Releitura na educação infantil, isso pode?

Releitura na educação infantil, isso pode?

Nos últimos anos, educadores inquietos têm se perguntado: podemos trabalhar com releitura na educação infantil? Mas afinal, o que é fazer releitura de uma obra de arte? Conversamos com a especialista em arte-educação Mirian Celeste Martins sobre este tema que gera dúvidas e controvérsias.

Curiosidade e imaginação são motores da aprendizagem da criança pequena. É nos desafios dos percursos investigativos que a criança constrói e cria.

Por isso, reler uma obra de arte “não pode ser copiar uma obra”. A releitura parte da percepção sensível de uma experiência livre, individual e significativa. A cópia, enquanto exercício, percorre outro caminho e não permite à criança vivenciar inteiramente sua natureza.

Então, como fazer para que aprender com uma obra de arte não seja copiá-la?

Para pensar sobre este tema inquietante, Mirian Celeste nos conta quando e porque surgiu a releitura.

A releitura no contexto da educação

Nas décadas de 1970-1980, a arte-educadora Ana Mae Barbosa propôs para o ensino da Arte nas escolas, uma reflexão apoiada no tripé da proposta triangular: criação (fazer) – leitura – contextualização, sendo este último processo inicialmente apoiado no conhecimento da história da arte.

Na época, a “leitura” de uma obra tinha a intenção de favorecer a ampliação do repertório do aluno e permitir o acesso a uma variedade de obras de arte. Os exemplos apresentados no livro de Ana Mae, A imagem no ensino da arte (1991), mostravam releituras a partir da visita ao acervo do Museu de Arte Contemporânea/USP, dirigido na época por ela.

Uma compreensão errônea da proposta triangular acabou gerando muitos desvios. Em geral, a contextualização foi simplificada pelo levantamento da biografia do artista estudado; a leitura se tornou uma breve apresentação/explicação da obra; e o fazer se configurou na cópia da obra, valorizando a semelhança e o produto final. Assim, com frequência, a obra se tornou um modelo a ser copiado, aproximando-se dos impressos prontos para desenhar e colorir, tão presentes na escola e facilmente encontrados na internet.

Então, por que ler obras?

Aprendemos mediados pelo mundo, já nos ensinava Paulo Freire, observando o que nos cerca e as produções humanas.  É assim que ampliamos nossas referências para além do que já conhecemos. A literatura das produções artísticas alimenta a criação e a exploração de formas, cores, materiais, temáticas e processos artísticos. Oferecer para as crianças a oportunidade de apreciar obras de arte, contribui para a ampliação dos modos de pensar e de fazer.
Mas, se estamos acostumados a seguir modelos e copiar, o que fazer?

Como evitar a cópia?

Mirian Celeste sugere que as propostas não fiquem focadas em trabalhar uma única obra ou um único artista de cada vez. A escolha do que será oferecido deve estar articulada ao que queremos explorar, já que o foco não é apenas conhecer artistas, e sim exercitar a apreciação das obras. Por exemplo, pode ser instigante explorar o uso das cores pelos artista. Neste caso, seria interessante propor para as crianças a observação de várias obras, de diferentes artistas que trazem a questão da cor em seu trabalho: cores chapadas, realistas, surrealistas, experimentais.
Veja o olhar contemporâneo da artista Lucia Koch para a cor e a luz que surgem sutilmente nas suas obras:

Cono Norte (Los Olivos), 2011. Obra da artista Lucia Koch

 

Martini-duplo, 2011. Obra da artista Lucia Koch

Outro exemplo poderia ser explorar temas como paisagens e casas, apresentando para as crianças uma diversidade de obras, artistas e estilos que exploram este assunto. Nesse contexto, as crianças vão ter a oportunidade de ler obras e perceber que cada artista tem um trabalho muito diferente, sem certo ou errado, ou bonito e feio.

Releitura? Que tal trocar por experiências de pesquisa com a cor?

Ao despertar a curiosidade da criança sobre os diferentes processos de criação – cada artista se expressa à sua maneira – valorizamos a produção individual. Com isso, as crianças percebem que elas também podem ter processos de criação individuais, e se afastam do desejo limitante de copiar o “fazer” específico do artista.

Desse modo, deixamos a cópia de lado! Valorizamos a criação a partir da arte, do que sentimos ao apreciar o trabalho dos artistas e daquilo que eles inspiram em nós. 

O fim do certo-errado, bonito-feio!

Esta abordagem tem grande impacto em todo o desenvolvimento infantil. Mirian Celeste ressalta que se assegurarmos à criança que ela pode criar seus próprios processos, então não cabe certo-errado, bonito-feio, ou ainda estar preso à resposta de perguntas do tipo o que é? O que você fez? Estas colocações já trazem em si limitações ao processo criativo! Se o valor está no processo, é ele que deverá importar para a criança e para o professor! Neste sentido, fica fácil entender porque o produto final é o trabalho singular de uma criança, com significados que expressam suas opiniões, emoções e sentimentos.

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PARA SABER MAIS…

Mirian Celeste Martins é professora do Curso de Pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura e do Curso de Pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde coordena os Grupos de Pesquisa: Arte na Pedagogia e Mediação Cultural: provocações e mediações estéticas. É também conselheira da América Latina da INSEA – International Society of Education trhough Art.

Pesquise inúmeras obras de arte e visitas virtuais a museus no Google Arts and Culture.

Lucia Koch é uma artista multimídia, escultora, fotógrafa, nascida em Porto Alegre, RS. Pesquise no site do Itaú Cultural.

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