o procedimento imediatamente, pois os tremores e calafrios são mecanismos que produzem calor e a elevação da temperatura o corpo. mantenha a criança com roupas leves e apropriadas à temperatura e em ambiente arejado.
A convulsão febril não é provocada pela febre alta. Crianças com histórico de convulsão febril são mais suscetíveis a ter novamente – mas não necessariamente! Convulsões febris são raras e ocorrem em crianças susceptíveis, não causando danos ao sistema nervoso na maioria das vezes.
Convulsões febris
As convulsões não tem um padrão de manifestação. podem ocorrer a perda da consciência, endurecimento, estiramento ou flexão dos membros,, espasmos ou tremores, eliminação de xixi ou cocô, baba, ou vômito. Não se pode forçar a distensão ou flexão dos membros contraídos porque isso pode ferir e machucar. Não ofereça nada para ela beber, nem mesmo remédios, durante a convulsão. Em geral, as convulsões febris são raras e de curta duração.
Como cuidar da criança durante a convulsão?
- Coloque a criança voltada para um dos lados para evitar que se engasgue e sufoque com a saliva ou vômito, sem introduzir nada em sua boca.;
- Cuide da cabeça para não bater, apoiando-a numa superfície macia como almofada, ou colo de alguém;
- Folgue ou abra a blusa para liberar qualquer restrição à respiração e retire correntinhas, se houver;
- NUNCA DÊ NADA PARA A CRIANÇA TOMAR ENQUANTO ESTIVER inconsciente, nem mesmo remédios!
- Após a convulsão a criança pode ficar sonolenta. Cheque se está consciente e deixe-a dormir;
- Ao término, ligue para os responsáveis e narre todo o acontecimento com detalhes para que eles possam relatar o ocorrido para o profissional de saúde. Peça que venham buscar a criança imediatamente e levem-na para avaliação em serviço de saúde.
Conjuntivite
A maior parte das conjuntivites é viral e a sintomatologia é mais leve. As conjuntivites bacterianas causam dor e congestionamento mais intenso nos olhos, produzindo bastante secreção. Entretanto ambas são contagiosas e, nesse estado, as crianças não devem frequentar a creche.
Afastamento dos profissionais
Em caso de gripe, que muitas vezes vem acompanhada de sintomas intensos, e de conjuntivite, é preferível que o professor fique afastado do trabalho direto com as crianças nos grupos, pois poderá disseminar a doença para as crianças. Pode-se deixá-lo dedicado às atividades de planejamento, organização de estoque, relatório e até em áreas externas, sem que estabeleça contato com as crianças.
Ainda que hajam dicas e recomendações, o trabalho de saúde nas creches ainda é uma perspectiva nova para ser pensada e construída em conjunto, numa parceria entre profissionais da Saúde e da Educação.
Cecília Helena Siqueira Sigaud é professora Doutora da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, desde 1988. Graduada em Enfermagem na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Especializada em Saúde Materno-Infantil, Mestrado e Doutorado na Faculdade de Saúde Pública da USP. Atua, ensina e pesquisa na área de Saúde da Criança, sobre as temáticas Saúde em creche e pré-escola, Educação em saúde com crianças, e Brincar como cuidado à criança, e Educação em Enfermagem.
Leia mais sobre SAÚDE NA EDUCAÇÃO INFANTIL na postagem:
Conhecer outras experiências para se reconhecer e crescer!
Créditos das imagens na ordem em que aparecem publicadas:
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atlantablackstar.com
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revistaescola.abril.com.br
www.al.sp.gov.br
campolimpopaulista.sp.gov.br
www.guiadobebe.com.br
www.huffingtonpost.co.uk
www.docticare.co.uk
Nossa! Que bacana, um excelente conteúdo, está de parabéns professora Cecília!!! Fica com Deus!
Adorei esse blog, ele é bem claro e objetivo.