A educadora e formadora Mariana Americano escreveu este artigo esclarecedor para o Tempo de Creche, sobre cantos de brincadeiras:
Como entender os espaços de brincadeira nas rotinas da Educação infantil?
Permanentes ou variáveis: o que pensar sobre isso?
O que levar em conta ao organizar os espaços para brincar?
Leia o texto e aproveite para se inspirar nas fotos especialmente selecionadas pela autora 😉
É na escola, local em que passam tantas horas do dia, que as crianças começam a conhecer o mundo para além de suas relações familiares: aprendem sobre conviver, se respeitar, pertencer e desenvolver autonomia. O espaço escolar bem planejado é um recurso valioso para contribuir com estas conquistas.
Cada um de nós desenvolve uma relação específica com os espaços que frequenta. E, por sua vez, essas relações são influenciadas pelas conexões que estabelecemos com nossas experiências anteriores, com os nossos sentidos e percepções. Segundo o arquiteto italiano Enrico Battini (1982):
“Para a criança, espaço é o que sente, o que vê, o que faz nele. Portanto, o espaço é sombra e escuridão; é grande, enorme, ou pelo contrário, pequeno; é poder correr ou ter que ficar quieto; é esse lugar onde ela pode ir para olhar, ler, pensar.
O espaço é em cima, embaixo; é tocar ou não chegar a tocar; é barulho forte, forte demais ou, pelo contrário, silêncio, é tantas cores, todas juntas ao mesmo tempo ou uma única cor grande ou nenhuma cor…
O espaço, então, começa quando abrimos os olhos pela manhã em cada despertar do sono; desde quando, com a luz, retornamos ao espaço.”
O ambiente de um espaço de Educação Infantil é um lugar de aprendizagens que vai além do espaço físico. Ele fala das relações estabelecidas, das escolhas dos objetos, dos bebês, das crianças e dos adultos que utilizam esse lugar. Como diz Battini (1982), é em cima, embaixo e tudo provoca nossas percepções e sentidos.
Segundo as Diretrizes Curriculares, a criança é: “Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e praticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.” Assim, um espaço de Educação Infantil deve favorecer as interações entre as crianças, entre elas e os adultos e entre os objetos, mobiliários, elementos da cultura e da natureza e de tudo que a cerca. Todos estes espaços interacionais convidam a criança para experimentar um recorte do mundo que é mediado e selecionado pelos adultos.
Bebês e crianças se desenvolvem e aprendem por meio de experiências. Aprendem com o corpo inteiro – movimento e pensamento, emoção e cognição – e não sentadas com corpos parados, recebendo “aulas teóricas”. Aliás, é importante lembrar que no espaço de Educação Infantil não há aulas e, portanto, não deve ser concebido como centralizador da ação do professor e nem privilegiar ações únicas, nas quais todos fazem a mesma coisa. O espaço que promove o desenvolvimento e as aprendizagens das crianças, é organizado considerando cada um dos seus interlocutores, favorecendo a construção da autonomia dos pequenos e oferecendo diversas possibilidades ao mesmo tempo, que possam ser escolhidas por elas mesmas.
Então, como organizar esse espaço?
Como favorecer a autonomia e as aprendizagens das crianças?
O que precisamos pensar para organizá-lo?
É se perguntar: este espaço contempla cada uma das minhas crianças?
Ele possibilita que façam escolhas de acordo com os próprios interesses?
Esta proposta está organizada de forma que os bebês e as crianças não dependam do adulto para brincar? Os materiais necessários já estarão ali, disponíveis e acessíveis?
O adulto, então, é o responsável pela escolha criteriosa dos materiais e por organiza-los de forma convidativa: qual convite está sendo feito? Esse espaço está organizado para receber uma “visita”? Aqui, faço uma analogia com a vida cotidiana. Levanto a questão da importância estética na organização. Da mesma forma que arrumamos a nossa casa quando vamos receber uma visita, também arrumamos o espaço das propostas com muito capricho, pensando em cada um dos detalhes, na disposição dos objetos e na combinação de cores.
Não menos importante é o aconchego e o acolhimento transmitidos por meio da organização dos espaços: bebês e crianças ficam à vontade e seguros para brincar? Nesse sentido, é preciso respeitar a estabilidade e ter elementos conhecidos dos pequenos para compor uma organização estável e que transmita segurança. Você já refletiu sobre a sensação de chegar num lugar que a cada dia está diferente? Com certeza exigirá um esforço para que seja reconhecido. Isso também acontece com os pequenos quando se veem diante de muitas novidades, e precisam se esforçar para entender que aquele é o mesmo espaço já conhecido. Quanto menor o bebê, maior a necessidade de encontrar com o o que já é conhecido para se sentir seguro.
Também é importante que o espaço favoreça as diferentes necessidades das crianças, como contemplar os movimentos do corpo, oferecer possibilidades de brincar em pé, sentado, deitado, proporcionar aconchego, concentração e ambiente para movimentos mais amplos.
Os cantos de atividades permitem que as crianças fiquem mais livres brincando entre si, enquanto o adulto ali presente faz observações, intervenções e também reorganiza o espaço de acordo com a necessidade. Pode, por exemplo, retirar algum material que não esteja interessante, reorganizar um contexto ou acrescentar elementos novos.
Ainda observamos nos espaços de Educação Infantil uma rotina focada muito mais nos espaços internos do que nos externos e, por trás disso, a crença de que “dentro” a criança aprende e “fora” a criança brinca. Porém, já sabemos que bebês e crianças aprendem brincando através das experiências que vivenciam. Portanto, tanto espaços internos como os externos precisam ser cuidadosamente planejados.
A seguir compartilho alguns exemplos de salas de referência, organizadas para bebês e crianças em espaços de Educação Infantil:
Espaços externos:
E algumas possibilidades de propostas que podem ser oferecidas nesses espaços:
Portanto, é preciso considerar que os cantos intencionalmente organizados para brincadeiras diversificadas são recursos pedagógicos fundamentais para o desenvolvimento amplo das crianças. Estes cenários disparadores de brincadeiras não são algo “a mais” ou eventos esporádicos! Precisamos incorporar à rotina da professora o planejamento / observação / replanejamento dos cantos como rotinas já consolidadas na Educação Infantil: tomar café, almoçar, brincar no parque, atividades literárias, lavar as mãos, rodas de conversa, guardar a mochila. Para pensar na jornada completa das crianças, considerando a organização dos espaços, o grande segredo é observar o seu grupo de bebês e crianças e fazer as suas escolhas a partir da escuta de cada um deles.
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PARA SABER MAIS…
Mariana Americano é formadora de educadores de Educação Infantil. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Paulista (UNIP), especialista em Educação Infantil pela PUC-Rio. Conselheira fiscal da Associação Pikler Brasil e membro atuante da Rede Pikler Brasil (comissão de difusão e comunicação) que se dedica a estudar, aprofundar e disseminar a Abordagem Pikler no Brasil.
→ Leia mais sobre o brincar e os cantos de atividades nas postagens:
Tudo que vc faz é lindo e delicado. Orgulho de poder ter passado algum tempo com vc e ter um pouco do que vc me ensinou em minha pratica diária com meus bebês.
Amei o artigo! Mariana Americano sempre nos ensinando a direcionar o olhar para as especificidades dos nossos bebês e crianças… Obrigada, este artigo é um presente! Um abraço! Zi