A educadora, especialista em Educação Lúdica e parceira, Tania Fukelmann Landau, escreveu duas postagens sobre o importante, polêmico e delicado momento da alimentação. Como qualquer ação que realizamos com as crianças, a hora das refeições precisa se transformar em momento de prazer para saciar os desejos da barriga vazia, da mente pesquisadora e do coração amoroso. É uma questão de olhar e de intenção. É cuidado e também educação.
Sou do tempo em que bebê gordinho era sinônimo de bebê saudável. E, dá-lhe mamadeiras engrossadas com maisena (nome popularizado para amido de milho), farinha de arroz, farinha láctea, Neston, etc. O leite do peito era rapidamente substituído pelo leite em pó e o desmame precoce naturalizado.
Se pudesse voltar no tempo e escolher o que fariam comigo, certamente recusaria as inúmeras mamadeiras que dilataram meu estômago e, que hoje, rendem alguns quilos a mais e me obrigam a lutar com a balança e com os hábitos e paladares que desenvolvi. Não se trata de um desabafo, muito menos de uma reclamação tardia pelos cuidados maternos. Tenho certeza que minha mãe agia com a melhor das intenções, assim como tantas outras faziam amorosamente com seus filhos. A história que vivi ainda no berço revela uma mentalidade que nasceu muito antes do meu nariz apontar para este mundo.
É bem sabido que amamentar nos tempos do Brasil colônia era tarefa para as amas de leite, geralmente negras escravas que dividiam o peito oferecido para os seus filhos com a prole nascida dos senhores e suas mulheres brancas. Muitas vezes, o próprio filho era desmamado, tomava água com farinha, leite de vaca e até mesmo de porcas para que o peito da mãe negra estivesse à disposição do filho branco. O circuito de terceirizações iniciava e mais tarde seria consagrado pela indústria do leite em pó, prometendo mais saúde para as crianças e liberdade para as mães.
É fato que conseguimos reduzir a mortalidade infantil, melhoramos nossas condições de higiene e saúde e que, por poderem deixar seus filhos sob o cuidado de outras pessoas, muitas mulheres foram liberadas para o trabalho. Ironicamente, o mesmo que hoje produz as papinhas, guloseimas e aromas para conquistar os pequenos consumidores.
Hábitos e culturas são transmitidos, existem em contextos de época, são frutos de nossas vivências e caminhos percorridos. Olhar para estes percursos e refletir sobre eles nos ajuda a pensar melhor as condições que criamos e recriamos para nutrir nossas crianças.
Esta é certamente uma perspectiva histórica e social que não podemos negar ou esquecer e que assinalam um lugar da infância. Que lugar é esse? Que crianças estamos formando? O que precisam estas crianças para crescerem e se desenvolverem de modo saudável e ao mesmo tempo seguras, autônomas e responsáveis por si mesmas?
Saber o que oferecer como alimento para a criança é uma questão bastante polêmica, assim como decidir quem deve alimentá-la, quando é a hora mais adequada para o desmame, como os sólidos devem ser introduzidos, e quais utensílios são os mais adequados para que a criança manuseie os alimentos. Parece algo simples que nós adultos complicamos.
Mas o que aprendem os bebês quando são alimentados? Qual é o objetivo da alimentação infantil?
É certo que a alimentação é um momento que vai muito além das necessidades fisiológicas de nutrir o corpo ainda em crescimento. Ela tem um forte conteúdo subjetivo. No período de gestação o bebê é alimentado diretamente pelo cordão umbilical. Ao nascer passa a solicitar pelo alimento e a partir de então inaugura-se uma nova forma de relação, profundamente marcada pela emoção que o ato de amamentar desperta tanto na mãe como no bebê. O pequeno tem agora a tarefa de constituir-se em sua unicidade. Somente mais tarde, com o processo de desmame e a passagem para uma alimentação sólida, é que ele poderá compreender a separação que existe entre si, o adulto e os alimentos. Este processo, além de ser acompanhado por inúmeras emoções, é também marcado pelos hábitos que temos enraizados.
Não é mero luxo, não é acaso. A história demonstra, a ciência aponta e nossa vivência comprova que comer e beber vai além de nutrir e saciar a fome. A refeição agrega, congrega e aproxima as pessoas. Desperta sensações e lembranças que podem ser prazerosas ou mesmo traumáticas, não é ladainha nem “conversa para boi dormir”: esta verdade nasce junto com a vida, inaugura-se na primeira mamada, como já foi mencionado.
Não há dúvidas que o ato de se alimentar nasce junto com um momento de acolhida e profunda intimidade com o adulto cuidador. Ao oferecer o peito, mamadeira ou copinho o adulto também oferece o contorno do seu colo, um olhar interessado, cria um ambiente seguro e confortável para que ambos possam vivenciar este ato com prazer e entrega total.
Ao mastigar uma fatia de maçã, saborear um caldinho de feijão ou beber um copo de limonada, a criança adquire muito mais do que vitaminas e sais minerais. Um corpo bem alimentado é também um corpo tratado com respeito, atenção e dedicação. Está longe do trato mecanizado e impessoal que costumamos encontrar em algumas instituições.
Estranho mesmo é imaginar que possa existir algum benefício à criança quando lhe enfiamos “goela abaixo” uma colherada de qualquer alimento, mesmo que este seja o mais saudável e nutritivo da face da terra.
Imaginamos que aquela fatia de maçã e o caldinho do feijão são pedacinhos do mundo, do desconhecido que a criança introduz e incorpora ao seu organismo: vale a pena deixá-la desvendar os mistérios da alimentação, em pequenas doses, no seu ritmo e, junto com isto, compreender “que o mundo é bão…Sebastião” * (Nando Reis).
Isto não significa que precisamos criar artifícios ou disfarçar o paladar da criança oferecendo-lhe produtos aromatizados, pratos que cantam, colheres anatômicas ou biscoitos com corantes e carinhas de Pokémon. O clima tranquilo, participativo, a possibilidade de fazer escolhas, o sabor das verduras, legumes e carnes preparados de forma caseira e receitas tradicionais dão conta de criar uma relação saudável e prazerosa com a comida.
A autonomia na hora de comer é um outro aspecto relevante e que deve ser observado com cautela. Do mesmo modo que não recomendamos forçar a ingestão dos alimentos, também não devemos antecipar ou retardar atitudes que os pequenos possam adquirir na direção de uma maior independência para comer.
Comer na escola ou na creche não é um detalhe a mais na rotina das crianças. Dar de comer aos pequenos em instituições cujos cuidados são compartilhados é um desafio. Um tema razoavelmente recente que precisa ser estudado e reavaliado a luz das novas teorias e pedagogias para a infância.
A hora de alimentar-se está longe de ser uma pausa ou complemento na aprendizagem e no desenvolvimento pleno da criança. Ao contrário, alimentação é cuidado e não custa nada lembrar que o cuidado anda junto com educação e é central na rotina com bebês e crianças pequenas.
Uma rotina bem elaborada, ambientes organizados, tranquilos e a atenção personalizada na hora das refeições fazem toda a diferença na experiência de vida das crianças.
Tânia Fukelmann Landau é fundadora e diretora da CONVERSO-Assessoria Pedagógica. Pedagoga pela PUC-SP e Especialista em Educação Lúdica pelo ISEVEC. Colaboradora em projetos e publicação da Fundação ABRINQ. Membro da diretoria da Casa do Povo (instituição cultural). Atualmente se dedica integralmente à formação continuada de educadores e aos estudos sobre a infância.
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Leia a segunda parte do texto da Tania e, enquanto isso, que tal refletir sobre a sua prática?
A partir do documento do MEC de 2009, Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças, de Maria Malta Campos e Fúlvia Rosemberg, levantamos alguns critérios para refletir sobre os cuidados humanizados de alimentação para crianças pequenas.
→ Alimentação para os bebês
- O momento da mamadeira é valorizado?
- Os bebês são segurados no colo e há demonstração de carinho para com eles enquanto se alimentam?
- Como está acontecendo o acompanhamento da transição da mamadeira para a colher e o copo? Os bebês estão recebendo ajuda quando necessário? Estamos elogiando suas conquistas?
→ Alimentação para todas as crianças
- Identificamos e respeitamos as preferências, ritmos e hábitos alimentares individuais?
- Organizamos e incentivamos as crianças maiorzinhas a se servirem e se alimentarem sozinhas?
- Apresentamos a comida com estética, capricho e cuidado?
- Os alimentos in natura ficam disponíveis para que as crianças possam conhece-los e ampliar sua cultura?
- Os meninos e meninas podem participar, sempre que possível, de algumas atividades na cozinha?
- As crianças participam da arrumação das mesas e dos utensílios, antes e após as refeições?
- As crianças que se locomovem com destreza são convidadas a levar os pratos, copos e talheres usados a um local especifico para serem lavados? Esse processo é explicado?
- As crianças têm oportunidade de conhecer a natureza dos alimentos, plantando, cultivando e acompanhando uma horta?
→ Organização dos espaços e preparo da alimentação
- A água filtrada está sempre acessível às crianças?
- O ambiente para as refeições é tranquilo e agradável?
As crianças podem conversar enquanto fazem as refeições? - Os alimentos são apropriados para as crianças de diferentes idades?
- Procuramos diversificar a alimentação das crianças, educando-as para uma dieta equilibrada e variada?
- Alimentos frescos são sempre incluídos nos cardápios?
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Mais Informações
Converso Assessoria Pedagógica e Ateliê Arte, Educação e Movimento apresentam a jornada Educação nos três primeiros anos com oportunidades para se debruçar sobre este período, com o olhar fundamentado na abordagem de Emmi Pikler.
O próximo Ciclo de postagens da Tânia será sobre Alimentação.
Para maiores informações e fazer sua inscrição no Educação nos três primeiros anos acesse o linkhttp://secretariaconverso.wixsite.com/educacaozeroatres ou pelos telefones: (11) 9 8226.9793 (Suzana) e (11) 9 4440.2272 (Tânia)
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Tânia Fukelmann Landau é pedagoga pela PUC-SP e especialista em Educação Lúdica pelo Instituto Superior de Educação Vera Cruz. Fundadora e Diretora da CONVERSO – Assessoria Pedagógica. Membro da diretoria da Casa do Povo (instituição cultural). Colaboradora em projetos e publicação da Fundação ABRINQ, com artigos publicados também no Blog Tempo de Creche.
Nosso refeitório é amplo , adequado para nossos crianças, durante as refeições , conseguem se alimentar tranquilamente
Cada dia a mais aprendendo a aprender são fundamentos todo os conteúdos.
Muito bom esse estudo, alimentação , rotina a introdução da alimentação, relação de afeto …..1